|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
DIREITOS HUMANOS
Recém-eleito para comissão da OEA, ex-deputado acha que houve avanços no governo FHC
Bicudo vê atraso de 200 anos no Brasil
João Wainer - 26.mai.99/Folha Imagem
|
Bicudo, da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA |
KAMILA FERNANDES
da Agência Folha
Recém-eleito presidente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos), o
advogado, jornalista e ex-deputado pelo PT Hélio Bicudo, 77, disse
estar otimista em relação à evolução dos direitos humanos no país,
apesar de, na sua opinião, ainda
existir um "atraso de 200 anos".
Em entrevista exclusiva concedida por telefone à Agência Folha,
em Washington (EUA), Bicudo
afirmou que uma das razões disso
se deve ao fato de o assunto ser
considerado prioritário pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, embora, segundo ele, ainda
existam muitas falhas.
O advogado se destacou, durante o regime militar, como o principal nome que comandou o desmonte do "esquadrão da morte",
grupo de extermínio que atuava
na Baixada Fluminense, no Rio.
Leia trechos da entrevista.
Agência Folha - Não é contraditório falar de direitos humanos em um país em que a cultura da violência está enraizada,
como mostram as chacinas em
São Paulo e as guerras entre
quadrilhas rivais do narcotráfico no Rio de Janeiro?
Hélio Bicudo - A gente tem de
ser um pouco otimista, porque,
na verdade, os direitos humanos
no Brasil, que até alguns anos
atrás eram jogados na lata do lixo,
estão recebendo uma atenção diferente. O próprio presidente Fernando Henrique disse que os direitos humanos são o fundamento do Estado democrático.
Agência Folha - Em janeiro, o
governador do Rio, Anthony Garotinho (PDT), afirmou, sobre a
morte de seis pessoas em uma
favela: "Não houve chacina.
Houve a morte de seis bandidos
procurados pela polícia. É diferente quando morre uma pessoa de bem, um trabalhador". O
que o sr. pensa da declaração?
Bicudo - Acho que ele está completamente equivocado, porque
pessoas foram eliminadas. Quem
comete um crime deve ser julgado por um juiz imparcial, de acordo com a lei. Se essas pessoas
eram bandidos, deveriam ser processadas e julgadas, tendo direito
de defesa, e depois condenadas e
levadas à prisão, se fosse o caso.
Um governador de Estado, ao tomar essa posição, mostra que
pouco entende de democracia.
Agência Folha - Na opinião do
sr., por que a tortura continua
sendo uma prática comum no
país, mesmo após o fim do regime militar?
Bicudo - É uma questão de o
Ministério Público começar a
atuar. Temos uma lei que penaliza
a tortura, mas se sabe que ela continua existindo nas delegacias de
polícia, nas atuações da PM, e não
vejo processos instalados contra
pessoas que tenham praticado a
tortura. O Ministério Público deve exercer o controle externo da
polícia, caso contrário, a Justiça
vai continuar nas mãos da polícia.
Agência Folha - O sr. acha que
a Lei da Mordaça (que proíbe
autoridades de divulgar informações sobre processos em andamento que violem o sigilo legal, a intimidade, a imagem e a
honra das pessoas), se implementada, vai prejudicar o trabalho da Justiça?
Bicudo - Enquanto o Ministério
Público apurava furto de pé-de-chinelo, ninguém estava ligando,
podia falar o que quisesse, mas,
na hora que sobe o nível da apuração, chegando aos poderosos,
vem o estribo. Essa é a lei das classes privilegiadas, que não querem
transparência na atuação da Justiça. É contra tudo o que se possa
dizer de um Estado democrático,
estabelece a desigualdade, porque, se você falar sobre a atuação
de um ladrão de galinha, ninguém se importa. Agora, se você
disser que fulano de tal se aproveitou da sua posição no Banco
Central para fazer remessas de dinheiro para a sua conta no exterior, cai a casa. Quando fiz as investigações sobre o "esquadrão
da morte", a maneira de eu me
proteger fisicamente era dizendo
o que estava acontecendo.
Agência Folha - Como está o
processo do massacre em Eldorado do Carajás na comissão?
Bicudo - Não posso mexer em
processos do Brasil, mas ele está
correndo. Quando presidi a Comissão de Direitos Humanos da
Câmara, em 1997, fizemos um julgamento simbólico e, por unanimidade, o governo brasileiro foi
condenado. Semana passada, o
governo federal veio à comissão,
no primeiro dia da minha gestão,
dizendo que quer reconhecer a
responsabilidade sobre todas as
denúncias que estão aqui, cerca
de 40, inclusive as de Eldorado,
Corumbiara e Carandiru.
Agência Folha - Como o sr. vê
a atuação do governo FHC na
questão dos direitos humanos?
Bicudo - A atuação do Fernando Henrique foi positiva, ainda
que muita coisa não tenha saído
do papel. Algumas coisas -como
a passagem dos crimes de homicídio doloso, cometidos por PMs,
da Justiça Militar para a Justiça
comum, a definição do crime de
tortura, a indenização às famílias
dos desaparecidos políticos- são
positivas. Quando o presidente
diz que os direitos humanos são
política de Estado e sem eles não
existe um Estado democrático, está dando um recado geral. É claro
que muito pouca coisa foi feita na
área da reforma agrária, da criança e do adolescente, sobre o problema da prostituição infantil, do
trabalho escravo, do trabalho infantil. Como estamos atrasados
200 anos em matéria de direitos
humanos, isso não pode ser resolvido em um ou dois mandatos.
Não se sabe nada sobre direitos
humanos no Brasil.
Agência Folha - Qual o principal problema que o sr. deverá
enfrentar na comissão?
Bicudo - Existem alguns países
da OEA que não estão interessados na manutenção do sistema de
direitos humanos, porque ele foi
instituído para proteger as pessoas contra os Estados, e, quando
se percebe isso, os Estados começam a colocar obstáculos. Estamos lutando desde 99 contra isso.
Felizmente, é a minoria.
Texto Anterior: Presidência: FHC visita praia da Ilha Grande Próximo Texto: Outro lado: Garotinho não comenta declaração Índice
|