São Paulo, Domingo, 06 de Junho de 1999
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JANIO DE FREITAS

Os fora-da-lei


A possibilidade, típica desse governo, de que seja um agente secreto seu o autor do desmoralizante grampo no BNDES levou a Presidência da República a se expor em uma prática muito mais grave, do ponto de vista legal, que a do grampeador. As inúmeras referências ao pessoal e às atividades da Abin, Agência Brasileira de Inteligência, expuseram oficialmente o funcionamento ilegal de um órgão que só poderia existir com a aprovação, inexistente, das duas Casas do Congresso.
Esse SNI criado por Fernando Henrique Cardoso tramita no Congresso, sob a forma de projeto, desde meados de 97. Sua inesperada frequência no noticiário provocou o empenho do governo para que o Senado o vote depressa, o que a obediência da Casa dispõe-se a fazer nesta semana.
Mas o chefe do Gabinete Militar da Presidência, general Alberto Cardoso, já mencionou o número de agentes, nomes de arapongas, o funcionamento de agências nos Estados, o nome do chefe dos espiões no Rio. Muito mais do que o necessário para demonstrar, por ingenuidade ou desinteligência, o pleno funcionamento da Abin em total ilegalidade.
O novo SNI tem um custo, por certo alto, e, seja qual for a rubrica orçamentária que o envolve, é coberto pelo Tesouro Nacional. Se a sua existência não atende ao exigido pela Constituição, também o uso de verbas do Tesouro para montá-lo e mantê-lo está à margem da lei. É desvio de dinheiro público.
Se mesmo a partir de agora fosse razoável esperar algum respeito às leis, por imposição do Congresso ou do Judiciário, os que receberam pagamento na Abin teriam que devolvê-lo. Os que autorizaram essas e outras despesas teriam que ressarcir os cofres públicos. E por aí afora, sem prejuízo das sanções penais.
Tudo o que se pode ver, porém, são os dois criadores do novo SNI, Fernando Henrique e seu primo Alberto Cardoso, pagando (i)moralmente por relegarem, chegados ao poder, a lição que receberam com a existência do SNI autêntico.

Pelo saber
Está aí uma atitude da oposição que merece até ganhar as ruas, em vez de ficar restrita ao Congresso, onde o servilismo da maioria governista é invencível. Sem uma reação expressiva, que deveria mesmo partir dos intelectuais há tempos em recesso cívico, os tecnocratas do Ministério da Educação acabam com o crédito educativo.
São centenas de milhares de jovens com poucos recursos financeiros que só têm a oportunidade de chegar às faculdades, a cada ano, graças ao crédito educativo. A pretexto de reformar esse programa social, porém, o que o MEC faz é inviabilizá-lo com a hipocrisia de não o declarar extinto, simplesmente.
Até os tecnocratas da cúpula do MEC podem compreender que um jovem de família sem recursos não obterá um fiador nas condições necessárias. Nem que possa pagar 30% do custo do seu curso no primeiro ano de formado. E, muito menos, que algum carente arranjará um banco para co-responsabilizar-se pelo pagamento do curso se, por qualquer motivo, o devedor não puder liquidar o crédito.
Os atrasos de pagamento dos que deixaram as faculdades têm subido bastante. Isso se deve, porém, sobretudo ao governo, com sua política econômica de desemprego e obstrução do mercado de trabalho aos jovens. Fechar também a oportunidade de estudo a uma grande parte desses jovens é monstruoso.
Há inúmeras hipóteses de tratamento humano e inteligente do atraso e das cautelas para o futuro. Caso não haja reação forte à monstruosidade, vai prevalecer o genocídio cultural planejado pelos tecnocratas do MEC.


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