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Cálculo político atrasa reforma, diz Abrucio
Professor da FGV afirma que partidos miram eleição ao discutir projeto e que fidelidade partidária é essencial
FERNANDO BARROS DE MELLO
DA REDAÇÃO
Os partidos sabem da necessidade de uma reforma política,
mas divergem sobre como ela
deve ser feita. Um dos motivos
para isso são os cálculos sobre o
futuro dos próprios políticos.
Para o cientista político Fernando Abrucio, da FGV, o
PSDB se preocupa com a popularidade do presidente Lula,
enquanto o PT teme o fortalecimento da cúpula partidária.
Abrucio diz que não há "reforma salvadora" e que a fidelidade partidária é, nesse momento, o ponto mais importante. Leia os principais trechos da
entrevista à Folha.
FOLHA - O que dificulta a aprovação da reforma política?
FERNANDO ABRUCIO - Houve reação na sociedade contra o casuísmo de regras que favoreciam a classe política atual e
contra a idéia de votar em uma
lista e não em pessoas. Já dentro do Congresso, existe consenso de que há vários problemas no sistema político. Mas
não há consenso sobre qual remédio dar. Esse é o ponto.
FOLHA - Os partidos, quando falam
de reforma política, medem riscos
futuros para eles mesmos?
ABRUCIO - Exatamente. Há
uma grande dificuldade dos
partidos fazerem o cálculo da
reforma para além da sua carreira.
O maior medo do PSDB é um
fortalecimento exagerado do
PT no processo político. Isso se
daria pela lista fechada colada
ao financiamento público.
No fundo, eles estão preocupados com a popularidade do
Lula. Para o PT, o temor é interno, de que haja o favorecimento
da cúpula partidária. Sobretudo nesse momento em que há
uma redivisão de forças no PT.
FOLHA - E o PMDB e o DEM?
ABRUCIO - Você olha a votação
no primeiro semestre do
PMDB e é um saco de gatos.
O partido que mais se interessava na reforma era o DEM.
Eles imaginavam que ela favoreceria a cúpula partidária e
achavam que diminuiria um
pouco o peso dos pequenos
partidos via fidelidade e cláusula de barreira, o que significa
menos chance de perder membros. Além disso, o financiamento público pagaria a campanha de 2008. É preciso pensar nas estratégias dos atores
envolvidos.
FOLHA - Uma questão levantada
por deputados é a de que não seria
possível aprovar financiamento público de campanha sem voto em lista fechada. Isso é verdade?
ABRUCIO - Se nós colocarmos
um financiamento público exclusivo, é difícil imaginá-lo sem
a lista. Mas o pior problema do
sistema é manter o financiamento para cargos majoritários
e não para os proporcionais.
Outro ponto essencial é a distribuição de cargos. Para montar maioria, os governos precisam de deputados, que aceitam
ficar na base governista sobretudo pela distribuição de cargos. Essa que é a grande cola do
sistema político brasileiro.
FOLHA - O que fazer, então?
ABRUCIO - Prefiro uma melhoria do atual sistema, que signifique maior capacidade de controle, maior transparência, redução de candidatos.
FOLHA - E financiamento público?
ABRUCIO - Acho que essa rodada de reforma do primeiro semestre tinha um bode na sala: o
financiamento público, que foi
colocado como a resposta ao
sistema, mas não acho que seja.
É possível melhorar o sistema
de financiamento de campanha, sem ter um sistema exclusivo de financiamento público.
FOLHA - Como?
ABRUCIO - O atual sistema já é
misto. Financiamento público
não é só fundo partidário, é horário eleitoral gratuito também. Se você tem horário de rádio e TV só para quem tem grau
de representatividade razoável,
reduz o número de candidatos.
Assim, os TREs poderiam controlar muito mais. Também é
preciso melhorar o controle de
fundo partidário. Denúncias de
corrupção e de caixa 2 deveriam levar a penalidades no
fundo. Do lado do financiamento privado, precisa criar regras que obriguem que os candidatos declarem via internet e
também criar restrições sobre
quem pode financiar. Provavelmente, limitando financiamento à pessoa física.
FOLHA - A lista fechada é fundamental ao projeto?
ABRUCIO - Temos que olhar
quais são os verdadeiros problemas. A idéia de que existe reforma salvadora é um equívoco.
O sistema atual de lista completamente aberta é ruim. Agora, é
preciso soluções que não piorem ainda mais. O sistema mais
elogiado é o da Irlanda: há uma
lista apresentada pelo partido,
mas o eleitor pode mudar a ordem de candidatos. Mas primeiro precisamos criar vida
partidária, com prévias, primárias. Nesse atual momento a fidelidade partidária é a medida
mais importante.
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