São Paulo, sexta-feira, 06 de agosto de 2004

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BC SOB PRESSÃO

Transação financeira nos EUA é questionada; presidente alega "dívida de gratidão" e diz que chefe do banco fica

Lula mantém Meirelles apesar de denúncia

KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse ontem em conversas reservadas que não demitirá Henrique Meirelles, apesar de nova reportagem questionar uma transação financeira do presidente do Banco Central. Por ora, Lula não vê motivo legal ou ético para tirá-lo. E avalia ainda ter "dívida de gratidão" com Meirelles, que aceitou presidir o BC no final de 2002, após o PT ter enfrentado uma série de recusas.
Segundo a Folha apurou, Lula acha que transmitiria a imagem de um governo administrado por "fracos" se demitisse Meirelles por conta da reação negativa ontem do mercado (queda da Bolsa) à reportagem veiculada ontem pelo site da revista "Veja".
O texto se referiu a uma transação financeira nos EUA em 2002 no valor de US$ 50.677,12. Para Lula, o pequeno valor -na comparação com o patrimônio de Meirelles, homem muito rico- é argumento para mantê-lo.
Por intermédio do ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho, Lula pediu a Meirelles que desse novas explicações públicas. O Banco Central divulgou nota no início da noite rebatendo a reportagem. Palocci e Lula conversariam à noite em Belo Horizonte (MG), para onde viajaram.
Por enquanto, Lula considera satisfatórias as explicações de Meirelles sobre reportagens recentes que questionaram a lisura de suas operações patrimoniais.
A estratégia do governo para minimizar o desgaste de um depoimento no Senado é marcar a audiência de Meirelles na Casa para daqui a pelo menos 20 dias. A depender do clima político, ele poderia até se recusar a responder a perguntas sobre seu patrimônio, alegando que foi chamado a falar da vulnerabilidade externa do Brasil -pretexto do convite dos senadores.

Gratidão presidencial
"Dívida de gratidão" é a expressão usada por interlocutores do presidente para mostrar o que ele sente por Meirelles, que renunciou a um mandato de deputado federal, saiu do PSDB e ouviu críticas duras de radicais do PT.
Ex-presidente mundial do BankBoston, Meirelles foi a sexta opção de Lula no início de dezembro de 2002, quando o então presidente eleito chegou a ficar tenso pelas seguidas recusas.
Na época, o presidente do banco ABN-Amro, Fábio Barbosa, e Pedro Bodin, presidente do Banco Icatu e preferido de Palocci, disseram não a convites. Barbosa, aliás, é lembrado como eventual opção na hipótese extrema e hoje improvável de saída de Meirelles.
Outros três sondados afastaram a possibilidade de dizer sim a um eventual convite: Murilo Portugal, representante do Brasil no FMI (Fundo Monetário Internacional), Jair Ribeiro, ex-JP Morgan, e José Júlio Senna, sócio-diretor da MCM Consultoria.

Dificuldades
As dificuldades do PT para encontrar um presidente do Banco Central começaram na campanha de 2002, na virada do primeiro para o segundo turno. Àquela altura, quando havia chance de Lula vencer na primeira rodada, cresceu a cotação de Fábio Barbosa. Barbosa, porém, alegou que preferia ajudar de fora.
Nas recusas em 2002, ficou evidente o temor de profissionais bem remunerados da iniciativa privada em assumir uma tarefa espinhosa: baixo salário em comparação com seus empregos, temor de responder a processos judiciais caros após a saída do cargo e medo do chamado "fogo amigo" (críticas e obstáculos criados dentro do próprio PT).
Havia ainda desconfiança do mercado em relação à convicção econômica de Lula para bancar um rigoroso ajuste fiscal e uma dura política monetária. Hoje, quando o governo petista é uma espécie de queridinho dos mercados, não seria difícil substituir Meirelles, mas agora o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não quer.
O presidente avalia que seria dar o braço à torcer à oposição no momento em que a economia dá sinais de crescimento e no qual candidatos do PT nas eleições municipais melhoram seu desempenho.
Em reunião com seus principais ministros, na terça-feira, Lula disse que a oposição tenta criar "nova agenda negativa" ao pedir a demissão de Meirelles e do presidente do Brasil, Cássio Casseb, que também tem sido alvo de reportagens negativas.


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