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JANIO DE FREITAS
A usina da crise
As 37,5 mil faltas pagas como presenças denunciam mais a degradação da Câmara que o "valerioduto", por exemplo
ASSUNTO FREQÜENTE, ano a
ano, neste espaço, as ausências bem remuneradas de deputados às sessões da Câmara receberam a demonstração quantitativa
que faltava para o escândalo que essa imoralidade, contra os cofres públicos e contra a população, merece,
mas não vê surgir.
Nos últimos quatro anos (até setembro), as 37,5 mil faltas pagas como presenças, conforme levantamento de Ranier Bragon na Folha,
sob vários aspectos denunciam
muito mais a degradação da Câmara do que o "valerioduto", os sanguessugas e outras ordinarices.
Além de não ser prática própria de
um grupo, mas hábito da grande
maioria, é aceito, defendido e exercido por muitos dos que passam
por integrantes da banda moralmente válida do Congresso.
A "missão oficial" alegada depois
das faltas, quando é conveniente a
preservação de aparências, no
maior número de casos não passaria de falsificação, se ocorresse
uma auditoria decente para apurar
as burlas dos faltosos ao Regimento da Câmara e a determinações
claras da Constituição. As burlas,
porém, não se completam sem a
contribuição das sucessivas Mesas
Diretoras da Câmara. Ora por
omissão, ora com a colaboração de
abonos injustificáveis de faltas e
com a atribuição de "caráter de representação oficial" a passeios e
atividades de interesse pessoal.
O mais enfático dos compromissos públicos de Aldo Rebelo, do PC
do B, ao se eleger presidente para
substituir Severino Cavalcanti, foi
a adoção dos descontos e outras
determinações regimentais para os
faltosos. Como complemento,
maior obrigação de presença do
que em um dia ou dois na semana.
Severino Cavalcanti foi mais fiel
aos seus compromissos do que o
substituto que vinha sustar a degradação.
Maurício Rands, visto no PT como um dos seus deputados de mais
realce, exemplifica de maneira primorosa o parlamentar de imagem
preservada enquanto recebe por
suas faltas. Praticante das "missões
oficiais" que são apenas idas, por
exemplo, a festas juninas, esse
deputado oferece o anteparo de
suas aparências: "A participação do
parlamentar na vida cultural de
sua comunidade é parte do elenco
de deveres do seu mandato. (...)
É um momento de interação e de
fortalecimento da vida cultural da
região".
Antes de mais nada, a empolação
é presunçosa, com a fantasia de
que sua presença pudesse representar "fortalecimento cultural"
em algum sentido. Além disso, o
"elenco de deveres" do parlamentar é o que figura na Constituição,
na legislação e no Regimento, e não
inclui festanças e outras atividades
de conveniência pessoal. Para isso,
por fim, o parlamentar desfruta de
fins de semana, feriados, férias
duas vezes ao ano e mais longas
que as de qualquer trabalhador e,
ainda, da possibilidade de faltar,
com o desconto devido.
Ou a Câmara dos Deputados refreia sua ação de usina de imoralidades ou é razoável supor que será,
mais tarde ou mais cedo, a geradora de uma crise institucional.
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