São Paulo, domingo, 6 de dezembro de 1998

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REGIME MILITAR
Ministro do Trabalho de Costa e Silva diz que o presidente sabia como contornar o impasse que levou ao AI- 5
Faltou habilidade política, diz Passarinho

do enviado especial a Brasília

Jarbas Passarinho, ministro do Trabalho do presidente Costa e Silva, disse à Folha que a crise política que culminou no AI-5 poderia ter sido desarmada se o governo tivesse mais habilidade política.
Isso ocorria por um acaso: o líder do governo, Ernani Sátiro, sofrera um infarto e fora substituído por Daniel Krieger. As relações de Krieger com o ministro da Justiça, Gama e Silva, o porta-voz civil dos militares de linha dura, beiravam a "animosidade". Essa indisposição e a disputa dos militares ditos liberais e os de linha dura acabou no AI-5, como conta Passarinho na entrevista a seguir: (MCC)

Folha - Não faltou habilidade política ao governo para evitar a crise com o Congresso e o AI-5?
Jarbas Passarinho -
Completa. Por que o discurso do Marcio Moreira Alves, algo sem a menor importância, foi o detonador do processo? Porque o Ernani Sátiro, o líder do governo na Câmara, estava infartado no Rio. No meu entender, teria sido possível que o Ernani evitasse o confronto que se viu.
Folha - Por que o governo não conseguiu evitar o confronto?
Passarinho -
O vice-líder do Ernani, o Daniel Krieger, não tinha a mesma altura do Ernani para negociação. E o Krieger tinha uma animosidade recíproca com o Gaminha, que era o ministro da Justiça. O Gaminha foi inflexível, queria processar o Marcio Moreira Alves, mas haveria a possibilidade de solucionar a questão sem chegar ao AI-5. Como? Se se evitasse o problema na Câmara. O Costa e Silva dizia assim: se eu perder na Câmara, onde eu tenho dois terços pela Arena, eu não tenho como me justificar. Mas se eu perder no Supremo, eu posso justificar, porque são dois poderes independentes.
Folha - Não faltou habilidade a Costa e Silva para conciliar militares da linha dura e liberais?
Passarinho -
Faltou. Um integrante da linha dura chegou na noite da derrota na Câmara e disse assim: se o presidente vacila, ultrapassemos o chefe. Ora, isso era deposição. Foi o general Moniz deAragão. O Costa e Silva queria a volta à democracia. No fatídico mês de agosto de 1969, o presidente me chamou e disse: "Basta de cassações". Ele queria que eu substituísse o Krieger na presidência da Arena e como líder do governo porque os militares queriam cassar o Krieger. Ele foi contra o AI-5.
Folha - Por que um ato que deveria durar nove meses, como o sr. diz, durou dez anos?
Passarinho -
Porque o Costa e Silva morreu. Se não tivesse morrido,nós teríamos voltado ao regime democrático. Com a doença do Costa, a linha dura foi ganhando força. Eu achava que seria um ato passageiro. É por isso que eu disse na reunião que a mim me repugna enveredar pelo caminho da ditadura, mas, não tendo alternativa, às favas os escrúpulos de consciência. Eu tinha os meus escrúpulos.
Folha - É correta a hipótese segundo a qual o AI-5 abriu caminho para a tortura e as mortes?
Passarinho -
É parcialmente aceitável. Dou graças a Deus ter passado 28 anos no Exército seguindo a Convenção de Genebra (que veta tortura a prisioneiros). Era uma guerra suja de ambos os lados. Mas não dá para dizer que o AI-5 provocou isso. Ele não teria levado a isso se tivesse intimidado o suficiente para não haver luta armada.
Folha - O sr. se arrepende de algum ato desse período?
Passarinho -
Arrependimento existe quando você praticou um erro grave. E eu não considero ter praticado nenhum erro grave.



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