São Paulo, domingo, 06 de maio de 2001

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ELIO GASPARI

As lições do números do crime

Dois livros, um publicado no Brasil e outro nos Estados Unidos, mostram como se vem perdendo dinheiro e tempo por conta da má qualidade do debate da política de segurança pública nacional. A Fundação Konrad Adenauer editou "A Violência do Cotidiano", com cinco artigos de professores brasileiros. Dois deles são surpreendentes. Num, os professores Luís Flávio Sapori e Cláudio Burian Wanderley, da PUC mineira, mostram que não há relação comprovada entre o aumento do desemprego e a violência. O professor Paulo de Mesquita Neto, da USP, produziu um retrato da desgraça ocorrida no país nos últimos 20 anos.
O segundo livro é "O Declínio do Crime na América" ("The Crime Drop in America", Cambridge University Press). Foi organizado por dois professores (Alfred Blumstein e Joel Wallman) e junta nove artigos.
No Brasil, discutem-se as causas do aumento da criminalidade. Em 1980 ocorriam 11,7 homicídios para cada 100 mil habitantes. Em 20 anos o indicador duplicou. Nos Estados Unidos, faz-se o contrário. Tenta-se descobrir as causas do declínio do crime. Em 1980, os homicídios estavam em 10,2 mortos para cada 100 mil habitantes. Em 1998 caíram para 6,3.
Não se pode dizer que o que foi bom para os americanos seja bom para os brasileiros, mas vale a pena aproximar os dois debates. Na melhor das hipóteses, passa-se a suspeitar de teorias velhas.
Por exemplo: O aumento do número de policiais reduz o crime violento?
Resposta: Nos Estados Unidos, uma coisa nada tem a ver com a outra.
Os professores John Eck e Edward Maguire garantem: "Depois de 30 anos de pesquisas para se estabelecer uma relação entre a força policial e o crime violento, não há um só dado consistente capaz de permitir a conclusão de que a contratação de mais policiais é um recurso eficaz para derrubar o crime violento". (Entende-se por crime violento homicídio, assalto e roubo com ameaça ou uso de violência.) Eles trabalharam em cima de 27 estudos, nos quais isolaram 89 variáveis. Resultou que em 49,4% dos casos o aumento do efetivo policial não provocou nenhum efeito. Em 30,3% das cidades, mais polícia resultou em mais crimes violentos. Só em 20,2% deu-se a solução supostamente virtuosa: mais polícia e menos crime.
No Brasil, entre 1985 e 1995 o número de policiais civis e militares aumentou em 45,4% (de 340 mil para 494 mil). Os homicídios com armas de fogo pularam de 6,3 para 14 por 100 mil habitantes.
O aumento da população carcerária seria a solução?
Nos últimos 20 anos a população carcerária dos Estados Unidos quadruplicou. A brasileira também. O professor americano William Spellman estimou que 25% do declínio da criminalidade americana pode ter sido consequência da construção de mais prisões. No Brasil, ninguém pode garantir qual foi a real consequência da construção de mais celas.
Os crimes violentos caíram nos Estados Unidos por conta de um conjunto de fatores, inclusive demográficos. Não houve uma causa fundamental, mas o aperto no controle da venda de armas de fogo foi certamente um deles. Em 1992, havia nos Estados Unidos mais lojas de venda de armas do que postos de gasolina. O governo federal apertou os vendedores e numa só operação cassou 12% dos alvarás fiscalizados. O número de novas licenças para varejistas caiu de 287 mil em 1993 para 86 mil em 1998.
A queda da taxa de homicídios em Nova York pouco teve a ver com a política de tolerância zero. Decorreu da coragem do prefeito Rudolph Giuliani de investir sobre o comércio de armas. Ele se livrou de 691 dos 950 vendedores que achou na cidade.
Sabendo-se que uma das causas do declínio da criminalidade foi o declínio da epidemia de consumo de crack nas grandes cidades americanas, resta uma pergunta: E porque o mercado de crack encolheu?
Com base num modelo econômico, o professor Jeffrey Grogger, da Universidade da Califórnia (Los Angeles) sustenta que uma conjunção de maus salários com alta produtividade no tráfico de crack levou os jovens para o crime durante os anos 80. A intoxicação por cocaína ficou mais barata, a demanda expandiu-se, e o número de traficantes aumentou numa proporção maior que o de consumidores. A disputa pela oferta passou a ser decidida à bala, exigindo mais trabalho e investimentos (sobretudo em armas). Isso derrubou a produtividade do tráfico. A partir de 1997, o mercado de trabalho legal e os salários dos jovens começaram a melhorar. Esse, entre outros, foi um fator para o declínio do crack.
Se Grogger tiver razão, um aumento de 10% nos salários dos jovens sem qualificação profissional leva a uma redução de 10% na participação desses mesmos jovens no crime.


Eremildo, o Idiota quer mais listas

Eremildo é um idiota. Adora acareações porque lhe permitem acreditar em todos os testemunhos. Ele entendeu que o senador José Roberto Arruda perguntou à doutora Regina Borges se o painel eletrônico do Senado podia ser violado, ela disse que não, mas ia ver. No dia seguinte, levou-lhe uma lista com o voto dos senadores durante a sessão que cassou Luiz Estevão.
O idiota acredita que isso faz todo sentido e convenceu-se de que pode tirar algum proveito pessoal de situações semelhantes.
Como a gerente da agência bancária onde tem conta se chama Regina, ele vai procurá-la para saber se é possível que um estranho use o computador do banco para xeretar o movimento de sua fortuna. Tem certeza de que no dia seguinte a gerente Regina lhe entregará um envelope pardo com o movimento de todas as contas da agência.
Como o computador do idiota quebrou, ele vai a Brasília procurar o doutor Everardo Maciel para perguntar-lhe se é possível contrabandear um novo aparelho. Está certo de que o secretário da Receita Federal lhe dará uma lista com os nomes de todos os muambeiros que atuam no país.


Malan virou monoglota, em inglês

Alguém precisa avisar ao ministro Pedro Malan that no Brazil ainda se fala português Ele cumpriu a árdua tarefa de ir a Washington para falar na reunião do FMI. Passagem, casa, comida e roupa lavada por conta da choldra monoglota. Discursou em inglês, coisa que muito orgulho causa ao andar de baixo. Infelizmente, de volta a este pedaço de trópico, colocou o texto de seu discurso na página do Ministério da Fazenda na Internet. Só ofereceu a version em inglês.
Tudo indica que o episódio reflete apenas mais um episódio de pernosticismo que não partiu necessariamente do ministro. Com six páginas, o discurso foi pronunciado no dia 29 de abril e continuava em inglês na manhã de sexta-feira. Inclusive com um erro de ortografia na quarta linha. A palavra "unsustainably" ainda não entrou no Merrian-Webster nem no Michaelis. "Unsustainable" (insustentável), iria melhor.
O episódio pode refletir uma reviravolta histórica. O brazilian ministro da Fazenda passaria a falar em inglês. Iria no caminho do prefeito de Acapulco do romance "Cristóvão Nonato", de Carlos Fuentes. Tendo prometido neve, usava sobretudo de pele de camelo no balneário.


A boa pista

Na outra ponta da investigação da violação do painel do Senado, surgiu a possibilidade de a implosão do segredo da violação só ter sido possível porque um funcionário mostrou o caminho das pedras aos peritos da Unicamp.
No final de março, depois de ter examinado a programação do painel, os peritos acharam 18 buracos e seu chefe concluiu: "Todos os operadores têm acesso ao cofre. Se um cometer uma falha e não se identificar, ninguém saberá quem foi".
Só duas semanas depois é que se achou o ponto exato do programa onde se dera a intromissão.
É possível que o mocinho dessa história seja Heitor Ledur, o primeiro funcionário a narrar detalhadamente a interferência aos senadores que investigavam o caso.


Lula falou

Luiz Inácio Lula da Silva pode dizer o que quiser aos brasileiros a respeito de sua candidatura a presidente. Ao presidente mexicano, Vicente Fox, disse o seguinte:
1) Disputará a eleição.
2) Acredita que seu adversário no segundo turno será o ministro José Serra, se o governo tiver fôlego.
3) Se não tiver, o adversário será Itamar Franco.
4) Ciro Gomes não chegará lá.


Em campanha

O governador Itamar Franco (PMDB-MG) já montou uma pequena estrutura para ajudá-lo a mudar a qualidade da sua presença fora de Minas Gerais.


Nota social

No próximo dia 18, o general Leônidas Pires Gonçalves botará a tropa na rua. Sua mulher, filhos e netos festejarão seus 80 anos com uma festa para 250 pessoas no Gávea Golf Club.
Ministro do Exército de 1985 a 1990, Leônidas deve ao distinto público um depoimento histórico.
Para se ter uma idéia da sua familiaridade com as encrencas nacionais, em 1945, como tenente, estava no salão Palácio Guanabara quando o presidente Getúlio Vargas foi defenestrado pelos tanques da Divisão Blindada do general Álcio Souto. Trocou algumas palavras com o ditador.
Em 1985, como general, estava escolhido para o cargo de ministro pelo presidente eleito, Tancredo Neves. Na noite de 14 de março, quando Tancredo foi para o hospital, a atuação de Leônidas foi decisiva para assegurar a posse do vice, José Sarney, na manhã seguinte.


Cordão sanitário

FFHH deve evitar que as opiniões e o comportamento do seu líder na Câmara, deputado Arthur Virgílio sejam auditadas pelo ex-governador Moreira Franco, que compõe a assessoria política do Planalto.
Virgílio tem mandato, põe a cara na vitrine defendendo o governo e responde pelos seus atos a uma bancada parlamentar. Moreira, com o peso de sua sombra, já provocou um curto-circuito nas relações do deputado com o presidente.


ENTREVISTA
Adilson de Oliveira


(55 anos, professor de economia da energia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.)

- O racionamento de energia elétrica será uma consequência da vontade divina, pela falta de chuvas, ou da política dos homens?
- Deus e as chuvas não têm nada a ver com isso. O sistema elétrico brasileiro foi desenhado para enfrentar uma estiagem como a atual. O racionamento virá por causa da falta de investimentos, sobretudo em linhas de transmissão. Tanto é assim que teremos racionamento na região Sudeste e no Nordeste, enquanto estaremos jogando água fora no Sul e no Norte. Nos últimos seis anos, o consumo de energia cresceu 33%, mas a expansão da capacidade geradora ficou em 25%. Furnas acaba de anunciar que vai acelerar as obras de uma linha de transmissão que sairá do Sul para São Paulo. Essa obra deveria ter sido terminada há um ano, pelo menos. Furnas foi proibida de iniciá-la na hora certa, pois seria privatizada. Se essa linha estivesse pronta, os reservatórios paulistas não teriam sido tão drenados. No início dos anos 80, o Brasil investia entre US$ 6 e 8 bilhões por ano em energia. Era demais e era dinheiro mal gasto. Na década de 90, esse investimento ficou em US$ 3 bilhões anuais. Mesmo que seja bem gasto, é dinheiro de menos.
- As privatizações tem alguma coisa a ver com o racionamento?
- A idéia da privatização, não, mas a maneira como ela foi feita tem tudo a ver. O governo privatizou as empresas elétricas sem definir as regras do jogo para os investidores. Há concessionárias que têm dinheiro, mas não o investem porque não sabem que tipo de riscos estarão assumindo. Um exemplo disso é a discussão do reajuste cambial da energia termelétrica. Até hoje o mercado atacadista de energia não tem regras completamente definidas. Fizemos o contrário do que fez a Inglaterra. Lá, primeiro eles fizeram as regras, depois venderam as empresas.
- Que efeitos o racionamento terá sobre o país?
- Em termos puramente econômicos, um mês de redução de 20% no consumo de energia provoca uma queda do PIB de cerca de 0,3%. Não sabemos quantos meses durará o racionamento, mas isso é muita coisa para o aperto em que está a nossa economia. Em termos legais, é possível que haja um dilúvio de ações judiciais. Hoje o fornecimento de energia é regido por contratos privados. Suspeito que o governo esteja no caminho do racionamento burro. Seria muito mais razoável aumentar o preço da energia, que custa relativamente pouco. Não o faz porque isso pesaria na inflação, enquanto a multa produz uma mágica estatística. Também seria mais razoável abrir uma grande negociação com as 200 empresas que consomem cerca de 30% da energia produzida no país. Seria preferível ver o governo trabalhando a sério no problema, em vez de ficar botando toda a culpa em São Pedro, até porque, do jeito que estão as coisas, se não houver abundância de chuvas, poderemos ter que conviver com períodos de racionamento nos próximos dois ou três anos.



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