São Paulo, domingo, 07 de janeiro de 2001

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Falta acordo para votar limitação na Câmara

ANDRÉA MICHAEL
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Depois de seis anos de negociação, duas passagens pelo Senado e duas pela Câmara, a proposta de emenda à Constituição que tenta impor limites ao uso de medidas provisórias está longe de um acordo entre governo e oposição.
O governo reluta em aceitar limites à edição das MPs -com seus efeitos imediatos- e insiste em tirar da Constituição o dispositivo que veda o uso de medidas para regulamentar matérias que tenham sido objeto de emenda constitucional a partir de 1995.
"A proibição coloca uma pedra no futuro. Suprimi-la é uma questão de governabilidade", avalia Pedro Parente (Casa Civil).
O desfecho da novela ainda pode demorar. No ano passado, o presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), incluiu o tema na pauta do plenário em seis ocasiões diferentes. Mas em nenhuma delas o assunto nem sequer foi discutido pelos parlamentares.

Parcimônia
Para Parente, não há exagero no uso das MPs. Ele vê até certa parcimônia na sua edição: em 2000, a média seria de menos de duas novas medidas por mês, contra 3,5 mensais no ano anterior.
"Hoje, nenhum ministério pode enviar uma matéria para a Casa Civil no formato de MP. Tem que mandar como projeto de lei e, se for o caso, explicitar na exposição de motivos a necessidade de transformá-lo em medida provisória", afirma o ministro.
Incluído na Constituição em 1995, o veto ao uso de MPs na regulamentação de matéria constitucional (artigo 246) foi celebrado pela oposição como uma vitória.
No lugar dessa proibição, o relator Roberto Brant (PFL-MG) propõe limites temáticos. Pela última versão da proposta de emenda constitucional, aprovada em abril do ano passado, o governo não poderia editar MPs sobre matéria orçamentária, contribuições sociais e sequestro de ativos financeiros -como fez o ex-presidente Fernando Collor ao assumir o governo, em março de 1990.
"Não podemos concordar com uma restrição feita em duas pontas: nos temas e com o 246", afirma o ministro Aloysio Nunes Ferreira, secretário-geral da Presidência da República, que foi relator do substitutivo sobre as MPs na primeira vez que a proposta tramitou na Câmara, em 1997.
"Aceitamos aprovar a proposta do governo, desde que a votação sobre a supressão do artigo 246 seja feita em separado", reage o deputado José Genoino (PT-SP).
Trata-se de uma manobra da oposição. Se o governo aceitar, terá que jogar com a certeza de que conseguirá 308 votos para manter o texto proposto pelo relator, tirando da Constituição o veto ao uso de MPs para regulamentar o que foi modificado por emenda.
"Sabemos que há uma negociação para emendar o artigo 192 da Constituição, que dispõe sobre o sistema financeiro. Se tiram o 246, e o governo vem com uma MP e torna o Banco Central independente? Com a esquerda podendo chegar ao poder em dois anos?", pergunta Genoino.
O debate é longo e registra fatos pitorescos. Antes de se eleger presidente, Fernando Henrique Cardoso foi à tribuna do Senado criticar a edição abusiva de MPs.
O "Diário do Congresso" de 14 de dezembro de 1988 registra discurso do senador FHC no governo Sarney: "Não há nenhuma razão para transformar em medidas de urgência tudo aquilo que pode ser feito com mais ponderação, e o governo está abusando das medidas provisórias, como se fossem decretos-lei".
Em artigo publicado pela Folha em 7 de junho de 1990, ele defendia mecanismos de controle, pelo Legislativo, da edição de MPs.
"Seja qual for o mecanismo, ou o Congresso põe ponto final no reiterado desrespeito a si próprio e à Constituição, ou então é melhor reconhecer que no país só existe um poder de verdade, o do presidente. E daí por diante esqueçamos também de falar em democracia", escreveu FHC.


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