São Paulo, sexta-feira, 06 de setembro de 2002

Texto Anterior | Índice

EXUBERÂNCIA ELEITORAL

8 anos em 2: para consertar os anos FHC

VINICIUS TORRES FREIRE

Os programas dos candidatos a presidente costumam ser massacrados por comentaristas de um pessimismo terrível e conservador, para não falar dos comentaristas econômicos francamente direitistas e incapazes de conceber que um governo possa ser mais imaginativo e atuante que o de Fernando Henrique Cardoso.
Decerto os programas padecem de "exuberância eleitoral" (o nome desta coluna, referência ao "exuberância irracional" de Alan Greenspan, presidente do banco central dos EUA, que com a expressão discutia o exagero otimista dos mercados). Mas programas são apenas isso: diretrizes, ênfases, metas a perseguir. Exigir precisão numérica e realizações imediatas é ignorar a realidade sempre imprevisível (tome-se o caso de FHC, que mesmo no segundo governo, já bem experiente, viu suas metas serem desbaratadas logo depois de anunciadas).
Enfim, num país de gente mais instruída certas demagogias seriam aparadas. Mas não somos assim e vamos dar o desconto.
Mais interessante é discutir quais os empecilhos iniciais que o novo presidente vai enfrentar antes de tocar seu programa (vai levar uns dois anos para arrumar a casa). Considere o problema do emprego. Os candidatos querem incentivar a criação de trabalho na agropecuária e com obras de saneamento e casas populares.
Para criar emprego na agropecuária é preciso exportar mais ou aumentar a renda da população. A princípio, a exportação não vai crescer o bastante: a economia mundial cresce e consome pouco. Um real mais desvalorizado (dólar mais caro) ajuda a exportar, mas a tática tem limite: no fim das contas, cria inflação, o que inibe exportações e diminui a renda das pessoas. E, caso o país volte a crescer em 2002, os novos empregos vão pagar bem pouco.
Para fazer obra de saneamento ou casas populares é preciso investimento ou crédito. Investimento do governo não haverá tão cedo. Algum crédito pode vir do Banco Mundial. O crédito privado está muito caro, o que prejudica até a criação de um mercado de capitais para o setor imobiliário. Uma saída pode ser a privatização de empresas de saneamento. Alguém vai encarar?
Para ter crédito mais barato pode-se, por exemplo, diminuir o depósito compulsório dos bancos (o dinheiro que eles não podem emprestar, por ordem do governo), facilitar a cobrança de inadimplentes e reduzir impostos sobre os bancos (e passar a conta para alguém). Pode-se aumentar a economia do governo, o tal superávit fiscal. Tudo isso ajuda a derrubar os juros. Alguém vai defender bancos e avisar que não haverá programa social agora?
Mas medidas relativas a juros e renda têm influência direta na nossa capacidade de obter dólares, de que precisamos para pagar contas no exterior. Se o juro cair muito, entra menos financiamento em dólar. Se renda (emprego) e crédito crescem rápido demais, o consumo interno sobe muito, o que piora a balança comercial (políticas de exportação levam tempo para funcionar).
Isso pode ser remediado com a diminuição do consumo interno, por meio de corte dos gastos do governo (com o que se limitam investimentos e programas sociais). Há mais perguntas: se o país voltar a crescer, de onde vai vir a energia elétrica, o desastre dos anos FHC? E a Previdência?
Isso não quer dizer que não é possível fazer nada. Quer dizer apenas que o novo presidente terá de ser criativo, paciente e que, em todos os casos, o seu ponto de partida vai ser uma terrível e impopular economia de gastos.


VINICIUS TORRES FREIRE, editor de Dinheiro, escreve às sextas-feiras



Texto Anterior: Isto é Maciel
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.