São Paulo, domingo, 06 de março de 2005

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PRIVATIZAÇÕES SOB SUSPEITA

Acusação é de improbidade administrativa em empréstimos para a privatização da Eletropaulo

18 ex-dirigentes do BNDES estão na Justiça

ELVIRA LOBATO
DA SUCURSAL DO RIO

ANDRÉA MICHAEL
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Quatro ex-presidentes e 14 ex-diretores do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) são acusados de improbidade administrativa na concessão de empréstimos para a privatização da Eletropaulo, entre 98 e 2001, em ação que tramita na 10ª Vara Federal de São Paulo.
Os procuradores José Roberto Pimenta Oliveira, Luciana Costa Pinto e Suzana Fairbanks Oliveira acusam os ex-dirigentes de negligência na exigência de garantias dos empréstimos ao grupo AES, controlador da Eletropaulo.
Segundo eles, os executivos teriam ignorado normas de proteção de crédito e exposto o banco a riscos desnecessários. Há um parecer do auditor do Ministério Público Federal Antônio Venerando da Silva dizendo que a inadimplência da AES causou prejuízo ao BNDES, mas a diretoria atual do banco nega prejuízos.
Proposta a ação, em julho do ano passado, a Justiça Federal em São Paulo determinou a quebra de sigilos fiscal e bancário e a indisponibilidade dos bens dos acusados. A medida foi suspensa por recurso dos ex-diretores do BNDES ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região.
Dos cinco ex-presidentes do BNDES do período a que se refere a ação, apenas André Lara Resende ficou de fora, pois não houve empréstimos à AES nem renegociação em sua gestão (de abril de 98 a novembro de 99).
O ex-ministro das Comunicações Luiz Carlos Mendonça de Barros, que presidiu o banco de abril de 95 a abril de 98, é um dos réus. A ação questiona dois fatos da gestão dele: a criação do Pepe (Programa de Estímulo à Privatização Estadual), em julho de 97, e o financiamento de US$ 888 milhões para a privatização da Eletropaulo, em abril de 98.
O Pepe permitiu que o BNDES antecipasse aos Estados 50% do valor mínimo de venda das estatais para amortizar dívidas com a União e financiou os compradores. Os grupos estrangeiros receberam empréstimos corrigidos pelo dólar e deram as ações leiloadas em garantia.
"O financiamento concedido pelo BNDES foi ilegal, desleal e imoral. O banco entrou na privatização por uma decisão de governo, mas ainda assim é dever do administrador preservar as garantias ao bem público", afirma o procurador Pimenta Oliveira.
A Eletropaulo foi vendida à Lightgás, em abril de 98, pelo preço mínimo estipulado no edital: US$ 1,78 bilhão. O BNDES emprestou metade do valor, para pagamento em nove parcelas semestrais e um ano de carência.
Segundo a ação, não houve avaliação prévia da situação econômico-financeira da Lightgás, como prevê a resolução 862/96 do banco. Eles apontam outras supostas falhas, como a inexistência de compromisso dos acionistas controladores da Lightgás (a EDF francesa e a AES) com o cumprimento do contrato. A Lightgás foi criada em junho de 97, tendo a Light Serviços de Eletricidade (que atua no RJ) como acionista majoritária. Em novembro de 2001, a Light saiu da empresa e o nome mudou para AES Elpa.
Antes de vencer a primeira parcela, a empresa quis renegociar a dívida, alegando crise por causa da desvalorização do câmbio. A renegociação foi aprovada em fevereiro de 99 e a empresa ganhou mais 24 meses para começar a amortizar o empréstimo. Para o MPF, o então presidente do BNDES, José Pio Borges, e a diretoria do banco à época deveriam ter exigido garantias adicionais.
Os acusados também são questionados por terem permitido que a Eletropaulo distribuísse lucro para acionistas controladores.
Em janeiro de 2001, o BNDES voltou a financiar o grupo AES. O banco vendeu ações preferenciais da Eletropaulo, no valor de R$ 2,05 bilhões, à AES Transgás, controlada por empresas sediadas nas Ilhas Cayman. Para os procuradores, a venda repetiu os "mesmos vícios" da privatização. O banco financiou o comprador, aceitando as ações como garantia. Na segunda parcela da dívida, a empresa ficou inadimplente.
A quarta operação analisada foi o descasamento societário da Light e da Eletropaulo, em 2001, quando houve a troca de ações entre o grupo francês EDF (que ficou com a Light) e a AES Elpa, que assumiu o controle da Eletropaulo. Segundo os procuradores, o banco autorizou a operação sem exigir o reforço de garantias.
Em 2002, ocorreu nova renegociação da dívida, e o banco exigiu garantias adicionais. Porém, a empresa voltou a ficar inadimplente no ano seguinte.
O primeiro ano do governo de Luiz Inácio Lula da Silva foi marcado por uma queda-de-braço entre o BNDES e o grupo AES. Em dezembro de 2003, foi feito um novo acordo, em que metade da dívida, de US$ 1,2 bilhão, foi convertida em ações da Brasiliana Energia, empresa que passou a englobar todos os ativos da AES no Brasil -Eletropaulo, AES Tietê e Uruguaiana.
Pelo acordo, US$ 90 milhões foram pagos em dinheiro e o restante foi transformado em títulos de dívidas (debêntures) conversíveis em ações da Brasiliana. "Essa foi a única negociação séria, com garantias reais para o banco", diz o procurador Pimenta Oliveira.
As privatizações voltaram à cena depois de Lula ter afirmado que, no início de seu governo, um "alto companheiro" o avisou de que uma instituição estava quebrada por causa do "processo de corrupção" em algumas privatizações na gestão de Fernando Henrique Cardoso (95-2002), e que, ao saber disso, orientou o "companheiro" a "fechar a boca".


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