São Paulo, segunda, 6 de julho de 1998

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ENTREVISTA DA 2ª
Mais de cem farmacêuticas foram interditadas em 98



"Você tem poucos fiscais com multas que não representam nada. A multa mais alta é de R$ 15 mil."
VANESSA HAIGH
da Sucursal de Brasília

O caso do lote de pílulas anticoncepcionais Microvlar, fabricadas pelo laboratório Schering do Brasil, que chegou ao mercado contendo farinha no lugar do princípio ativo, mostrou que a ameaça à saúde do consumidor brasileiro pode vir de onde ele menos espera.
Por um motivo básico: das 382 empresas da área farmacêutica, apenas 40% têm práticas de produção que podem ser consideradas confiáveis. Só neste ano, mais de uma centena de empresas, entre indústrias e distribuidoras, foram interditadas.
Os dados são da secretária nacional da Vigilância Sanitária, Marta Nóbrega, há um ano e três meses no posto. Foi a responsável pela interdição da Schering e pela determinação de suspender a produção e a venda da Microvlar.
A Vigilância Sanitária agiu rápido no caso das pílulas. Mas não tem funcionários suficientes para garantir uma fiscalização constante, se ampara em uma legislação com multas que não assustam e só há três anos começou a oferecer um sistema de normas para guiar os procedimentos do setor.

Folha - A Schering do Brasil foi fiscalizada em 95 e a Vigilância Sanitária apontou problemas no descarte dos medicamentos que iriam ser incinerados. A desorganização nesse processo pode ter contribuído para o roubo do lote de pílulas anticoncepcionais Microvlar contendo placebo. Por que esse problema não foi resolvido?
Marta Nóbrega -
Por causa do número de fiscais que temos, geralmente fazemos a fiscalização sanitária pelo grau de risco. Você acaba confiando em estruturas que têm história e tradição dentro da área. De 82 laboratórios de grande porte, apenas oito apresentaram inadequação às boas práticas de fabricação e controle nas vistorias feitas em 95 e 96.
Folha - O que faltou para que em três anos a Schering do Brasil não tivesse resolvido seu problema com o processo de descarte?
Marta -
Um dos itens é a multa. Você tem um número reduzido de fiscais com multas que não representam nada. A multa mais alta é R$ 15 mil.
Folha - Se as multas fossem mais altas, os laboratórios seriam mais cuidadosos?
Marta -
Deve-se associar multas elevadas a uma ação de fiscalização que dê orientação aliada a visitas mais frequentes da Vigilância Sanitária. A média internacional de fiscalização de empresas que já apresentam boas práticas é de dois anos. Quanto às multas, o ministro José Serra já pediu que nós trabalhássemos para mudar essa legislação, para criar penalidades a outros procedimentos.
Todo o processo de distribuição, por exemplo, não recebe penas. Cerca de 85% dos medicamentos que saem dos laboratórios passam por distribuidores antes de chegar às farmácias.
Folha - Se a sra. fosse uma das vítimas da falsa Microvlar, que direitos reivindicaria?
Marta -
O mais importante é ter a atitude de cidadania de denunciar o fato de imediato para que providências sejam tomadas. Em segundo lugar, é buscar seu lado individual, verificar até que ponto você terá seus direitos. Você está aí com uma gravidez não programada. É natural que você não tenha se estabelecido para receber aquela criança naquele momento. Você tem que recorrer a quem causou o dano.
O laboratório não colocou o produto no mercado com o princípio ativo porque ele tem um sistema que não garantiu a segurança da saída dos seus produtos ao mercado. Um produto medicamentoso não pode ter o mesmo procedimento da fabricação de sandálias.
Folha - Que avaliação a Vigilância Sanitária faz dos laboratórios farmacêuticos no Brasil?
Marta Nóbrega -
Há 382 empresas produtoras na área farmacêutica e elas estão em estágios diferentes. Cerca de 40% acompanham os moldes internacionais de boas práticas de fabricação e controle, 30% estão em um limiar no qual nós somos obrigados a interditar algumas áreas de produção e 30% têm limitações bem maiores.
Só este ano, 101 empresas foram interditadas, de um total de 809. Esse número inclui os laboratórios produtores e as empresas que importam o produto, embalam e rotulam aqui no Brasil.
Folha - Qual a estrutura da Vigilância Sanitária hoje?
Temos 600 fiscais atuando na área de portos, aeroportos e fronteiras. Nos últimos cinco anos a importação no setor farmacêutico aumentou de US$ 80 milhões para US$ 1,2 bilhão por ano. Para examinar os 382 laboratórios, as empresas que só embalam -que somam junto com os laboratórios quase 900 empresas-, os 7.000 distribuidores e as 55 mil farmácias, temos 800 fiscais. No total, há cerca de 2.000 fiscais para fazer toda a fiscalização do setor de medicamentos e também do setor de alimentos. Não é suficiente. Calculamos que tenhamos de aumentar este número para 10 mil fiscais.
Folha - Quais os problemas mais frequentes levantados nas vistorias de laboratórios feitas pela Vigilância Sanitária?
Marta -
Não ter garantia de esterilidade quando ela é necessária, como no caso de produtos injetáveis. Não ter os procedimentos escritos, indicando que a equipe de garantia de qualidade da empresa passou frequentemente por todas as etapas necessárias.



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