São Paulo, sexta, 6 de fevereiro de 1998

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JANIO DE FREITAS
Os transgressores

O espetáculo de desordem e violência que se ofereceu aos fotógrafos e cinegrafistas, com o descontrole de representantes sindicais, não foi mais grave nem mais horrendo do que o espetáculo de violência e desordem proporcionado pelos líderes dos partidos governistas, por algumas dezenas de seus comandados e pelos dirigentes da Câmara.
A reforma da Previdência e a reforma administrativa estão sendo empurradas à força de ilegalidades, de transgressões boçais aos regimentos da Câmara e do Senado, em resumo, com uso de tudo o que é incompatível com alguma decência pessoal dos condutores da política e algum arremedo de regime constitucional democrático.
Encabeçadas pelo próprio presidente do Senado, Antonio Carlos Magalhães, as pressões sobre o presidente da Câmara para empurrar adiante a reforma administrativa, passando à margem dos procedimentos regulamentares, são de uma violência institucional enorme. Michel Temer resistiu (até o início da noite de ontem, é uma ressalva útil) e isso não acarretará problema maior do que um incômodo para a farsa governista, que deseja rapidez só para fingir que justifica o salário triplo que está recebendo.
Líder do governo, o deputado Luís Eduardo Magalhães faz à resistência de Temer a acusação de ameaçar a estabilidade econômica, por atrasar a tal reforma em uns poucos dias. Pois é, quem atrasou aquela e todas as reformas foi Luís Eduardo Magalhães, que durante seus dois anos na presidência da Câmara protelou tudo para beneficiar o projeto da reeleição.
Michel Temer resistiu à pressão (repito a ressalva), mas, para compensá-la com um serviço também desejado pelos governistas, tornou-se o maior responsável pela violência física havida na Câmara. A sessão de sexta-feira da comissão da Previdência tinha que ser anulada, tantas foram as ilegalidades cometidas pelo luso-baiano José Lourenço, que parece ter tamancos na cabeça. Para começar, nem havia o número exigido de presenças, porque muitos governistas já tinham dado o golpe de assinar o ponto e fugir de Brasília.
A designação do coitado Lourenço -seria pobre coitado, mas o pobre caiu desde a intimidade de Lourenço com os cofres de entidades do governo baiano, já motivo de um escândalo e da respectiva impunidade- é a outra responsabilidade maior pelo tumulto de reação às ilegalidades de sexta-feira. A indicação foi feita pelo deputado Inocêncio Oliveira, que não iria cometer aí a primeira ingenuidade de sua vida.
Transcrevo texto do deputado José Aristodemo Pinotti para dar uma idéia do que está sendo empurrado à força de ilegalidades piores que as da ditadura, porque estas eram pelo menos explícitas, seus autores não se mascaravam de deputados e senadores, eram agentes da ditadura mesmo. Eis um trecho de Pinotti:
"O substitutivo Beni Veras (senador do PSDB mais direitista) extingue a aposentadoria proporcional; impõe a aposentadoria por tempo de contribuição, com limites de idade, de tal modo que muitos brasileiros nunca chegarão a se aposentar; extingue a integralidade da pensão por morte, concedida aos dependentes; estabelece a contribuição previdenciária dos aposentados com mais de 65 anos; restringe o salário-família. Se somarmos a isso os direitos que já foram retirados dos trabalhadores, pode-se ter uma idéia do desmonte de cidadania que está ocorrendo".
O substitutivo do senador Beni Veras repôs tudo o que, no projeto do governo, a Câmara derrubara, com ajuda de numerosos governistas, por serem duras medidas voltadas sobretudo contra os mais necessitados, muitas especialmente contra eles.



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