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Medalhas alimentam fogueira das vaidades e esvaziam cofres
Orgulho com condecorações se estende por integrantes dos três Poderes e expõe casos de premiados que viraram pivôs de escândalos
Somente o governo de Minas Gerais gastou quase R$ 1 milhão para distribuir 1.792 medalhas e colares nos dois últimos anos
FREDERICO VASCONCELOS
DA REPORTAGEM LOCAL
Se fossem obrigados a ostentar todas as condecorações recebidas, 26 dos 44 ministros do
STF (Supremo Tribunal Federal) e do STJ (Superior Tribunal de Justiça) vergariam com o
peso das 410 medalhas citadas
em seus currículos. Os outros
não divulgam as homenagens.
A profusão de placas, colares
e galerias de retratos também
atiça a fogueira das vaidades no
Executivo e no Legislativo. É
uma prática comum nos vários
Estados, porém muito mais
disseminada em Minas Gerais.
Políticos, notáveis e colunáveis mineiros estão sempre recebendo ou concedendo
honrarias. O governo Aécio Neves (PSDB) distribuiu 1.792
medalhas e colares em 2006 e
2007, com gastos totais de quase R$ 1 milhão. O número supera as 1.580 condecorações dadas pelo governo de São Paulo
desde a criação da Ordem do
Ipiranga, em 1969, e da Medalha dos Bandeirantes, em 1980.
A Justiça Federal de Minas Gerais, por exemplo, já chegou a
conceder medalha a um doleiro: Joseph Assaf El Bacha.
A ministra do STF Carmen
Lúcia, nascida em Minas Gerais, chegou ao Supremo com
15 medalhas no currículo, 10
das quais concedidas pelo governo mineiro. Ela acumula
méritos da Saúde, da Educação,
das polícias Civil e Militar, dos
Bombeiros, do Legislativo e do
Judiciário, além da Medalha da
Inconfidência, que é a maior
condecoração oficial de Minas.
O recorde de homenagens no
Supremo, porém, cabe ao ministro Marco Aurélio Mello ,
com 82 medalhas. No STJ, Cesar Asfor Rocha lista 29 medalhas. Tem seu nome em salas e
auditórios de fóruns do Ceará e
o busto colocado numa entidade estadual de magistrados.
O afago no ego dos políticos
gera distorções e contrastes.
Quando Lula concedeu a Ordem do Rio Branco a Severino
Cavalcanti, o presidente da Câmara já era alvo de denúncias.
O líder do PSDB, Artur Virgílio,
alfinetou: "Ou Severino devolve a medalha, ou o Conselho da
Ordem do Rio Branco a suspende, ou eu devolvo a minha". O
senador Jefferson Peres (PDT-AM) também ameaçou entregar a sua, de grau inferior. Severino mantém a que ganhou.
Meses antes, o deputado estadual maranhense Rubem
Brito (PDT), do mesmo partido
de Peres, propusera conceder a
Severino a medalha Manoel
Bequimão, da Assembléia estadual, pois ele impedira que Roseana Sarney fosse ministra.
O deputado Inocêncio Oliveira (DEM-PE), ex-presidente
da Câmara, acusado de explorar trabalho escravo, possui a
Ordem do Mérito do Trabalho,
do Tribunal Superior do Trabalho, e duas medalhas de associações de juízes trabalhistas.
Investigado por suposto envolvimento com a criminalidade, o juiz trabalhista Ernesto
Pinto Dória indicou, em 2000,
o senador Romeu Tuma, que
tem a imagem de xerife, para a
medalha do Mérito da Justiça
do Trabalho de Campinas.
O Tribunal Regional do Trabalho em São Paulo evita confirmar os motivos que levaram
a corte a homenagear, em
2002, a procuradora regional
da República Janice Ascari, que
investigou os desvios do Fórum
Trabalhista de São Paulo. Janice recebeu uma medalha na
véspera da sentença que absolveu o ex-senador Luiz Estevão
e condenou o ex-juiz Nicolau
dos Santos Neto. O TRT-SP não
revela o currículo de Nicolau, o
que impede confirmar se ele foi
laureado antes de desviar dinheiro público da obra.
Nelson Jobim, a quem se
atribui a intromissão no texto
da Constituição Federal de artigos não aprovados pela Constituinte de 1988, foi condecorado em 1990 com a Ordem do
Congresso Nacional. Ao assumir o ministério da Defesa, já
tinha comendas de mérito militar das três armas. Ministro civil, continua recebendo promoções das Forças Armadas.
Em pleno caos aéreo, a Aeronáutica distinguiu Milton Zuanassi e Denise Abreu, da Anac
(Agência Nacional de Aviação
Civil), com a Medalha Santos
Dumont. Zuanassi e Abreu foram denunciados, acusados de
tentar ludibriar um tribunal
nas investigações sobre o acidente da TAM em Congonhas.
Em solenidade recente, 325
pessoas foram agraciadas com
a medalha do Legislativo mineiro. Neste ano, o Tribunal de
Justiça do Estado adquiriu número igual de medalhas. Seu
presidente, desembargador
Adão Carvalho, não presidiu
sessão da Corte na véspera de
um feriado para inaugurar, em
Alfenas, galeria de fotos de juízes. Paralelamente, o Ministério Público de MG inaugurava a
galeria de foto dos ex-corregedores gerais em suas novas instalações. Exemplo de vaidade
ambulante, a Caixa Econômica
Federal gastou R$ 26,6 mil em
painéis móveis de madeira com
fotografias de juízes do Tribunal Regional Federal em São
Paulo. O Ministério Público Federal também tem a sua Ordem
do Mérito, criada na gestão do
ex-procurador geral da República Geraldo Brindeiro.
No mesmo mês em que a Justiça estadual de MG concedeu
medalha à presidente do STF,
ministra Ellen Gracie, a Justiça
Federal de primeiro grau comemorou 40 anos em Belo Horizonte com entrega de medalhas e placas, entre outros, ao
ministro das Comunicações,
Hélio Costa, e ao presidente do
STJ, Barros Monteiro.
Na Justiça Federal de MG
um ex-juiz federal, criador de
uma comenda, ficou conhecido
como "Zé das Medalhas", personagem da novela "Roque
Santeiro", de Dias Gomes.
O Tribunal de Contas da
União criou sua medalha em
2003, em prata, com aplicação
de banho de ouro, confeccionada pela Casa da Moeda. Em
2004, o TCE de São Paulo alterou o seu Colar do Mérito e
criou o Grande Colar do Mérito
da Justiça de Contas e a Medalha de Serviços Meritórios.
No Pará, o Ministério Público pediu a devolução da medalha Serzedêlo Corrêa entregue
a uma filha de Sebastião Santana, ex-presidente do Tribunal
de Contas do Estado, pelos
"bons serviços prestados". Lotada no gabinete do pai, ela morava nos Estados Unidos.
Em 2004, o presidente da Infraero, Carlos Wilson Campos,
recebeu a medalha do Mérito
Nilo Coelho, do TCE de Pernambuco. Ele é suspeito de irregularidades na Infraero.
O Sindireceita, sindicato que
reúne técnicos da Receita Federal, homenageou com sua
medalha de mérito, entre outros, o ex-ministro Antonio Palocci, suspeito de participação
na quebra de sigilo de um caseiro, e o ex-presidente da Câmara
João Paulo Cunha (PT-SP), um
dos réus do mensalão.
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