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Escândalo desvenda estrutura de poder e barganha em Brasília
Mensalão local reforça imagem de ineficiência e prática desonesta que estão no cerne da cidade desde sua fundação, há quase 50 anos
Cientista político da UnB diz que proximidade entre iniciativa privada e poder público favorece descalabro ético na capital federal
FERNANDO RODRIGUES
ADRIANO CEOLIN
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Prestes a completar 50 anos,
em 2010, Brasília enfrenta o escândalo de corrupção política
mais bem documentado em áudio e vídeo da história do país, o
que consolida o lado pejorativo
de sua imagem, atrelada a ineficiência e práticas desonestas.
A cidade tem características
que favorecem o comportamento impróprio dos políticos.
Para o cientista político David
Fleischer, da UnB, um aspecto
relevante é a proximidade entre iniciativa privada e governo,
"pois o poder público sempre
foi o maior cliente". "Em outros
Estados há um mercado desenvolvido. Em Brasília, os empresários são compelidos a trabalhar para o governo", diz.
Não é por acaso que deputados da Câmara Legislativa do
Distrito Federal envolvidos no
mensalão do DEM são também
donos de empresas que vendem serviços ao governo local.
Vice-governador e ex-senador, Paulo Octávio (DEM) começou seus negócios como corretor de imóveis. Sempre teve
boa relação com os governos
desde os anos 70. Virou um dos
maiores empresários locais.
Um exemplo do gigantismo
do poder público local em Brasília é o valor gasto com publicidade. Juntos, Legislativo e Executivo gastaram R$ 387 milhões de 2005 a 2008. Neste
ano, até 10 de novembro, o governo do DF já gastou R$ 136
milhões em publicidade -valor
similar a tudo que foi investido
em segurança pública, saúde e
educação (R$ 148 milhões).
No princípio, Brasília tinha
apenas um prefeito nomeado
pelo presidente da República.
Vários deles foram coronéis. A
evolução até a autonomia eleitoral colaborou, segundo Fleischer, com o descalabro ético.
Em 1990 houve a primeira
eleição direta para governador
e deputados distritais. Brasília
passou a funcionar quase como
um Estado, com a vantagem de
não se preocupar com recursos,
pois vive de repasses da União.
Desde sua inauguração, em
1960, Brasília tem sido o palco
predileto dos adeptos do patrimonialismo na relação com o
Estado. Quando a capital saiu
do Rio, muitos vícios foram importados. Brasília recebeu toda
a alta burocracia federal do Rio
e, aos poucos, criou também
uma casta de funcionários locais. Somados, os servidores
são quase um quarto da força
de trabalho empregada no DF.
Uma imensa massa de migrantes também veio para Brasília. Sua população é estimada
em 2,6 milhões, sendo que 2,2
milhões vivem fora do chamado Plano Piloto -o bairro central. Como o projeto inicial era
apenas para 500 mil pessoas,
todas as outras áreas habitacionais foram construídas de acordo com as necessidades.
Brasília tem hoje ao menos
500 condomínios irregulares.
O ex-presidente Fernando
Henrique Cardoso (1995-2002) assistiu da janela de seu
gabinete o lento e contínuo
crescimento de condomínios,
muitos com casas de luxo, às
margens do lago Paranoá.
"Brasília é uma cidade diferente. Aqui temos invasão de ricos", brincava FHC. Como a situação fundiária desses bairros
é ilegal, o Legislativo local -e
até o Congresso- discute como
regularizar a situação.
Os políticos locais não parecem ter limites. Na tramitação
da MP que criou o programa
Minha Casa, Minha Vida, um
trecho tratava da regularização
de áreas urbanas. O deputado
Tadeu Filippelli (PMDB-DF)
apresentou uma emenda sob
medida para a elite brasiliense.
Propunha legalizar as invasões
ocupadas "predominantemente por população de classe média que tenha o imóvel irregular como único imóvel residencial". O texto não foi aprovado.
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