São Paulo, sábado, 05 de outubro de 2002

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BRASIL PROFUNDO

Em uma cidade do interior de São Paulo, campanha eleitoral é quase ficção

Casa do chapéu

ARMANDO ANTENORE
ENVIADO A BARRA DO CHAPÉU (SP)

A pequena e pobre Barra do Chapéu -no Vale do Ribeira, sudoeste de São Paulo- é uma cidade predominantemente evangélica. Por ali, entretanto, mal se tem notícia de Anthony Garotinho. Não há cartazes do candidato nas estreitas ruas, todas de terra, que compõem o lugarejo. Também não há faixas, folhetos ou adesivos. Nada.
Parte dos "crentes" locais nem mesmo sabe que um evangélico deseja alcançar a Presidência da República. São os "sem TV" -aqueles que, por razões religiosas, não vêem televisão. Rádio, escutam, mas evitam os programas políticos. Assim como passam longe de comícios e de qualquer evento do gênero.
Uma outra parcela, menos ortodoxa, mantém-se razoavelmente informada e conhece Garotinho. Só que, discretíssima, não revela em quem votará.
Resumindo: na cidade dos evangélicos, distante 344 km da capital paulista (menos que a distância entre o Rio e são Paulo), o desempenho do presidenciável ainda é uma incógnita.
O candidato do PSB pode tanto estourar quanto submergir fundo. Se depender da prefeita -Maria Anunciata da Silva Leme, 37, tucana de última hora e católica-, Garotinho naufragará.
""Escreva: José Serra irá surpreender na Barra", promete.
"O povo daqui me respeita muito." Se depender dos inimigos da prefeita, vai dar Lula.
Barra do Chapéu virou município em 1991, quando se emancipou de Apiaí. Com 4.840 habitantes e 3.845 eleitores, exibe um dos piores IDHs (Índice de Desenvolvimento Humano) do Estado. Só perde para Barra do Turvo, também no Vale do Ribeira.
Possuir IDH ruim -um indicador medido pelo IBGE- signfica registrar altas taxas de analfabetismo e mortalidade infantil, carecer de infra-estrutura e amargar renda per capita irrisória.
Sem dúvida, a miséria motivou a ascensão evangélica na Barra do Chapéu. A negligência católica, porém, contribuiu igualmente. Moradores relatam que, por décadas, o padre da região visitava pouco o município. Como levava meses para voltar, vários namorados de lá casaram-se em 8 de setembro -dia da padroeira.
"Era certeza de que o sacerdote apareceria", recorda a comerciante Alina Lima Conceição, 76.
Hoje, o pároco de Apiaí reza missas semanais na Barra, onde existem nove igrejas. Chega, celebra a eucaristia e vai embora. Já os evangélicos contam com a presença constante de cinco pastores, que vivem na cidade.
Dispõem, ainda, de 23 templos. A maioria (14) pertence à Congregação Cristã no Brasil. Os demais distribuem-se entre os batistas, presbiterianos, adventistas e adeptos da Assembléia de Deus.
Juntos, os "crentes" somam algo como 70% da população, de acordo com a prefeitura. Pentecostal, a Congregação Cristã é a única da Barra que pede para os fiéis não assistirem à TV.
Recomenda, também, que se afastem das campanhas e discussões políticas. "A televisão disse mina a violência, a droga e a sexualidade deturpada", acredita o pastor Valderi Luiz Vidal Cezar, 43. "Já a política estimula a intriga e o conflito."
"Se você sair perguntando, não ouvirá ninguém dizer que vai votar no Garotinho, porque somos assim, meio caladões", explica Edivaldo Sebastião da Silva, 39, presbítero da Assembléia de Deus. "Podemos até parecer bobos, mas não se engane: na hora H, o pessoal da nossa igreja saberá o que fazer."
A prefeita -que se elegeu pelo PPB como "Mãezinha do Povão" e está no PSDB há um ano- aposta em frenético corpo-a-corpo para emplacar Serra entre os eleitores da cidade.
Espalhou faixas e banners de tucanos por boa parte da área urbana, de tal modo que o azul e o amarelo prevalecem com larga vantagem sobre as cores dos outros concorrentes.
Na zona rural, a prefeita distribuiu "santinhos" de casa em casa -cerca de 10 mil folhetos, que trazem o número do presidenciável governista.
Trabalha forte, ainda, por seu padrinho político, Adhemar de Barros Filho. O pepebista disputa uma vaga na Câmara.
"Ela que espalhe quantos cartazes quiser. Cartaz não vota", desdenha o pedreiro João Batista Rafael da Mota, 38, que integra o diretório municipal do PT e se opõe à prefeita. "Nossa campanha é mesmo mais modesta, pois o Lula, aqui, já nem precisa de propaganda", diz ele.


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