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São Paulo, sexta-feira, 07 de fevereiro de 2003

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OPERAÇÃO SOCIAL

O cientista político Fábio Wanderley Reis diz que petistas expressaram "má consciência" no lançamento do projeto

Analista vê mal-estar petista com Fome Zero

RAFAEL CARIELLO
DA REPORTAGEM LOCAL

O cientista político Fábio Wanderley Reis, professor da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), viu como uma expressão de "má consciência petista" as declarações do governador Wellington Dias (PT-PI) e de Olívio Dutra, ministro das Cidades, durante o lançamento do programa Fome Zero em Acauã (PI).
Dias convocou a população local, na última terça-feira, a fazer um juramento contra a pobreza. O governador propôs que o objetivo das pessoas ali presentes fosse poder dizer: "Eu não preciso mais desse Cartão-Alimentação porque agora tenho uma renda fruto do meu trabalho".
Olívio conclamou os beneficiados a fiscalizarem o programa, e disse: "O povo brasileiro não quer mais ser objeto da política de meia dúzia de poderosos".
Para Fábio Wanderley, as manifestações expressam a má consciência de integrantes de um partido, originalmente "revolucionário" e que propunha o protagonismo das classes populares, em terem que realizar "assistencialismo". Ele afirma que o paternalismo é necessário em um país como o Brasil. Diz ainda que está perplexo com a dificuldade de se encontrar uma alternativa para a atual política econômica.
"Estamos todos perplexos e o PT também. Espero que o PT tenha criatividade, inventividade, para dar resposta ao desafio que está posto à frente."
 

Folha - As declarações de Olívio Dutra e Wellington Dias anteontem no Piauí expressam um mal-estar com o programa Fome Zero?
Fábio Wanderley Reis -
Isso na verdade é mera expressão de uma má consciência petista. Um partido que em princípio é um partido revolucionário, nasceu com uma ideologia de protagonismo das classes populares, e que de repente tem que fazer assistencialismo, como obviamente estão fazendo. E ainda bem que estão fazendo.
Esse discurso é um pouco a compensação disso. Na verdade tem um ar até um pouco tolo, especialmente a maneira como o Wellington Dias coloca a coisa. Faz sentido como expressão dessa má consciência e como esperança de que em algum momento seja possível que a população não tenha que depender de mero assistencialismo.

Folha - O sr. diz que o assistencialismo é necessário?
Fábio Wanderley -
Sem dúvida. É uma tolice pretender que, especialmente em um país com o grau de desigualdade que nós temos, não haja paternalismo por parte do Estado. Tem que haver sim. A social-democracia, para não falar no socialismo, significou um Estado que tratou de atender aos necessitados. Há um suposto solidário que leva o Estado a agir de maneira a compensar desigualdades.
É uma bobagem, especialmente num país como o nosso, imaginar que a gente vai poder prescindir desse paternalismo. É claro, se bastasse o paternalismo seria lamentável. Se tivéssemos que ter eternamente esse grau de desigualdade e políticas que trouxessem, em caráter emergencial, o pão para os que estão morrendo de fome, seria muito ruim.
O grande desafio para o PT é, além de fazer o paternalismo, que sim tem que ser feito, conseguir a forma de conseguir desenvolvimento. E um desenvolvimento de tipo incorporador. Esse desafio é muito complicado. Se a gente olha a história do Brasil no último século, o país teve um enorme desenvolvimento e o resultado é essa sociedade desigual em que a gente está vivendo. Desenvolvimento por si só não basta.

Folha - O PT já apresentou até o momento alguma maneira de sair dessa encalacrada?
Fábio Wanderley -
Que eu visse, não. Estamos todos perplexos e o PT também. Espero que o PT tenha criatividade, inventividade, para dar resposta ao desafio que está posto à frente. Especialmente agora, com a globalização, com uma dinâmica que é claramente excludente, mesmo nos países de capitalismo avançado.
O problema é como se inserir nessa dinâmica, o que é inevitável. Acho um pouco desfrutável a crítica, apesar de fatal, do lado da esquerda do partido ao [ministro da Fazenda Antonio] Palocci [Filho] nas circunstâncias em que estamos vivendo, precisamente pela dificuldade de encontrar alternativas. É preciso se inserir adequadamente na dinâmica econômico-financeira do plano transnacional. O desafio é como fazê-lo de maneira incorporadora, e não excludente.

Folha - A política macroeconômica conservadora do Palocci, por si só, não permitirá essa superação?
Fábio Wanderley -
Claramente, não. Estou falando da longa experiência de desenvolvimento que resulta em exclusão... E agora, com as feições que a economia capitalista assume, está muito claro que ela tem uma feição que é excludente, socialmente perversa.

Folha - Tendo sido o presidente Lula eleito com a promessa de mudança, essa política vai ser pressionada, vai ter que ser mudada?
Fábio Wanderley -
Isso está muito claro. O desafio do PT é muito complicado especialmente por isso. Por um lado, não têm como deixar de serem realistas -festejo que sejam-, mas por outro lado, não têm como deixar de atender à expectativa que criam do ponto de vista social, e de serem condenados ao começo de uma política mais efetiva nessa direção.

Folha - Dá para dizer que a mudança é inevitável?
Fábio Wanderley -
O desafio é como, arrumada a casa -tendo feito a política que convencionalmente surge como adequada aos olhos dos investidores internacionais-, como associar a isso uma política promotora de incorporação social. É muito complicado. Está todo mundo perplexo. Não vejo resposta criativa para isso no PT, assim como não a vi no governo Fernando Henrique. Até aqui, não percebo nenhuma indicação muito clara de que o PT saiba qual é a resposta para esse nó.

Folha - Isso que aconteceu no Piauí tem alguma relação com o que o sociólogo José de Souza Martins chamou de reavivamento do sebastianismo, de um messianismo vinculado ao Lula?
Fábio Wanderley -
É preciso forçar um pouco a barra para colocar as coisas nesses termos. O Lula fez um investimento institucional durante mais de duas décadas na construção de um partido. É algo que o diferencia dos populismos e coisas assemelhadas.
Talvez na cabeça do Olívio Dutra tenha estado algo desse tipo. Como existe a ideologia original do PT de um protagonismo social, o fato de que a população possa esperar benesses, mesmo do Lula, que é o líder do partido dele, aparece como algo que produz má consciência. No fundo, não é bom [para os petistas] que se tenha que fazer paternalismo, mesmo que o pai seja um Lula.


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