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São Paulo, quinta-feira, 06 de novembro de 2003

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OPERAÇÃO ANACONDA

Gravações da PF mostram que Casem Mazloum pretendia ajudar "um amigo de um amigo"; delegado fala sobre acerto com magistrado

Juiz solicitou grampo ilegal de telefone

IURI DANTAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O juiz federal Casem Mazloum pediu "um grampo" ilegal ao agente da Polícia Federal César Herman Rodriguez, em telefonema monitorado durante as investigações da Operação Anaconda. O interessado na escuta seria o "amigo de um amigo" do juiz -um "prefeito aí", segundo o diálogo gravado pela PF.
"Tem um amigo meu, uma pessoa de confiança, né? E aí o amigo dele, que é uma pessoa, um prefeito aí, pediu para grampear...", diz Casem, antes de ser interrompido por Rodriguez.
Ciente dos riscos de tratar o tema por telefone, o agente alerta que os dois precisam "se falar pessoalmente". O encontro, sugere Casem, poderia acontecer no dia seguinte. No gabinete do juiz, em outro lugar ou "no aeroporto".
A Folha obteve 12 diálogos gravados pela PF, com autorização judicial. É parte do material que serviu de base para a denúncia do Ministério Público Federal à Justiça. No documento, os procuradores identificam uma quadrilha especializada na venda de decisões judiciais e no retardamento de investigações da própria PF.
Num dos diálogos, cuja data não é especificada pelos policiais, Casem menciona o interesse do "prefeito" no grampo. O alvo da escuta seria um telefone celular, "mais problemático", segundo o agente. "Se for [telefone] fixo, 100%. Dá para fazer de imediato. Agora, o outro não", explica.
Em nova conversa após o pedido do grampo, Rodriguez diz ao juiz que pode conseguir até o fim do dia "um cara que falou que faz" a escuta ilegal. De forma cifrada, o agente se refere à escuta como "prova auditiva".
"Hoje estou tentando, agora no final, pegar um cara que falou que faz para mim a prova auditiva", diz. E completa: "Se ele [o cara] falar para mim que é 100%, aí dou o "start" [a partida]", afirma.
Em outra gravação feita pela PF, o delegado federal José Augusto Bellini conversa com o agente da PF César Rodriguez. Ele relata ao delegado, ambos presos na semana passada, que conseguiu oito bilhetes aéreas para Casem, ao custo unitário de US$ 2.000. "Consegui oito passagens executivas para o Casem, viu?", diz.
De acordo com o diálogo, o destino da viagem do magistrado seria o Líbano. Teria viajado com a família, no fim do ano passado, comemorar o Réveillon.
A denúncia do Ministério Público anota: "dado o valor dos bilhetes, e a "performance" do grupo, tudo indica que também aqueles bilhetes podem ser fruto da prática de algum delito ou alguma espécie de vantagem indevida".
Em outro diálogo, o delegado Bellini fala dos irmãos Casem e Ali Mazloum. Bellini revela preferência pelo juiz Ali. Na interpretação da PF, o delegado insinua que, com esse magistrado, o acerto financeiro seria mais vantajoso.
Diz Bellini em determinado trecho da gravação: "Eu poderia pegar o careca, mas com o careca, no final, não sobra". Careca, indicam as investigações da PF, é uma referência a Casem, que é calvo.
A frase de Bellini foi dita durante suposta negociação de um habeas corpus. O delegado da PF conversa com Márcia, uma intermediária no esquema. A PF ainda não a identificou.
Também sob suspeita do Ministério Público e da Polícia Federal, o juiz João Carlos da Rocha Mattos teve a voz captada por um outro grampo obtido pela Folha. Conversou também com o agente da PF César Herman Rodriguez.
Disse o juiz: "Me liga daqui a pouquinho que, se der, eu vou te passar o número, tá?". Sem entender, Rodriguez perguntou: "Número de quê?" E Rocha Mattos: "de uma conta para depositar, em vez de você vir aqui, eu vou te dar aquele valor, tá?"
Rodriguez estava ao volante. Não podia tomar nota. O agente da PF combina um novo contato para o dia seguinte. Rocha Mattos se antecipou: "Só para te dizer, é o Banco Sudameris, aí pertinho da...". O agente o interrompe e reitera que telefonaria no dia seguinte para coletar os dados.


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