|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OPERAÇÃO SOCIAL
O cientista político Fábio Wanderley Reis diz que petistas expressaram "má consciência" no lançamento do projeto
Analista vê mal-estar petista com Fome Zero
RAFAEL CARIELLO
DA REPORTAGEM LOCAL
O cientista político Fábio Wanderley Reis, professor da UFMG
(Universidade Federal de Minas
Gerais), viu como uma expressão
de "má consciência petista" as declarações do governador Wellington Dias (PT-PI) e de Olívio Dutra, ministro das Cidades, durante
o lançamento do programa Fome
Zero em Acauã (PI).
Dias convocou a população local, na última terça-feira, a fazer
um juramento contra a pobreza.
O governador propôs que o objetivo das pessoas ali presentes fosse poder dizer: "Eu não preciso
mais desse Cartão-Alimentação
porque agora tenho uma renda
fruto do meu trabalho".
Olívio conclamou os beneficiados a fiscalizarem o programa, e
disse: "O povo brasileiro não quer
mais ser objeto da política de
meia dúzia de poderosos".
Para Fábio Wanderley, as manifestações expressam a má consciência de integrantes de um partido, originalmente "revolucionário" e que propunha o protagonismo das classes populares, em
terem que realizar "assistencialismo". Ele afirma que o paternalismo é necessário em um país como
o Brasil. Diz ainda que está perplexo com a dificuldade de se encontrar uma alternativa para a
atual política econômica.
"Estamos todos perplexos e o
PT também. Espero que o PT tenha criatividade, inventividade,
para dar resposta ao desafio que
está posto à frente."
Folha - As declarações de Olívio
Dutra e Wellington Dias anteontem no Piauí expressam um mal-estar com o programa Fome Zero?
Fábio Wanderley Reis - Isso na
verdade é mera expressão de uma
má consciência petista. Um partido que em princípio é um partido
revolucionário, nasceu com uma
ideologia de protagonismo das
classes populares, e que de repente tem que fazer assistencialismo,
como obviamente estão fazendo.
E ainda bem que estão fazendo.
Esse discurso é um pouco a
compensação disso. Na verdade
tem um ar até um pouco tolo, especialmente a maneira como o
Wellington Dias coloca a coisa.
Faz sentido como expressão dessa
má consciência e como esperança
de que em algum momento seja
possível que a população não tenha que depender de mero assistencialismo.
Folha - O sr. diz que o assistencialismo é necessário?
Fábio Wanderley - Sem dúvida. É
uma tolice pretender que, especialmente em um país com o grau
de desigualdade que nós temos,
não haja paternalismo por parte
do Estado. Tem que haver sim. A
social-democracia, para não falar
no socialismo, significou um Estado que tratou de atender aos necessitados. Há um suposto solidário que leva o Estado a agir de maneira a compensar desigualdades.
É uma bobagem, especialmente
num país como o nosso, imaginar
que a gente vai poder prescindir
desse paternalismo. É claro, se
bastasse o paternalismo seria lamentável. Se tivéssemos que ter
eternamente esse grau de desigualdade e políticas que trouxessem, em caráter emergencial, o
pão para os que estão morrendo
de fome, seria muito ruim.
O grande desafio para o PT é,
além de fazer o paternalismo, que
sim tem que ser feito, conseguir a
forma de conseguir desenvolvimento. E um desenvolvimento de
tipo incorporador. Esse desafio é
muito complicado. Se a gente olha
a história do Brasil no último século, o país teve um enorme desenvolvimento e o resultado é essa sociedade desigual em que a
gente está vivendo. Desenvolvimento por si só não basta.
Folha - O PT já apresentou até o
momento alguma maneira de sair
dessa encalacrada?
Fábio Wanderley - Que eu visse,
não. Estamos todos perplexos e o
PT também. Espero que o PT tenha criatividade, inventividade,
para dar resposta ao desafio que
está posto à frente. Especialmente
agora, com a globalização, com
uma dinâmica que é claramente
excludente, mesmo nos países de
capitalismo avançado.
O problema é como se inserir
nessa dinâmica, o que é inevitável.
Acho um pouco desfrutável a crítica, apesar de fatal, do lado da esquerda do partido ao [ministro da
Fazenda Antonio] Palocci [Filho]
nas circunstâncias em que estamos vivendo, precisamente pela
dificuldade de encontrar alternativas. É preciso se inserir adequadamente na dinâmica econômico-financeira do plano transnacional. O desafio é como fazê-lo
de maneira incorporadora, e não
excludente.
Folha - A política macroeconômica conservadora do Palocci, por si
só, não permitirá essa superação?
Fábio Wanderley - Claramente,
não. Estou falando da longa experiência de desenvolvimento que
resulta em exclusão... E agora,
com as feições que a economia capitalista assume, está muito claro
que ela tem uma feição que é excludente, socialmente perversa.
Folha - Tendo sido o presidente
Lula eleito com a promessa de mudança, essa política vai ser pressionada, vai ter que ser mudada?
Fábio Wanderley - Isso está muito claro. O desafio do PT é muito
complicado especialmente por isso. Por um lado, não têm como
deixar de serem realistas -festejo
que sejam-, mas por outro lado,
não têm como deixar de atender à
expectativa que criam do ponto
de vista social, e de serem condenados ao começo de uma política
mais efetiva nessa direção.
Folha - Dá para dizer que a mudança é inevitável?
Fábio Wanderley - O desafio é
como, arrumada a casa -tendo
feito a política que convencionalmente surge como adequada aos
olhos dos investidores internacionais-, como associar a isso uma
política promotora de incorporação social. É muito complicado.
Está todo mundo perplexo. Não
vejo resposta criativa para isso no
PT, assim como não a vi no governo Fernando Henrique. Até aqui,
não percebo nenhuma indicação
muito clara de que o PT saiba qual
é a resposta para esse nó.
Folha - Isso que aconteceu no
Piauí tem alguma relação com o
que o sociólogo José de Souza Martins chamou de reavivamento do
sebastianismo, de um messianismo vinculado ao Lula?
Fábio Wanderley - É preciso forçar um pouco a barra para colocar
as coisas nesses termos. O Lula fez
um investimento institucional
durante mais de duas décadas na
construção de um partido. É algo
que o diferencia dos populismos e
coisas assemelhadas.
Talvez na cabeça do Olívio Dutra tenha estado algo desse tipo.
Como existe a ideologia original
do PT de um protagonismo social, o fato de que a população
possa esperar benesses, mesmo
do Lula, que é o líder do partido
dele, aparece como algo que produz má consciência. No fundo,
não é bom [para os petistas] que
se tenha que fazer paternalismo,
mesmo que o pai seja um Lula.
Texto Anterior: Outro lado: Pefelista afirma que desconhecia grampo telefônico Próximo Texto: Frase Índice
|