São Paulo, segunda-feira, 06 de agosto de 2007

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Governo retém dinheiro de agências para pagar dívida

No primeiro mandato de Lula, 79% da verba aprovada por lei aos órgãos não foi gasta

Bloqueio neste ano passa de R$ 5,3 bilhões, mas agência de aviação civil foi poupada; especialistas criticam cortes, e governo não se manifesta

MARTA SALOMON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Criadas para incentivar investimentos privados no país e fiscalizar a prestação de serviços públicos, as agências reguladoras vêm contribuindo com um volume cada vez maior de dinheiro para o ajuste fiscal do governo. No primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, 79% do orçamento aprovado por lei para as agências não foi gasto por elas, reforçando o caixa do governo.
Neste ano, o bloqueio preliminar de verbas nas agências passa dos R$ 5,3 bilhões, mostra o Siafi (sistema informatizado de acompanhamento dos gastos federais). De 2003 a 2006, a diferença entre as despesas autorizadas e o gasto registrado foi de R$ 14,6 bilhões, quase três vezes o custo do projeto de transposição do rio São Francisco, uma das prioridades do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).
Com o apoio da ONG Contas Abertas, a Folha pesquisou as contas de dez agências reguladoras desde 2001. A cada ano, cresce a parcela dos gastos autorizados destinados ao pagamento da dívida pública. A partir de 2004, a maior parte das agências passou a sofrer um bloqueio antecipado de gastos, chamado de "reserva de contingência". Em 2007, essa reserva representa 73% do orçamento das agências. A Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) -atualmente na berlinda, por conta de sua atuação no apagão aéreo- foi poupada do corte antecipado.
A origem do dinheiro contingenciado das agências são taxas cobradas dos concessionários e operadores. A maior parcela de verbas retidas são pagamentos de compensações financeiras para a exploração de petróleo e gás. Por lei, eles deveriam reforçar o caixa da ANP (Agência Nacional de Petróleo).
"Trata-se de uma política de governo de tentar inibir as agências por asfixia; o orçamento é o combustível das agências", avalia Álvaro Machado, presidente da Associação Brasileira das Agências de Regulação. Ele diz que os cortes de verbas, combinados à demora no preenchimento das vagas de dirigentes, teriam por objetivo enfraquecer as agências, que começaram a ser criadas no final dos anos 90, acompanhando as privatizações de serviços públicos pelo governo Fernando Henrique Cardoso.
Para Machado, os cortes de verbas justificariam falhas na fiscalização, entre outras atividades das agências, e podem acabar por desestimular investimentos privados em setores de infra-estrutura. "Os cortes comprometem muito a fiscalização e o funcionamento das agências", disse.
Um dos objetivos das agências reguladoras seria oferecer aos investidores estabilidade de regras dos negócios, independentemente das mudanças políticas. Outro objetivo seria criar mecanismos de fiscalização dos serviços privatizados.
Mas o que acontece é que as agências se baseiam em informações repassadas pelas próprias empresas fiscalizadas.

Tesouro Nacional
Procurada pela Folha, a Secretaria do Tesouro Nacional não quis se manifestar sobre o bloqueio de gastos nas agências reguladoras. Por meio da assessoria de imprensa, informou que os gastos com ações de fiscalização das agências cresceram de R$ 74 milhões, em 2001, para R$ 266 milhões, em 2006. Nesse período, os gastos totais das agências subiu de R$ 811 milhões para R$ 1,3 bilhão, de acordo com dados do Siafi.
A Abdib (Associação Brasileira da Infra-Estrutura e Indústrias de Base) critica o suposto enfraquecimento das agências reguladoras. "Cortes têm prejudicado o cumprimento de tarefas importantes, como a fiscalização de redes elétricas e de atuação de concessionárias até estudos para futuras rodadas de concessões à iniciativa privada", relata a associação, como base em relatórios de gestão das agências.
De acordo com levantamento feito pela Abdib entre 1998 e 2005, as agências reguladoras nas áreas de petróleo e telefonia foram as maiores vítimas do bloqueio de gastos; eles também atingiram as agências de telefonia e transportes.


Colaborou HUMBERTO MEDINA , da Sucursal de Brasília

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