São Paulo, domingo, 06 de janeiro de 2008

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Medalhas alimentam fogueira das vaidades e esvaziam cofres

Orgulho com condecorações se estende por integrantes dos três Poderes e expõe casos de premiados que viraram pivôs de escândalos

Somente o governo de Minas Gerais gastou quase R$ 1 milhão para distribuir 1.792 medalhas e colares nos dois últimos anos


FREDERICO VASCONCELOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Se fossem obrigados a ostentar todas as condecorações recebidas, 26 dos 44 ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) e do STJ (Superior Tribunal de Justiça) vergariam com o peso das 410 medalhas citadas em seus currículos. Os outros não divulgam as homenagens.
A profusão de placas, colares e galerias de retratos também atiça a fogueira das vaidades no Executivo e no Legislativo. É uma prática comum nos vários Estados, porém muito mais disseminada em Minas Gerais.
Políticos, notáveis e colunáveis mineiros estão sempre recebendo ou concedendo honrarias. O governo Aécio Neves (PSDB) distribuiu 1.792 medalhas e colares em 2006 e 2007, com gastos totais de quase R$ 1 milhão. O número supera as 1.580 condecorações dadas pelo governo de São Paulo desde a criação da Ordem do Ipiranga, em 1969, e da Medalha dos Bandeirantes, em 1980. A Justiça Federal de Minas Gerais, por exemplo, já chegou a conceder medalha a um doleiro: Joseph Assaf El Bacha.
A ministra do STF Carmen Lúcia, nascida em Minas Gerais, chegou ao Supremo com 15 medalhas no currículo, 10 das quais concedidas pelo governo mineiro. Ela acumula méritos da Saúde, da Educação, das polícias Civil e Militar, dos Bombeiros, do Legislativo e do Judiciário, além da Medalha da Inconfidência, que é a maior condecoração oficial de Minas.
O recorde de homenagens no Supremo, porém, cabe ao ministro Marco Aurélio Mello , com 82 medalhas. No STJ, Cesar Asfor Rocha lista 29 medalhas. Tem seu nome em salas e auditórios de fóruns do Ceará e o busto colocado numa entidade estadual de magistrados.
O afago no ego dos políticos gera distorções e contrastes. Quando Lula concedeu a Ordem do Rio Branco a Severino Cavalcanti, o presidente da Câmara já era alvo de denúncias. O líder do PSDB, Artur Virgílio, alfinetou: "Ou Severino devolve a medalha, ou o Conselho da Ordem do Rio Branco a suspende, ou eu devolvo a minha". O senador Jefferson Peres (PDT-AM) também ameaçou entregar a sua, de grau inferior. Severino mantém a que ganhou.
Meses antes, o deputado estadual maranhense Rubem Brito (PDT), do mesmo partido de Peres, propusera conceder a Severino a medalha Manoel Bequimão, da Assembléia estadual, pois ele impedira que Roseana Sarney fosse ministra.
O deputado Inocêncio Oliveira (DEM-PE), ex-presidente da Câmara, acusado de explorar trabalho escravo, possui a Ordem do Mérito do Trabalho, do Tribunal Superior do Trabalho, e duas medalhas de associações de juízes trabalhistas.
Investigado por suposto envolvimento com a criminalidade, o juiz trabalhista Ernesto Pinto Dória indicou, em 2000, o senador Romeu Tuma, que tem a imagem de xerife, para a medalha do Mérito da Justiça do Trabalho de Campinas.
O Tribunal Regional do Trabalho em São Paulo evita confirmar os motivos que levaram a corte a homenagear, em 2002, a procuradora regional da República Janice Ascari, que investigou os desvios do Fórum Trabalhista de São Paulo. Janice recebeu uma medalha na véspera da sentença que absolveu o ex-senador Luiz Estevão e condenou o ex-juiz Nicolau dos Santos Neto. O TRT-SP não revela o currículo de Nicolau, o que impede confirmar se ele foi laureado antes de desviar dinheiro público da obra.
Nelson Jobim, a quem se atribui a intromissão no texto da Constituição Federal de artigos não aprovados pela Constituinte de 1988, foi condecorado em 1990 com a Ordem do Congresso Nacional. Ao assumir o ministério da Defesa, já tinha comendas de mérito militar das três armas. Ministro civil, continua recebendo promoções das Forças Armadas.
Em pleno caos aéreo, a Aeronáutica distinguiu Milton Zuanassi e Denise Abreu, da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), com a Medalha Santos Dumont. Zuanassi e Abreu foram denunciados, acusados de tentar ludibriar um tribunal nas investigações sobre o acidente da TAM em Congonhas.
Em solenidade recente, 325 pessoas foram agraciadas com a medalha do Legislativo mineiro. Neste ano, o Tribunal de Justiça do Estado adquiriu número igual de medalhas. Seu presidente, desembargador Adão Carvalho, não presidiu sessão da Corte na véspera de um feriado para inaugurar, em Alfenas, galeria de fotos de juízes. Paralelamente, o Ministério Público de MG inaugurava a galeria de foto dos ex-corregedores gerais em suas novas instalações. Exemplo de vaidade ambulante, a Caixa Econômica Federal gastou R$ 26,6 mil em painéis móveis de madeira com fotografias de juízes do Tribunal Regional Federal em São Paulo. O Ministério Público Federal também tem a sua Ordem do Mérito, criada na gestão do ex-procurador geral da República Geraldo Brindeiro.
No mesmo mês em que a Justiça estadual de MG concedeu medalha à presidente do STF, ministra Ellen Gracie, a Justiça Federal de primeiro grau comemorou 40 anos em Belo Horizonte com entrega de medalhas e placas, entre outros, ao ministro das Comunicações, Hélio Costa, e ao presidente do STJ, Barros Monteiro.
Na Justiça Federal de MG um ex-juiz federal, criador de uma comenda, ficou conhecido como "Zé das Medalhas", personagem da novela "Roque Santeiro", de Dias Gomes.
O Tribunal de Contas da União criou sua medalha em 2003, em prata, com aplicação de banho de ouro, confeccionada pela Casa da Moeda. Em 2004, o TCE de São Paulo alterou o seu Colar do Mérito e criou o Grande Colar do Mérito da Justiça de Contas e a Medalha de Serviços Meritórios.
No Pará, o Ministério Público pediu a devolução da medalha Serzedêlo Corrêa entregue a uma filha de Sebastião Santana, ex-presidente do Tribunal de Contas do Estado, pelos "bons serviços prestados". Lotada no gabinete do pai, ela morava nos Estados Unidos.
Em 2004, o presidente da Infraero, Carlos Wilson Campos, recebeu a medalha do Mérito Nilo Coelho, do TCE de Pernambuco. Ele é suspeito de irregularidades na Infraero.
O Sindireceita, sindicato que reúne técnicos da Receita Federal, homenageou com sua medalha de mérito, entre outros, o ex-ministro Antonio Palocci, suspeito de participação na quebra de sigilo de um caseiro, e o ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP), um dos réus do mensalão.


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