São Paulo, terça-feira, 05 de dezembro de 2006

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JANIO DE FREITAS

A usina da crise

As 37,5 mil faltas pagas como presenças denunciam mais a degradação da Câmara que o "valerioduto", por exemplo

ASSUNTO FREQÜENTE, ano a ano, neste espaço, as ausências bem remuneradas de deputados às sessões da Câmara receberam a demonstração quantitativa que faltava para o escândalo que essa imoralidade, contra os cofres públicos e contra a população, merece, mas não vê surgir.
Nos últimos quatro anos (até setembro), as 37,5 mil faltas pagas como presenças, conforme levantamento de Ranier Bragon na Folha, sob vários aspectos denunciam muito mais a degradação da Câmara do que o "valerioduto", os sanguessugas e outras ordinarices. Além de não ser prática própria de um grupo, mas hábito da grande maioria, é aceito, defendido e exercido por muitos dos que passam por integrantes da banda moralmente válida do Congresso.
A "missão oficial" alegada depois das faltas, quando é conveniente a preservação de aparências, no maior número de casos não passaria de falsificação, se ocorresse uma auditoria decente para apurar as burlas dos faltosos ao Regimento da Câmara e a determinações claras da Constituição. As burlas, porém, não se completam sem a contribuição das sucessivas Mesas Diretoras da Câmara. Ora por omissão, ora com a colaboração de abonos injustificáveis de faltas e com a atribuição de "caráter de representação oficial" a passeios e atividades de interesse pessoal.
O mais enfático dos compromissos públicos de Aldo Rebelo, do PC do B, ao se eleger presidente para substituir Severino Cavalcanti, foi a adoção dos descontos e outras determinações regimentais para os faltosos. Como complemento, maior obrigação de presença do que em um dia ou dois na semana. Severino Cavalcanti foi mais fiel aos seus compromissos do que o substituto que vinha sustar a degradação.
Maurício Rands, visto no PT como um dos seus deputados de mais realce, exemplifica de maneira primorosa o parlamentar de imagem preservada enquanto recebe por suas faltas. Praticante das "missões oficiais" que são apenas idas, por exemplo, a festas juninas, esse deputado oferece o anteparo de suas aparências: "A participação do parlamentar na vida cultural de sua comunidade é parte do elenco de deveres do seu mandato. (...) É um momento de interação e de fortalecimento da vida cultural da região".
Antes de mais nada, a empolação é presunçosa, com a fantasia de que sua presença pudesse representar "fortalecimento cultural" em algum sentido. Além disso, o "elenco de deveres" do parlamentar é o que figura na Constituição, na legislação e no Regimento, e não inclui festanças e outras atividades de conveniência pessoal. Para isso, por fim, o parlamentar desfruta de fins de semana, feriados, férias duas vezes ao ano e mais longas que as de qualquer trabalhador e, ainda, da possibilidade de faltar, com o desconto devido.
Ou a Câmara dos Deputados refreia sua ação de usina de imoralidades ou é razoável supor que será, mais tarde ou mais cedo, a geradora de uma crise institucional.


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