São Paulo, quinta-feira, 06 de junho de 2002

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CELSO PINTO

A armadilha da meta inflacionária

O debate sobre o sistema de metas inflacionárias está cada vez mais acirrado, mas embute uma armadilha. Até o final deste mês, a Fazenda e o Banco Central vão definir a meta inflacionária para 2004. O próximo presidente tomará posse com metade de seu mandato já definido em termos de meta inflacionária.
A rigor, o momento certo para introduzir qualquer mudança no sistema seria agora. Se o novo presidente assumir alterando o sistema e/ou a meta, colocará em risco sua credibilidade perante o mercado. De outro lado, contudo, se este governo resolver inovar demais para 2004, poderá ser acusado de tentar interferir demais na vida do futuro presidente.
Dos quatro principais candidatos, apenas um, o tucano José Serra, se comprometeu com o sistema atual. Outros até falam em metas para a inflação, mas no sentido de projeção, não no sentido objetivo do sistema de metas. Querer combinar inflação com uma meta de crescimento mínimo, ou metas para áreas sociais, não tem nada a ver com o sistema de metas inflacionárias.
Serra se comprometeu com o sistema e chegou a dizer que o objetivo, a médio prazo, é fazer a inflação convergir para 2,5%, número mais ousado do que os mencionados até hoje pela atual equipe econômica. Não disse, contudo, se gostaria de aperfeiçoar o atual sistema, nem deve fazê-lo tão cedo. A estratégia da campanha de Serra é definir os pontos básicos de seu programa de governo até a convenção do PSDB, dia 15, mas ele só detalhará pontos do programa se o debate público levar a isso. Ele até torce para que isso aconteça, mas provavelmente não ocorrerá nesta fase da campanha.
Várias idéias de aperfeiçoamento circularam nas últimas semanas. Está nas mesas do presidente do BC, Armínio Fraga, e de Serra, por exemplo, um artigo do economista Edmar Bacha: "Sete Teses Sobre o Regime de Metas Inflacionárias". Ele propõe várias mudanças na forma como o BC deveria lidar com choques de oferta, que justificariam uma maior tolerância temporária com a inflação. Sua primeira sugestão é a mesma feita pelo ex-presidente do BC Pérsio Arida: ignorar o centro da meta e usar uma banda de flutuação. Uma razão é a assimetria na avaliação do desempenho do BC. Se a inflação ficar acima da meta, será visto como um fracasso; se ficar abaixo, como um sucesso.
Bacha sugere o uso de duas bandas: uma pequena, de 3% a 4%, e outra maior, de 2% a 5%. O BC deveria perseguir a banda estreita. Mas, se pouco antes do final do ano ficar claro que existem boas razões (choques de oferta) para usar a banda larga, o BC pediria autorização ao Conselho Monetário Nacional. Da mesma forma, se, ao longo do ano, um choque inesperado justificar o uso da banda larga, o BC poderia pedir autorização ao CMN para utilizá-la.
Teria, contudo, que obedecer a um conjunto de "cláusulas de escape" para usar a banda larga. Seriam quatro condições prévias: os choques de oferta teriam que ser significativos; não poderia haver pressão de demanda; também não poderia haver pressão de salários e preços oligopolizados; e as contas fiscais teriam que estar em ordem. Se o BC estiver usando a banda estreita, terá que ser rigoroso com os juros quando detectar algum desvio nas quatro condições que compõem a cláusula de escape. Teria que atentar, também, para o risco de deflação.
Armínio Fraga prefere não comentar as propostas de Bacha e Arida (que sugere o uso simultâneo de metas para o emprego), mas define a essência do sistema de metas como a combinação entre transparência e flexibilidade. "Pelo simples fato de dar transparência a metas, o sistema cria compromissos, o que é muito bom", argumenta. "Ao administrar as metas com total transparência, o BC se permite ter alguma flexibilidade." Ele acha que esse binômio é tão forte que "veio para ficar".
Ele sustenta que o sistema de metas brasileiro já passou, bem, por dois ajustes profundos: o do câmbio e o dos preços públicos. Digeridos esses dois choques, há boas razões para a inflação e os juros caírem. Ao lidar com os choques de oferta de 2001, diz, o BC agiu com flexibilidade. "Não fazia sentido jogar a economia no buraco para reagir a choques transitórios", diz. O BC acomodou o choque, e a inflação foi quase o dobro da meta. No recente seminário sobre meta inflacionária, no Rio, Armínio criticou a idéia de "cláusulas de escape", porque introduziriam muita rigidez na forma como o BC deveria reagir a choques de oferta.
O uso de meta central ou de bandas, da inflação plena ou do núcleo inflacionário, de metas para o ano calendário ou para 18 a 24 meses são questões importantes, mas que alguns economistas acham acessórias. Uma questão que todos concordam que é essencial é saber qual a meta permanente desejável. As críticas ao sistema de metas normalmente partem da noção de que ele exige um sacrifício forte demais da sociedade em nome de um zelo exagerado pela estabilidade.
A questão é menos óbvia do que pode parecer. Stanley Fischer, até o ano passado o segundo homem mais poderoso do FMI -e, portanto, insuspeito- , num artigo recente ("Modern Hyper and High Inflations", de julho de 2001), lembra que a teoria econômica sabe, com certeza, que inflações altas prejudicam o crescimento e que ter inflação não ajuda, necessariamente, o crescimento. Mas tem dúvidas sobre a partir de qual nível de baixa inflação ela se torna prejudicial ao crescimento.
Fischer cita dois trabalhos recentes, de economistas do FMI, que tentam medir essa questão. Michael Sarel descobriu prejuízos ao crescimento a partir de uma inflação de 8% ao ano. Mohsin Khan e Addelhak Senhadji identificaram um nível crítico de 1% a 3% para países desenvolvidos e de 7% a 11% para países emergentes. Dizer que a meta ideal para o Brasil é exatamente 3,25%, ou 2,5%, portanto, é algo muito mais aberto a debate do que alguns fazem crer.

E-mail:
CelPinto@uol.com.br



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