São Paulo, domingo, 06 de dezembro de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Escândalo desvenda estrutura de poder e barganha em Brasília

Mensalão local reforça imagem de ineficiência e prática desonesta que estão no cerne da cidade desde sua fundação, há quase 50 anos

Cientista político da UnB diz que proximidade entre iniciativa privada e poder público favorece descalabro ético na capital federal

FERNANDO RODRIGUES
ADRIANO CEOLIN
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Prestes a completar 50 anos, em 2010, Brasília enfrenta o escândalo de corrupção política mais bem documentado em áudio e vídeo da história do país, o que consolida o lado pejorativo de sua imagem, atrelada a ineficiência e práticas desonestas.
A cidade tem características que favorecem o comportamento impróprio dos políticos. Para o cientista político David Fleischer, da UnB, um aspecto relevante é a proximidade entre iniciativa privada e governo, "pois o poder público sempre foi o maior cliente". "Em outros Estados há um mercado desenvolvido. Em Brasília, os empresários são compelidos a trabalhar para o governo", diz.
Não é por acaso que deputados da Câmara Legislativa do Distrito Federal envolvidos no mensalão do DEM são também donos de empresas que vendem serviços ao governo local.
Vice-governador e ex-senador, Paulo Octávio (DEM) começou seus negócios como corretor de imóveis. Sempre teve boa relação com os governos desde os anos 70. Virou um dos maiores empresários locais.
Um exemplo do gigantismo do poder público local em Brasília é o valor gasto com publicidade. Juntos, Legislativo e Executivo gastaram R$ 387 milhões de 2005 a 2008. Neste ano, até 10 de novembro, o governo do DF já gastou R$ 136 milhões em publicidade -valor similar a tudo que foi investido em segurança pública, saúde e educação (R$ 148 milhões).
No princípio, Brasília tinha apenas um prefeito nomeado pelo presidente da República. Vários deles foram coronéis. A evolução até a autonomia eleitoral colaborou, segundo Fleischer, com o descalabro ético.
Em 1990 houve a primeira eleição direta para governador e deputados distritais. Brasília passou a funcionar quase como um Estado, com a vantagem de não se preocupar com recursos, pois vive de repasses da União.
Desde sua inauguração, em 1960, Brasília tem sido o palco predileto dos adeptos do patrimonialismo na relação com o Estado. Quando a capital saiu do Rio, muitos vícios foram importados. Brasília recebeu toda a alta burocracia federal do Rio e, aos poucos, criou também uma casta de funcionários locais. Somados, os servidores são quase um quarto da força de trabalho empregada no DF.
Uma imensa massa de migrantes também veio para Brasília. Sua população é estimada em 2,6 milhões, sendo que 2,2 milhões vivem fora do chamado Plano Piloto -o bairro central. Como o projeto inicial era apenas para 500 mil pessoas, todas as outras áreas habitacionais foram construídas de acordo com as necessidades.
Brasília tem hoje ao menos 500 condomínios irregulares. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) assistiu da janela de seu gabinete o lento e contínuo crescimento de condomínios, muitos com casas de luxo, às margens do lago Paranoá.
"Brasília é uma cidade diferente. Aqui temos invasão de ricos", brincava FHC. Como a situação fundiária desses bairros é ilegal, o Legislativo local -e até o Congresso- discute como regularizar a situação.
Os políticos locais não parecem ter limites. Na tramitação da MP que criou o programa Minha Casa, Minha Vida, um trecho tratava da regularização de áreas urbanas. O deputado Tadeu Filippelli (PMDB-DF) apresentou uma emenda sob medida para a elite brasiliense. Propunha legalizar as invasões ocupadas "predominantemente por população de classe média que tenha o imóvel irregular como único imóvel residencial". O texto não foi aprovado.


Texto Anterior: Presidente do PSDB do DF pede licença
Próximo Texto: Barbosa usou tecnologia de espião para gravar Arruda
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.