São Paulo, #!L#Domingo, 06 de Fevereiro de 2000


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"Não senti com namorada o que sinto hoje pela Igreja"

da Reportagem Local

Leia, a seguir, a continuação da entrevista concedida pelo padre Marcelo Rossi à Folha.

Folha - O sr. pretende gravar músicas com temas sociais?
Padre Marcelo -
Sim. Até pensei em pegar uma música do padre Zezinho, mas, infelizmente, por outros problemas, não pude usar (leia texto ao lado).

Folha - Qual música?
Padre Marcelo -
"Oração pela Família". Aquela que diz que há famílias debaixo da ponte.

Folha - Como as escolhe?
Padre Marcelo -
Escolho as que me tocam o coração e testo no Santuário do Terço Bizantino. Canto e vejo a reação dos fiéis.

Folha - Surpreendeu-se com a repercussão de alguma canção?
Padre Marcelo -
"Erguei as Mãos". Não esperava o sucesso. Chegou uma época em que não aguentava mais cantá-la.

Folha - Cansou-se dela?
Padre Marcelo -
Nossa Senhora! No ano passado, não podia nem ouvi-la. Meu Jesus Cristo!

Folha - Em público, o sr. a cantava com desânimo?
Padre Marcelo -
Não mostrava isso. Fazia com amor, mas pessoalmente... Eu não escutava mais essa música. Só que era obrigatório cantá-la. Ai de mim se não cantasse. Não podia ir embora. Não tinha jeito, ela pegou.

Folha - E hoje, o sr. a escuta?
Padre Marcelo -
Sou obrigado. Em Miami, vou cantá-la.

Folha - Mas, se dependesse do sr., escutaria?
Padre Marcelo -
Não.

Folha - Ainda consegue trabalhar em sua paróquia?
Padre Marcelo -
Difícil, difícil. Nossa Senhora do Perpétuo Socorro ainda é minha paróquia. Sou o pároco. Da parte administrativa, estou tomando conta. Mas não celebro missas lá. Outros sacerdotes celebram. Rezo só no Santuário, que, no fundo, é uma extensão da minha paróquia.

Folha - E confissão, faz?
Padre Marcelo -
Sim, sou padre. Mas restrinjo aos meus paroquianos ou estou perdido. Lido com muitas pessoas. Mesmo que queira, é lógico que só consigo atender 0,01%. Mas aí faço as pessoas irem para os outros sacerdotes. Não tem de ser comigo.

Folha - O que de fato mudou em sua vida paroquial?
Padre Marcelo -
Muita coisa. Não posso sair tranquilamente.

Folha - Pode visitar hospitais e creches?
Padre Marcelo -
Hospital, continuo visitando. O coração é mole. Creches, favelas, não dá mais. Não tenho tempo. Outro exemplo: quero ir ao banco, não posso.

Folha - Mas isso não está relacionado à vida paroquial.
Padre Marcelo -
Claro que está, administro a paróquia. As pessoas não se controlam. Quando me vêem, chegam, pedem a benção, vem uma, outra. É um alto preço, muito alto. Fazer o quê?

Folha - Termina hoje encontro nacional de presbíteros em São Paulo. O texto que serviu de base para os debates criticava os padres cantores. Dizia, por exemplo, que tais sacerdotes estimulam a fuga da realidade e correm o risco de se deixar levar pelas vaidades do estrelismo, de ceder à certa mundanidade da mídia (roupas de grife, companhia de colunáveis) e de se aproximar demais do "rio de dinheiro" que circula nas TVs. O que o sr. pensa disso?
Padre Marcelo -
Dinheiro: nunca fiquei com nada. Tudo foi aplicado na igreja.

Folha - Sua família fica?
Padre Marcelo -
Não. Meu pai nunca foi rico, mas minha família é de classe média alta.

Folha - O sr. vive de salário?
Padre Marcelo -
A paróquia sempre me sustentou. Mas nunca na minha vida peguei meu salário. Não preciso. Não gasto. A paróquia banca a minha alimentação, e eu nunca fui de abusar.

Folha - O sr. não compra nada?
Padre Marcelo -
Nunca ganhei tanta coisa na minha vida. Ganho de presente. É roupa, é tudo. O povo dá. As roupas que tenho, pessoas vão fazendo.

Folha - O sr. não anda com dinheiro no bolso?
Padre Marcelo -
Não. Tenho carteira, cheque, cartão de crédito, mas não uso há um ano e meio, dois. Quando preciso, peço para meu pai. Mas poderia pegar com a igreja.

Folha - Por que não pega?
Padre Marcelo -
Prefiro entregar meu dinheiro... Ficar falando para vocês é ruim... Se sei que há pessoas passando necessidade, ajudo. Mas não escrevam isso.

Folha - O sr. doa o seu salário?
Padre Marcelo -
Sim.

Folha - Todo?
Padre Marcelo -
Sim.

Folha - De quanto é?
Padre Marcelo -
Não é muito. Estou tirando R$ 350. Nunca peguei esse dinheiro.

Folha - Do que vivem os pais do sr.?
Padre Marcelo -
Meu pai é gerente de banco aposentado. Ganhou uma ação trabalhista. Um bom dinheiro, graças a Deus, que ele tem guardado. Peço para meu pai, olha que absurdo: "Pai, não use seu dinheiro". Não o deixo fazer certas coisas porque alguns podem pensar que está tirando dinheiro da igreja. Olha que absurdo! Ele estava para trocar o carro, eu pedi, nunca pensei que faria isso na vida. "Pai, não troque o carro". Como padre secular, eu poderia ficar com todo o dinheiro dos CDs. E olha que não foi pouco dinheiro. Foi muito.

Folha - Quanto?
Padre Marcelo -
Idéia eu tenho, mas não gosto de falar.

Folha - Por que não?
Padre Marcelo -
Nunca acho positivo falar nisso.

Folha - Medo de sequestro?
Padre Marcelo -
Sequestro? Não tenho dinheiro nenhum.

Folha - Anda com seguranças?
Padre Marcelo -
Não, nada. Ridículo, eu sou padre. Quem anda comigo é ele aqui (bate nas costas do assessor). Ele dirige. Adoro dirigir, mas não posso.

Folha - Por quê?
Padre Marcelo -
Porque me fecham. Jogam o carro na frente e param. Querem me cumprimentar: "Padre, pelo amor de Deus".

Folha - Se ele dirige, não fecham do mesmo modo?
Padre Marcelo -
Mas, se o carro bater, não é o padre guiando.

Folha - Gosta de dirigir?
Padre Marcelo -
Sempre gostei. Era o motorista do seminário. Mas vamos retomar àquelas críticas... Quero falar...

Folha - Uma das críticas que o sr. recebe é deixar-se levar pelas vaidades do estrelismo. O sr. já apareceu na revista "Caras"...
Padre Marcelo
- Não busco nada disso. Pode ter certeza. Mas não vou me fechar a ninguém porque Jesus vai a qualquer lugar. Fiz um trabalho de divulgação do CD. Então vou a todo programa, a todo lugar. Estou levando a palavra de sacerdote e não estou perdendo a dignidade. Em 99, estive nos programas de pessoas que me respeitam como sacerdote.

Folha - Outra crítica: estimular a fuga da realidade.
Padre Marcelo -
Isso podem falar da Renovação Carismática. Não sou carismático.

Folha - Acha que a Renovação Carismática promove a fuga da realidade?
Padre Marcelo
- Não. É uma bênção, sempre no equilíbrio.

Folha - O sr. não se considera da Renovação Carismática?
Padre Marcelo
- Sou padre da Igreja Católica Apostólica Romana. Um sacerdote não pode estar preso a nenhum movimento. Estou aberto a todos.

Folha - O sr. estimula os trabalhos nas pastorais?
Padre Marcelo
- Lógico.

Folha - Como o sr. se define politicamente?
Padre Marcelo
- Depois que me ordenei, não dá para separar o Marcelo do padre. Aprendi que a consciência política é superimportante. Mas a igreja não pode se prender a partidos. É apartidária. Tem de dar consciência política, óbvio. Mas sem citar candidatos.

Folha - O sr. vota em candidatos de esquerda ou de direita?
Padre Marcelo
- Isso nem a minha mãe sabe.

Folha - Em quem votou na última eleição para presidente?
Padre Marcelo
- Não vou falar. Posso influenciar.

Folha - Tem pretensões hierárquicas dentro da igreja?
Padre Marcelo
- Nunca.

Folha - Não quer virar bispo?
Padre Marcelo
- Não.

Folha - Vai ser sempre padre?
Padre Marcelo
- Amo o que faço. Tenho consciência de que isso tudo é um momento e de que vai acabar. Graças a Deus.

Folha - O que o sr. vai fazer quando esse momento acabar?
Padre Marcelo
- Vou tocar a minha vida, fazendo o que sei e o que acredito. Ser padre.

Folha - O sr. já foi convidado para ser candidato?
Padre Marcelo
- Não posso. Acho que ninguém vai fazer isso comigo. Se vier, vai escutar um não. Nunca recebi um convite.

Folha - O sr. vai aceitar convites para participar do Carnaval no Rio, como foi divulgado?
Padre Marcelo
- Não. Se aceitasse o convite de uma escola, teria de ir a todas, para abençoar.

Folha - O sr. pulava Carnaval antes de ser padre?
Padre Marcelo
- Vou ser honesto. Malhava tanto, fazia tanta ginástica, que treinava de segunda a segunda. Ficava dez horas por dia na academia, duas horas dando aula. Hoje não faço nada, é uma vergonha. Não tenho tempo.

Folha - É vaidoso?
Padre Marcelo
- Na época da ginástica, era muito vaidoso com o corpo. Só que nunca fui de roupa de grife, acho um absurdo.

Folha - Já usou drogas?
Padre Marcelo
- Nunca provei. Amigos chegaram a me oferecer, mas afetaria meu treinamento.

Folha - E namoradas, teve?
Padre Marcelo
- Sérias, duas vezes. Comecei a namorar com 16 e fui até meus 20. Uma delas, de quem quase fiquei noivo, não encontrei mais. A outra, batizei o filho, foi lindo. Essa namorei mais tempo, uns dois anos e meio.

Folha - Era apaixonado?
Padre Marcelo
- Sinceramente? Era muito voltado para mim mesmo. Não acho que fui apaixonado. Nunca senti com as namoradas o que sinto pela Igreja.

Folha - O que o sr. quer dizer com namoro sério?
Padre Marcelo
- Ficar... (gagueja). Como sacerdote, é uma coisa tão... colocar. Como um rapaz normal. Sou normal.

Folha - O sr. teve relações sexuais antes de ser padre?
Padre Marcelo
- É uma coisa tão íntima que prefiro não falar, devido à função que ocupo agora.

Folha - O sr. é contra o sexo antes do casamento?
Padre Marcelo
- Sigo a orientação da Igreja. No mundo de hoje, as pessoas são usadas, como copo descartável. Usou uma vez, joga fora. Sugo de você o máximo que você tem. Isso não é amor; é o ficar. Hoje gosto de alguém; amanhã, odeio. Vai de um extremo a outro. Tudo o que vemos é um mundo erotizado, que coloca o sexo em primeiro lugar. Não é assim. Sou celibatário, vivo o celibato e creio nele. E digo de coração. Sou um homem normal e consigo viver, acredito na missão. É lógico que tem a graça de Deus, a oração... No dia em que eu... Se você parar a oração... E também tem a exposição. Estamos em um mundo em que há filmes pornográficos. Uma pessoa que vai se expondo a isso, é lógico que só vai pensar nisso. Uma pessoa que reza... Tudo depende do que está entrando em contato com você.

Folha - O sr. é assediado?
Padre Marcelo
- Digo de coração. Nunca recebi nenhuma cantada. Tenho muita postura. Logo coloco a mão na cabeça de quem se aproxima, para abençoar.

Folha - É uma defesa?
Padre Marcelo
- Pode ser, sempre me defendi. Você sabe quando a pessoa está com olhar malicioso. O importante é que eu não tenho. Quando você não tem isso e se policia, olha com carinho, não deixa a pessoa ter um acesso maior. Se percebo que alguém está com má intenção, não sou bobo, não vou ficar sozinho com essa pessoa, não vou dar chance.

Folha - Viu a propaganda de moto que faz referência ao sr. e a outros padres cantores?
Padre Marcelo
- Vi uma vez e prefiro não julgar. Eu não brinco com as coisas religiosas.




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