São Paulo, quarta, 6 de agosto de 1997.



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QUESTÃO AGRÁRIA
Proprietário diz que prejuízo com invasão já chega a R$ 50 mil
Sem-terra matam rebanho com tiros e facões no MS

RUBENS VALENTE
da Agência Folha, em Campo Grande


Trabalhadores rurais sem terra mataram ontem a tiros e com golpes de facão 42 cabeças de gado da fazenda Mestiço, em Itaquiraí (350 km ao sul de Campo Grande).
A área foi invadida no último dia 18 por cerca de mil famílias ligadas ao MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra).
Um dos líderes do acampamento Eduardo Portela da Silva, 30, disse que os 7.200 kg de carne obtidos com o abate "vão saciar a fome das famílias".
Ontem, os sem-terra voltaram a apreender 450 das 470 cabeças de gado que haviam sido liberadas na semana passada.
O proprietário da fazenda, Orensy Rodrigues da Silva, 62, ex-deputado federal e ex-prefeito de Andradina (SP), disse à Agência Folha que o prejuízo causado pela invasão chegou a R$ 50 mil.
Silva negou ter intenção de despejar os sem-terra por conta própria, como vem denunciando o MST. "Já apelei até para as Forças Armadas, mas ainda acredito que haja lei neste país."
O superintendente-adjunto do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), Paulo Afonso Condé, 41, anunciou ontem, após saber do abate, que estão suspensas as negociações com o MST, que reivindicava 2.163 cestas básicas para dois acampamentos da região sul do Estado.
Condé condicionou a retomada do diálogo à saída das famílias da fazenda, que possui, segundo seu proprietário, 4.000 cabeças de gado, incluindo bois reprodutores importados da Índia e da Argentina. A fazenda foi considerada produtiva pelo Incra em 1995.
As cestas básicas pedidas pelo MST chegaram a ser colocadas em dois caminhões na última sexta-feira, mas o Incra suspendeu a viagem ao saber que os sem-terra permaneceriam na fazenda mesmo após a entrega dos alimentos.
"Foi um acordo de cavalheiros. Eu acreditei na palavra dos líderes de que as famílias deixariam a fazenda", disse Condé.
Portela, do MST, negou que os sem-terra tivessem decidido ficar na fazenda. "Nós íamos deixar a área, mas antes queríamos uma posição mais clara do Incra sobre o assentamento das famílias."
Condé informou que a meta do Incra para este ano é assentar 2.500 famílias no Estado. Como os dois acampamentos em Itaquiraí foram criados neste ano, ele disse que o órgão não conseguiu recursos financeiros e pessoal para ampliar a meta anual. "Garantimos assentar 300 famílias de Itaquiraí até dezembro", disse Condé.
O dono da fazenda Mestiço, que possui outras duas fazendas em São Paulo e Goiás, já obteve na Justiça de Naviraí (MS) uma liminar de reintegração de posse da propriedade, ainda não cumprida pela Secretaria da Segurança Pública.
Ontem, o secretário da Segurança, Joaquim d'Assunção Filipi de Sousa, esteve reunido com o coordenador do Fórum da Questão Agrária e secretário do Meio Ambiente, Celso Martins, mas o teor da conversa não foi divulgado.
Feridos
Três sem-terra foram internados ontem no Hospital Municipal de Naviraí (MS), a 25 km do acampamento da fazenda Mestiço, após se ferirem durante o abate do gado.
Maria Aparecida Cardoso, 21, foi ferida com uma facada na barriga e teve de ser operada às pressas.
Ela declarou à Polícia Militar que o corte foi acidental e ocorreu quando seu marido retalhava um animal abatido. Maria Aparecida Cardoso foi internada e está em observação no hospital.
Os outros dois sem-terra foram feridos a tiros de espingarda na barriga por um homem não-identificado.
José Fernando Alves, 32, e Moisés Nascimento, 19, disseram que os tiros foram acidentais e não correm risco de vida, segundo funcionários do hospital.



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