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São Paulo, domingo, 06 de julho de 2003

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NO PLANALTO

Problema do MST está no bolso, não no boné

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Entre maio de 2000 e junho de 2001, este repórter relatou um fenômeno lamentável: o surgimento de um MST indigno do MST, às voltas com o achaque e a malversação. Confrontado com fatos, o movimento defendeu-se com diversionismo ideológico. Acusou o repórter de estar a serviço de FHC.
Deve-se ao servidor Lucas Rocha Furtado a devolução do caso à arena técnica. Furtado é procurador-geral do Ministério Público junto ao TCU. Incomodou-se com a primeira notícia da Folha, de 14 de maio de 2000.
Sob o título "MST desvia dinheiro da reforma agrária", o texto trazia detalhes de esquema montado pelo movimento para amealhar fundos. Valendo-se da cumplicidade de técnicos pagos pelo Incra e de cooperativas rurais, o MST impôs aos assentados um pedágio sobre os créditos que recebiam do governo.
O procurador Furtado encomendou ao TCU uma auditoria. O trabalho, ainda inédito, foi referendado pelo tribunal em abril de 2002, dois anos depois da veiculação da notícia.
Restaram comprovados os dados colecionados pelo repórter. Relator do caso, o ministro Valmir Campelo anotou: "Ao examinar os autos, constato que algumas das irregularidades configuram desvio de dinheiro público e outras inviabilizaram a execução adequada do programa de reforma agrária".
Refazendo o caminho da reportagem, o TCU inspecionou o Incra, um assentamento em Bituruna (PR) e a Coagri (Cooperativa de Trabalhadores Rurais e Reforma Agrária do Centro-Oeste do Paraná), gerida pelo MST. Constatou:
1) "concluído o trabalho de inspeção, a unidade técnica esclareceu que a partir das denúncias publicadas na Folha de S.Paulo foram tomadas várias providências em diversas esferas administrativas";
2) a Coagri, conforme noticiado, cobrava "pedágio de 3% sobre os créditos" liberados para os assentados. Uma "cobrança direta, quando o parceleiro recebia o recurso, ou através da aquisição de mercadorias, operação na qual os comerciantes elevavam o valor da mercadoria para repassar a diferença ao MST";
3) o Incra sabia da "situação de desorganização e falta de gerenciamento [...] na Coagri, mas continuou a aprovar projetos e operações de crédito";
4) "a partir da repercussão das denúncias, o Incra encaminhou [documentos] ao Ministério Público e à PF", entre eles relatórios de sindicância. Abriu-se um processo. "Corre na Justiça Federal em Guarapuava (PR)". A PF "tem como prioridade" as investigações em torno do pedágio de 3% em Bituruna (PR) e da Coagri";
5) documentos do Incra mencionaram "a situação das cobranças de pedágio por parte da Coagri [...] em setembro de 1997". Houve coação. "Os parceleiros que não se dispusessem a pagar tais quantias [...] não seriam beneficiados com recursos"; As irregularidades "não se restringiram ao Estado do Paraná". Mas "poucas foram as atitudes para averiguar e estancar a ação de cobrança de pedágio [...]";
6) "as decisões sobre viabilidade de empreendimentos nos assentamentos [...] não são realizadas por meio de critérios técnicos." "Os projetos [...] foram muitas vezes aprovados a toque de caixa, para evitar a devolução dos recursos disponíveis." "Não eram discutidos com as famílias assentadas [...]." Visavam "principalmente garantir a liberação de recursos";
7) técnicos contratados para prestar assistência aos assentados foram instrumentalizados politicamente. "Existia um sistema de cooperativismo do MST que submetia todo o sistema a questões ideológicas, pois as cooperativas de produção eram vistas como um setor do MST";
A despeito das evidências, o MST segue chamando o pedágio de "contribuição voluntária". O quadro corroborado pelos auditores do TCU submete trabalhadores humildes a um sistema abjeto. Sem preparo, são acomodados em terras de má qualidade. O crédito que recebem do governo é insuficiente e chega com atraso, por vezes depois da safra. A tunga do MST fecha o ciclo de perversidades.
Sob o petismo, o problema tende a agravar-se. As superintendências do Incra viraram células dos "movimentos sociais". O presidente Lula age como avestruz. Foge da realidade enfiando a cabeça no boné do MST. Torna-se cúmplice de um engodo.


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