São Paulo, segunda, 6 de abril de 1998

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ENTREVISTA DA 2ª
"Não tem problema se você perde a eleição', diz Lula

Matuiti Mayezo - 01.abr.98/Folha Imagem
A soprano June Anderson que canta hoje com o barítono Juan Pons


CARLOS EDUARDO ALVES
da Reportagem Local


Luiz Inácio Lula da Silva parte para sua terceira campanha presidencial mais pragmático. Não esconde um tom mais conformista quanto a suas chances reais: "O importante é como você disputou".
Em entrevista exclusiva à Folha, Lula critica os correligionários que não aceitam alianças e evita dizer se, caso eleito, vai rever privatizações já feitas pelo governo federal.

Folha - É possível ser candidato a presidente sem ter vontade?
Luiz Inácio Lula da Silva -
Acabou a fase de não ter vontade. Foi quando eu insisti que o partido deveria ter outro candidato. Quando o PT e outros partidos de esquerda entenderam que eu deveria ser candidato, acabou a história do Lula que não tinha vontade.
Folha - O sr. tem a mesma vontade hoje que em 89 e 94?
Lula -
São momentos históricos diferentes. Hoje eu tenho a vontade de ganhar a eleição e a experiência acumulada de duas campanhas. Tenho uma motivação extraordinária para ser candidato para enfrentar a prepotência do Fernando Henrique Cardoso, a arrogância, o peso da máquina.
Folha - Uma eventual terceira derrota consecutiva sepulta sua carreira política?
Lula -
Eu é que pensava assim e durante três anos falei da importância de não ser candidato. Quando meus companheiros entenderam o contrário, virei candidato e acho que não tem nenhum problema se você perde a eleição.
O importante é como você disputou, qual a mensagem que passou e qual o saldo político que ficou. Você pode perder com um saldo organizativo da sociedade muito grande.
Folha - O sr. pensava numa ampla aliança, mas parece que só terá o PDT, além dos partidos que sempre o apóiam. Está decepcionado?
Lula -
Estamos bem melhor do que em 94 porque já contamos de saída com o PDT. O jogo do PMDB ainda não terminou. É importante que Itamar Franco continue disputando a candidatura à Presidência pelo PMDB, mas, se não der, vamos estabelecer laços de relação política para trazer os dissidentes para nossa candidatura.
Folha - O sr. criticava Itamar Franco e agora busca o apoio dele. O PT mudou?
Lula -
O PT evoluiu de acordo com a evolução da sociedade. Cresceu, se ampliou mais para a sociedade. O Brasil de hoje não é o de 80, assim como o PT.
Folha - Politicamente, o PT de agora está menos à esquerda?
Lula -
Não. Eu diria que o PT é de esquerda quando precisa ser e é de centro quando precisa ser. O PT faz o jogo da política. Quando queremos discutir aliança política, não queremos discutir apenas com a esquerda. Se quiséssemos sectarizar, ficaríamos apenas com o PSTU. O discurso do PSTU hoje não contribui para a campanha do PT. O PT tem de ter consciência que concretamente é a mais importante alternativa de poder.
Folha - Em 94, o sr. se queixava que o preconceito social pesava contra sua candidatura. Esse preconceito diminuiu?
Lula -
O preconceito existe. Está enraizado na consciência das pessoas. É o preconceito de classe, que existe contra os excluídos da sociedade que ousaram desafiar os donos do poder. Eu carrego nas costas um preconceito por ter sido pioneiro numa determinada época da história brasileira. Eu tenho feito um sacrifício enorme para melhorar, tenho tentado mostrar maior competência na formulação de propostas para a sociedade.
Folha - Brizola será o vice?
Lula -
Depende do PDT, mas já trabalho essa hipótese.
Folha - Mas a junção dos dois numa chapa não seria a soma de duas rejeições consideráveis?
Lula -
Não. Rejeição se trabalha com tranquilidade. Se não fosse assim, Maluf não teria sido prefeito de São Paulo.
Folha - O sr. não teme que Brizola seja um foco gerador de crise?
Lula -
Não. Nós pertencemos a partidos diferentes, mas na hora em que houver um programa, desaparecem as contradições.
Folha - Se eleito, o sr. vai rever as privatizações já feitas?
Lula -
Acho que vamos ter de fazer auditorias em algumas privatizações. Algumas empresas energéticas foram doadas a troco de títulos podres, a Vale do Rio Doce etc. Agora, entre fazer uma auditoria e assumir o compromisso que vai reestatizar, não vai ser um discurso prioritário da campanha. Não digo que não vou rever, porque pode ser necessário. Mas não digo que será prioridade rever, como alguns querem que diga.
Folha - O sr. tem dito que precisa de dinheiro para não fazer uma campanha mambembe. Como arrecadar?
Lula -
Não pretendo fazer uma campanha pobre. Sou adepto da filosofia do Joãosinho Trinta quando ele diz que quem gosta de miséria é intelectual. É aí que cito o Edir Macedo na competência de arrecadar fundos. A Igreja Universal arrecada porque pede dinheiro. Em cada comício haverá um grupo com sacolinha vermelha pedindo o nosso dízimo.
Folha - O que o sr. achou da reação de setores do PT contra o aceno que o sr. fez com o ex-governador Orestes Quércia (PMDB-SP)?
Lula -
Achei ótimo. Demonstra que o PT está vivo. O que eu disse é que não vou pedir atestado ideológico. Se o Quércia quiser me apoiar, pode me apoiar.
Folha - No PT, existem setores que têm uma proposta ortodoxa. Alguns defendem até a ditadura do proletariado. Se o sr. chegar à Presidência, essa ala terá participação no governo?
Lula -
Quem defende a ditadura do proletariado é no mínimo burro do ponto de vista político. O dia em que os assalariados e a economia informal chegarem ao poder não será a ditadura do proletariado, será a democracia elevada às últimas consequências.
Folha - Esses setores terão participação no governo?
Lula -
Depende do papel deles. Se eles ficarem durante a campanha apenas reclamando, vão continuar reclamando depois do governo. Se trabalharem com afinco para ajudar a ganhar, não iremos discriminar ninguém.
Folha - Até agora, parece que o desemprego não respingou em FHC. Mesmo assim, o desemprego será seu mote de campanha?
Lula -
Primeiro, eu acho que respingou e muito. O fato de grande parcela da população ser favorável ao real não significa que a mesma parcela seja favorável ao Fernando Henrique Cardoso.
O desemprego será o grande tema da campanha. Queremos elaborar uma extraordinária proposta e fazer um enfrentamento de projetos com o presidente e mostrar que a estabilização econômica não pode criar uma instabilidade social como ele está criando.
Folha - Em 94, o sr. ficou marcado como uma pessoa contra o Plano Real. Como reverter isso?
Lula -
Em 94, o povo julgou e nós não ganhamos as eleições. Não sei se erramos ou se o adversário acertou. Eu não quero discutir Plano Real. Quem quer é o Fernando Henrique Cardoso. Para ele só interessa discutir o abstrato. Quero discutir é o pós-real, o que fazer para, por exemplo, resolver o problema da saúde.
Folha - Por que há tanta resistência no PT à tese de ampliação das alianças que o sr. defende?
Lula -
As pessoas que resistem nunca foram eleitas nem para síndico de prédio.
Folha - Como enfrentar o favoritismo do atual presidente?
Lula -
Vamos bater duro nele, na sua incompetência, nas mentiras contadas na televisão, no presidente que fica vendendo ilusão para a sociedade. Vamos mostrar que o governo é virtual, é de imagem.



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