São Paulo, quinta, 7 de janeiro de 1999

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NOVO GOVERNO
Rafael Greca, da pasta dos Esportes e do Turismo, afirma que não é preciso esconder mendigos de turistas
Ministro vê "caráter lírico" na miséria

Sérgio Lima/Folha Imagem
Rafael Greca, que assumiu Turismo e Esportes e prometeu particiapr da limpeza do Maracanã


CYNARA MENEZES
da Reportagem Local

O ministro dos Esportes e do Turismo, Rafael Greca, 42, poeta e amante da ópera, empossado ontem, diz que não pretende esconder a pobreza do Brasil da visão do turista estrangeiro.
"Há um caráter até lírico em alguns mendigos e despossuídos que os torna semelhantes ao Carlitos e todos os personagens míticos. Não se trata de idealizar a miséria, mas não se trata de escondê-la também", diz Greca -ex-prefeito de Curitiba (93-96) e deputado federal eleito em 98, o primeiro colocado no Paraná com 226.654 votos. O ministro quer criar o turismo de consumo que inclui o "tour" da cachaça, em Minas, do boné no Paraná ou das letras no Maranhão, terra do ex-presidente, escritor e atual senador José Sarney (PMDB-AP), que Greca nunca leu.
Na posse ontem, Greca fez piada com os ministros presentes e recitou trechos de poesias. "Estou adorando ser ministro. Viva o Brasil", declarou. A seguir, trechos da entrevista de Rafael Greca à Folha.

Folha - O sr. escreveu que nenhuma cidade presta para ser visitada se não presta para seu povo viver. O Brasil é bom para o povo viver?
Rafael Greca
- É, e quanto melhor for para seu povo viver, mais visitado vai ser. O governo brasileiro está desenvolvendo um programa de saneamento ambiental e adequação dos pontos turísticos da costa do alto Brasil à qualidade de vida. O Porto de Galinhas (PE) pode ter o melhor dos mares, mas nunca vai ser um destino recomendável se não tiver uma infra-estrutura de esgoto para que o verde mar bravio daquela terra, que a brisa do mar beija e balança, não esteja contaminado.
Folha - Mas não é nada agradável para um turista chegar aqui e encontrar meninos cheirando cola e fumando crack nas esquinas.
Greca
- Os problemas da sociedade brasileira são os problemas de todas as sociedades modernas. Não é nada agradável para um turista chegar à Quinta Avenida, em Nova York, e encontrar um "homeless" (sem-teto) empurrando um carrinho, ou uma velhinha no meio de uma nevada à sombra da árvore de Natal do Rockfeller Center pedindo um pedaço de pão.
Folha - Por que o turista estrangeiro não vem ao Brasil?
Greca
- Primeiro, por causa da tarifa do hemisfério sul. No mês de dezembro, 125 charters foram do Brasil para Miami e só cinco vieram no sentido inverso. Nós temos que trabalhar para abrir nossos aeroportos aos grandes fluxos turísticos. Segundo, porque os outros destinos têm um marketing mais avançado, mais arraigado.
Folha - Não é a violência brasileira que espanta o turista?
Greca
- Acho que não. Veja, é usual, depois do Carnaval no Rio, as agências de notícias internacionais falarem assim: 400 mortos no Carnaval do Rio. Então, as pessoas na Europa, quando lêem os jornais ou vêem a CNN, pensam que os mortos foram durante o desfile, durante os dias de Carnaval ou durante o trajeto entre o Galeão, os bailes, as quadras das escolas e o sambódromo. Somam todos os acidentados e mortos do Rio inteiro e noticiam, e as pessoas se lembram do filme "Orfeu do Carnaval" (de Marcel Camus, 1959, produção ítalo-francesa vencedora da Palma de Ouro de Cannes), e fazem como uma princesa italiana que uma vez disse para mim e para Margarita (Sansone, 52, sua mulher): "Io no me vado a Brasile" (segue em italiano, que logo traduz). "Eu não vou ao Brasil durante o Carnaval. O Carnaval é uma ocasião de vingança. Vocês se mascaram e se vingam durante o desfile." A princesa tinha assimilado muito bem o "Orfeu", que é o filme mais conhecido sobre o Brasil e que tem lamentavelmente um assassinato. Eu disse a ela: "Principessa", é como Margarita e eu pensarmos que nos vão tratar como a ópera tratou a pobrezinha da Tosca, matando-lhe o marido e obrigando-a a pular do alto do castelo Sant'Angelo. Nem sempre o que é ficção é verdade.
Folha - Mas e os inúmeros casos de turistas assaltados e às vezes até mortos no Brasil?
Greca
- Isso é usual no mundo inteiro. Minha mulher só foi assaltada em Barcelona e em Florença. Em Florença, tentaram roubar a bolsa da Margarita, um "drogadicto" (em espanhol, viciado em drogas), na ponte da Santíssima Trindade. Teve mais sorte Dante Alighieri, que passeou com Beatriz pela ponte e pôde escrever "A Divina Comédia". Tem que criar áreas de excelência, todos nós sabemos que o prefeito de Nova York fez isso por lá e sabemos também que nos domingos quando os brasileiros vamos ver a missa Gospel no Harlem a polícia tem uma proteção especial só naquele dia da semana.
Folha - Não é uma espécie de maquiagem?
Greca
- Não, não é, porque a senhorita, se me convidar para sua casa, não vai mostrar sua tulha de roupas, vai? Vai me receber na sala. Então é usual que a gente receba visitas nas salas de visitas. Cada cidade tem que ter a sua sala e ela tem que ter o rosto da cidade. Por exemplo: São Paulo não pode descuidar da Sé, do seu centro.
Folha - Quando o sr. fala em zonas de excelência não significa que quer esconder a miséria, de que foi acusado em Curitiba?
Greca
- Que estupidez. A minha administração em Curitiba teve o mais intenso programa social da história da cidade e do Brasil. Curitiba nunca escondeu a sua miséria, só se arrumou.
Folha - O sr. falou do centro de São Paulo. O que faria com os miseráveis que andam por ali?
Greca
- Acho que uma cidade com a grande arrecadação de São Paulo precisa ter um forte programa social. Não se trata de varrer as pessoas por baixo do tapete ou jogá-las no fundo de um rio com uma pedra na barriga. Trata-se de removê-las. Em Curitiba, cheguei ao extremo de conhecer pelo nome a população de rua que não era possível tirar da rua. Não eram mais que 40 pessoas. Quando comecei, eram mil e poucas.
Folha - No Brasil, há estimativas de que seriam 32 milhões os miseráveis.
Greca
- Isso é uma bobagem, porque a Índia por certo os tem em número muito maior que nós e é um grande porto turístico. E o povo nunca é um defeito do país, é sempre uma qualidade. Há um caráter até lírico em alguns mendigos e despossuídos que os torna semelhantes ao Carlitos e todos os personagens míticos. Não se trata de idealizar a miséria, mas não se trata de escondê-la também.
Folha - Os meninos de rua são um tanto deprimentes ou não?
Greca
- Acho que a legislação vigente é mais do que poderosa para combater isso. Também nos EUA há um fortíssimo trabalho contra a violência contra as crianças. Eu mesmo fui a Boston e vi em outdoors cifras vergonhosas de violência contra crianças dentro de casa e não deixei de ir aos EUA por causa disso. Vi no outdoor.
Folha - O sr. acha que o samba, o bumbum da mulata, ajudaram a criar essa imagem sexual do Brasil?
Greca
- A imagem tropical é dionisíaca e o calor é dionisíaco. Viver é conciliar o sentido apolíneo com o sentido dionisíaco. Traduzindo: conciliar a razão e os bons costumes com o necessário entusiasmo, ou, vulgarmente, tesão.
Folha - O sr. viu que, segundo a imprensa sensacionalista inglesa, um ministro inglês veio fazer uma espécie de turismo sexual por aqui?
Greca
- Não.
Folha - Aliás, o sr. acha que é interessante que ministros, como na Inglaterra, assumam sua condição sexual?
Greca
- Acho que é, mas isso não tem nada a ver com a minha pasta nem com minha opção sexual. Estou bem casado com a Margarita e satisfeito.
Folha - Quais são as prioridades para atrair o turista estrangeiro?
Greca
- O Brasil tem três grandes programas em curso. O Prodetur, no Norte e Nordeste, que vai de Maceió até Belém, o programa de Ecoturismo da Amazônia e o programa de turismo do Pantanal. Tenho sinal verde para montar um programa de turismo do Mercosul. Temos que pensar na potencialidade infinita da rota São Paulo-Rio-Curitiba-Florianópolis-Porto Alegre-Montevidéu-Buenos Aires, com outro ramal Paranaguá-Curitiba-Foz do Iguaçu-Assunção e com outro ramal que ligue os destinos de São Paulo e de todas as capitais do Sul ao grande território arqueológico das missões jesuíticas, as reduções (sedes jesuíticas) tanto no Paraguai quanto na Argentina como no RS. Essa república dos guaranis e dos padres jesuítas é um porto turístico de infinito potencial e um veio para a abertura do Mercosul. Vamos nos benzer na água das cataratas e vamos ligar a São Paulo dos bandeirantes sanguinários às catedrais dos jesuítas que davam combate aos bandeirantes e aldeavam os índios que iam como escravos para SP.
Folha - O senhor chamou os bandeirantes de sanguinários. A cristianização dos indígenas também não foi uma violência?
Greca
- Não é verdade. O projeto das reduções era belíssimo. A gente não pode apitar o jogo pelo videoteipe. Você está usando conceitos antropológicos modernos, os jesuítas faziam tudo pela maior glória de Deus.
Folha - Sobre esporte: o sr. declarou que só estava apto para o sumô. Já praticou algum?
Greca
- Isso era uma brincadeira, nem conheço as regras do sumô. Eu jogava futebol, era goleiro do time do colégio dos jesuítas em Curitiba e, acredite ou não, adoro natação. Gosto muito da água, de nadar, da hidroginástica. Sou gordo por ter sido um prefeito muito aplicado. Agora vou correr um pouco.
Folha - O que o sr. pretende fazer com a Lei Pelé?
Greca
- Aplicá-la com competência. Acho que o aspecto que ela tem de alforria dos jogadores é muito interessante, de auto-sustentabilidade dos clubes por meio de sua transformação em empresas, mas temo que para o esporte amador seja um tanto prejudicial. Tenho um respeito muito grande pelo Pelé, e acho que é recíproco, porque ele gostou muito da minha poesia sobre o rio Iguaçu que abriu os Jogos Mundiais da Natureza. Fomos fotografados, ele me abraçou com muito carinho. Parecia uma propaganda da Benetton. Eu bem branquinho e ele negro.
Folha - O sr. vai dar mesmo o pontapé inicial no Fla-Flu, no dia 20, pelo Torneio Rio-São Paulo?
Greca
- Nem sei se tenho coordenação motora. Mas vou ao Maracanã e tenho vontade de convocar um mutirão da torcida para limpar a geral, que está entulhada de lixo. Isso é uma vergonha nacional. O Maracanã é um símbolo da nação, tão importante para a alma do Brasil como a igreja de São Pedro é para o catolicismo ou o Taj Mahal é para a Índia.
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Colaborou a Sucursal de Brasília


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