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CELSO PINTO
A armadilha da meta
inflacionária
O debate sobre o sistema de
metas inflacionárias está
cada vez mais acirrado, mas
embute uma armadilha. Até o
final deste mês, a Fazenda e o
Banco Central vão definir a meta inflacionária para 2004. O
próximo presidente tomará posse com metade de seu mandato
já definido em termos de meta
inflacionária.
A rigor, o momento certo para
introduzir qualquer mudança
no sistema seria agora. Se o novo presidente assumir alterando
o sistema e/ou a meta, colocará
em risco sua credibilidade perante o mercado. De outro lado,
contudo, se este governo resolver
inovar demais para 2004, poderá ser acusado de tentar interferir demais na vida do futuro
presidente.
Dos quatro principais candidatos, apenas um, o tucano José
Serra, se comprometeu com o
sistema atual. Outros até falam
em metas para a inflação, mas
no sentido de projeção, não no
sentido objetivo do sistema de
metas. Querer combinar inflação com uma meta de crescimento mínimo, ou metas para
áreas sociais, não tem nada a
ver com o sistema de metas inflacionárias.
Serra se comprometeu com o
sistema e chegou a dizer que o
objetivo, a médio prazo, é fazer
a inflação convergir para 2,5%,
número mais ousado do que os
mencionados até hoje pela atual
equipe econômica. Não disse,
contudo, se gostaria de aperfeiçoar o atual sistema, nem deve
fazê-lo tão cedo. A estratégia da
campanha de Serra é definir os
pontos básicos de seu programa
de governo até a convenção do
PSDB, dia 15, mas ele só detalhará pontos do programa se o
debate público levar a isso. Ele
até torce para que isso aconteça,
mas provavelmente não ocorrerá nesta fase da campanha.
Várias idéias de aperfeiçoamento circularam nas últimas
semanas. Está nas mesas do presidente do BC, Armínio Fraga, e
de Serra, por exemplo, um artigo do economista Edmar Bacha:
"Sete Teses Sobre o Regime de
Metas Inflacionárias". Ele propõe várias mudanças na forma
como o BC deveria lidar com
choques de oferta, que justificariam uma maior tolerância
temporária com a inflação. Sua
primeira sugestão é a mesma
feita pelo ex-presidente do BC
Pérsio Arida: ignorar o centro
da meta e usar uma banda de
flutuação. Uma razão é a assimetria na avaliação do desempenho do BC. Se a inflação ficar
acima da meta, será visto como
um fracasso; se ficar abaixo, como um sucesso.
Bacha sugere o uso de duas
bandas: uma pequena, de 3% a
4%, e outra maior, de 2% a 5%.
O BC deveria perseguir a banda
estreita. Mas, se pouco antes do
final do ano ficar claro que existem boas razões (choques de
oferta) para usar a banda larga,
o BC pediria autorização ao
Conselho Monetário Nacional.
Da mesma forma, se, ao longo
do ano, um choque inesperado
justificar o uso da banda larga,
o BC poderia pedir autorização
ao CMN para utilizá-la.
Teria, contudo, que obedecer
a um conjunto de "cláusulas de
escape" para usar a banda larga. Seriam quatro condições
prévias: os choques de oferta teriam que ser significativos; não
poderia haver pressão de demanda; também não poderia
haver pressão de salários e preços oligopolizados; e as contas
fiscais teriam que estar em ordem. Se o BC estiver usando a
banda estreita, terá que ser rigoroso com os juros quando detectar algum desvio nas quatro
condições que compõem a cláusula de escape. Teria que atentar, também, para o risco de deflação.
Armínio Fraga prefere não comentar as propostas de Bacha e
Arida (que sugere o uso simultâneo de metas para o emprego),
mas define a essência do sistema
de metas como a combinação
entre transparência e flexibilidade. "Pelo simples fato de dar
transparência a metas, o sistema cria compromissos, o que é
muito bom", argumenta. "Ao
administrar as metas com total
transparência, o BC se permite
ter alguma flexibilidade." Ele
acha que esse binômio é tão forte que "veio para ficar".
Ele sustenta que o sistema de
metas brasileiro já passou, bem,
por dois ajustes profundos: o do
câmbio e o dos preços públicos.
Digeridos esses dois choques, há
boas razões para a inflação e os
juros caírem. Ao lidar com os
choques de oferta de 2001, diz, o
BC agiu com flexibilidade. "Não
fazia sentido jogar a economia
no buraco para reagir a choques
transitórios", diz. O BC acomodou o choque, e a inflação foi
quase o dobro da meta. No recente seminário sobre meta inflacionária, no Rio, Armínio criticou a idéia de "cláusulas de escape", porque introduziriam
muita rigidez na forma como o
BC deveria reagir a choques de
oferta.
O uso de meta central ou de
bandas, da inflação plena ou do
núcleo inflacionário, de metas
para o ano calendário ou para
18 a 24 meses são questões importantes, mas que alguns economistas acham acessórias.
Uma questão que todos concordam que é essencial é saber qual
a meta permanente desejável.
As críticas ao sistema de metas
normalmente partem da noção
de que ele exige um sacrifício
forte demais da sociedade em
nome de um zelo exagerado pela estabilidade.
A questão é menos óbvia do
que pode parecer. Stanley Fischer, até o ano passado o segundo homem mais poderoso do
FMI -e, portanto, insuspeito-
, num artigo recente ("Modern
Hyper and High Inflations", de
julho de 2001), lembra que a teoria econômica sabe, com certeza, que inflações altas prejudicam o crescimento e que ter inflação não ajuda, necessariamente, o crescimento. Mas tem
dúvidas sobre a partir de qual
nível de baixa inflação ela se
torna prejudicial ao crescimento.
Fischer cita dois trabalhos recentes, de economistas do FMI,
que tentam medir essa questão.
Michael Sarel descobriu prejuízos ao crescimento a partir de
uma inflação de 8% ao ano.
Mohsin Khan e Addelhak Senhadji identificaram um nível
crítico de 1% a 3% para países
desenvolvidos e de 7% a 11% para países emergentes. Dizer que
a meta ideal para o Brasil é exatamente 3,25%, ou 2,5%, portanto, é algo muito mais aberto
a debate do que alguns fazem
crer.
E-mail:
CelPinto@uol.com.br
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