São Paulo, terça-feira, 05 de novembro de 2002

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TRANSIÇÃO

José Dirceu critica represamento de preços e o "cinismo" do governo

Lula começa na quinta a discutir novo "pacto social"

Tuca Vieira/Folha Imagem
O presidente nacional do PT, José Dirceu, durante entrevista


PLÍNIO FRAGA
FÁBIO ZANINI
DA REPORTAGEM LOCAL

O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva realiza na quinta-feira a primeira reunião com empresários, sindicalistas e representantes do movimento social para articular um novo pacto social.
O encontro, com cerca de cem pessoas, será o embrião do futuro Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. "Não é uma discussão só em torno de tarifas e controle de inflação, mas da retomada do crescimento econômico e da realização de reformas que o país precisa", afirmou o presidente nacional do PT, José Dirceu.
Os convites estão sendo enviados pelo PT. A reunião será realizada de 10h às 12h, no hotel Intercontinental, em São Paulo. Em 19 de outubro, Lula já havia se reunido com cerca de 90 pessoas para discutir a criação do conselho.
Dirceu disse ontem que o governo de Lula só aumentará o superávit fiscal [economia para pagar juros da dívida" para mais de 3,75% "se for absolutamente necessário". Declarou que tentará convencer as autoridades monetárias internacionais de que é um "erro" colocar o país em recessão.
O presidente do PT afirmou que "beira o cinismo" membros do governo dizerem que agora o partido é contrário ao aumento do mínimo de R$ 211, como prevê a proposta orçamentária de 2003, para R$ 240, como defendia antes: "É fácil os membros do governo irem à televisão ficar fazendo jogo de palavras. Beira o cinismo porque eles é que são os responsáveis pela impossibilidade de se dar um aumento maior do mínimo". Leia trechos da entrevista de Dirceu:
 

PACTO SOCIAL - Está convocada para quinta-feira a reunião daquilo que virá a ser o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. Serão discutidas propostas que deverão ser implementadas no país, tanto em vista da parte social como para cumprir o programa de governo de Lula.

REFORMAS - É uma questão que tem de ser discutida de forma mais ampla, em termos de política econômica. Tem de ser analisada quando conseguirmos formatar uma agenda e a mesa de discussão do pacto social. Não pode ser analisada de forma isolada. Tínhamos proposto desde o começo que o pacto social envolva propostas que têm de ser aprovadas no Congresso. O presidente Lula sempre defendeu a necessidade da reforma tributária, da previdenciária, da retomada do crescimento, do combate à fome, da segurança pública. A partir desta quinta, vamos evoluir para o formato, a agenda, a composição.

SUPERÁVIT FISCAL - Quando se fala de boca cheia do superávit, de uma maneira fria, vocês sabem o que significa: mais recessão, mais corte de gastos sociais, menos repasses para os governos estaduais e municipais, mais desestímulo à economia, mais estímulo à economia informal, desaquecimento da economia do país. Se fala disso com uma facilidade, como se não existisse a sociedade, um país já com milhões e milhões de pobres. Somos bastante objetivos: se necessário, trabalharemos com o superávit necessário. Mas evidentemente temos que buscar outras saídas. Não é verdade que o país tem de maneira inexorável aumentar o superávit fiscal. Nesse momento, o dólar está se depreciando, temos volta das linhas de crédito, a inflação não é de demanda. Faremos tudo para manter o superávit em 3,75% em matéria de política econômica. Só faremos outro superávit se for absolutamente necessário. Vamos procurar demonstrar às autoridades monetárias internacionais que a economia brasileira tem um potencial de crescimento, que é um erro trabalhar com percentual cada vez maior de superávit e com a recessão. Temos de fazer tudo para fazer a reforma tributária. Esse é o caminho. Para reduzir os juros, aumentar o crédito, retomar o crescimento. Mais superávit e mais empréstimo externo podem resolver o problema do país nos próximos seis meses, mas a médio prazo arruina o país, não permite que o país cresça. A agenda do país tem de ser a reforma tributária, a previdenciária, não mais o superávit. É redirecionar os investimentos do BNDES, dos fundos de pensão, das estatais. Temos de pensar em crescer, em desviar a rota. Não significa que, havendo necessidade, vamos enfiar a cabeça embaixo da terra, mas não é o nosso objetivo.

AUMENTOS DO GÁS E DA GASOLINA - Os aumentos foram represados antes da eleição. É público e notório. Dispensa comentários. São frutos do aumento do dólar. O governo tem de rediscutir os repasses do valor do dólar aos preços das tarifas. Foi errado explorar o terrorismo econômico, manipular informação no período eleitoral. Não prejudicou nossa campanha, mas prejudicou o país. Não há razão para o dólar ter estado a quase R$ 3,90.

MINISTÉRIO - Sobre ministério, só fala o presidente eleito. Nem eu estou mais autorizado. Sobre a presidência do Banco Central, há opção clara de o Senado aprovar o nome antes do recesso. Há tempo.

ORÇAMENTO - Nós não governamos o Brasil. O Orçamento atual não é o do presidente Lula. É do governo Fernando Henrique Cardoso, estabelecido a partir das consequências de sua política e diretrizes econômicas. Sabemos que a situação do país, de quando se discutiu o Orçamento de 2002 e hoje, se deteriorou gravemente. A proposta enviada pelo governo previa inflação de 3%, crescimento de 3% e relação dívida/PIB de menos de 50%. Não podemos discutir qualquer questão do Orçamento esquecendo a deterioração da economia, o aumento da inflação. Por isso toda questão se complicou, inclusive a do salário mínimo, que é uma questão deste governo. O compromisso do candidato Lula foi dobrar o mínimo em quatro anos. Quando se discutem propostas que o PT fez, esquece-se que aquele cenário econômico não existe mais, numa situação orçamentária que não existe mais. Em relação à nossa proposta de mínimo de R$ 240, o que mudou foi o agravamento da situação do país. Vamos discutir com a sociedade a situação que estamos herdando, não a situação de um ano atrás. É fácil os membros do governo irem à televisão ficar fazendo jogo de palavras. Beira o cinismo porque eles é que são os responsáveis pela impossibilidade de se dar aumento maior do mínimo e ainda querem atribuir a nós a responsabilidade de dar um aumento menor do mínimo. Deixem assumirmos o governo.

REFORMA TRIBUTÁRIA - Nós temos autoridade para falar da reforma tributária porque queremos votar a favor dela. O governo levou a situação do país a um ponto em que não há tempo para discutir reforma tributária e é preciso manter as alíquotas do IR e da Contribuição Sobre o Lucro Líquido. Não somos favoráveis a elas, mas querer discutir agora é como na questão do mínimo.

REUNIÃO DO PT - Não foi para aparar arestas. O Lula ainda não comunicou à direção do PT e já disse publicamente que não iniciou o processo em relação à montagem de governo. Discutimos o balanço da eleição, a questão das Mesas da Câmara e do Senado e a equipe de transição. O partido está unido, como durante a campanha. A unidade foi fundamental para a vitória e será para o governo. Tenho conversado com todas as forças políticas do PT. Temos ouvido a mais firme determinação de apoiar o presidente Lula. Não haverá riscos de o PT se dividir na composição do governo. Pelo contrário. Outra coisa é o debate político, opinião sobre propostas. No PT, é democrático discutir, debater, mas, tomada a decisão, todos cumprimos. No PT, existe disciplina de bancada.

VENDA DE AÇÕES DO BB - A posição do partido é de que é inoportuna. O governo tem o direito de fazê-lo, mas seria adequado esperar o próximo governo.

AUTONOMIA DO BC - Não há nenhuma hipótese de o PT discutir, aceitar ou votar a independência do Banco Central. Nem o presidente Fernando Henrique Cardoso foi favorável à autonomia do BC. O que estamos discutindo é a regulamentação do artigo 192 da Constituição. Se formatou de tal forma esse dispositivo constitucional que ele exige que uma única lei complementar faça a reforma de todo o sistema financeiro e bancário. Isso é impossível. Vamos mudar o artigo 192 para que leis complementares possam reformar o sistema bancário. Nessa discussão entrará o papel do BC.



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