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O REI DE MURICI
De vendedor de chinelos a senador, Renan eleva patrimônio em AL
"Clã dos Calheiros" prospera com entrada na vida política
CATIA SEABRA
ENVIADA ESPECIAL A MURICI (AL)
Tábua de madeira sobre as pernas, "Mané Dentinho" talhava,
num quarto compartilhado, sandálias em restos de pneu para sobreviver na capital. Do secundário à universidade, Renan Calheiros (PMDB-AL) morou "de favor" na casa do amigo Manoel
Luiz Pinheiro, em Maceió. Mas,
vivendo da atividade política, dos
anos 80 para cá, consolidou um
confortável patrimônio financeiro e eleitoral. À sua órbita, a família Calheiros construiu um império. E hoje, a caminho da presidência do Senado Federal, Renan
é o filho ilustre da cidade natal, o
rei de Murici.
Em Maceió, Renan é dono de
um apartamento na região mais
valorizada da cidade, a Ponta Verde, de frente para o mar. Com 240
metros quadrados de área privativa, tem quatro quartos -duas
suítes- e duas salas de estar.
Consultadas, duas imobiliárias, a
Marisia e a Manoel Santana, avaliam em R$ 600 mil o preço dos
apartamentos do edifício Tartana,
cerca de R$ 2.600 por metro quadrado. No Primeiro Registro Geral de Imóveis de Maceió, o valor
declarado no contrato, de março
de 1998, é de R$ 130 mil.
No ano passado, o senador
comprou uma casa com localização privilegiada -de frente para
os recifes- no badalado balneário de Barra de São Miguel (35
quilômetros ao sul de Maceió).
Num terreno de 1.302 metros
quadrados, a casa tem duas suítes,
dois quartos, piscina e garagem
para automóveis e para barco. Incluindo varanda, a área coberta é
de 701 metros quadrados. Também segundo os corretores, apenas o terreno valeria cerca de R$
250 mil. Pelos registros, a casa
custou, em fevereiro, R$ 300 mil.
Herança
Na cidade de Murici, Renan assumiu o controle da fazenda Santa Rosa (conhecida como Tapado), que, numa cidade castigada
pela falta de água, tem um açude
de um hectare e 625 braças ao redor da sede, com um jardim constantemente irrigado. O campo de
futebol da propriedade é iluminado por holofotes. É preciso percorrer 16 quilômetros, ladeados
por propriedades do deputado federal Olavo Calheiros Filho
(PMDB-AL), para chegar até lá.
Em 1996, o patriarca Olavo Calheiros Novaes deixou aos oito filhos a propriedade, comprada
originalmente com 712 hectares.
Segundo Dimário Cavalcante Calheiros -primo legítimo e irmão
adotivo de Renan-, seu legado
foi de 1.300 hectares. Dimário administrava a fazenda até o ano
passado, quando, por motivos
políticos, rompeu com Renan.
Ainda no nome do pai, a propriedade está com 2.060 hectares.
À frente da Prefeitura de Murici
há oito anos, desde a morte do
"major Olavo", os Calheiros têm
engordado sensivelmente seu domínio rural. Só nos limites de Murici, Olavinho -como é conhecido- e sua mulher, Ana Weruska,
detêm dez propriedades. Antiga
usina de açúcar, a Boa Vista foi
avaliada, como garantia de financiamento, por R$ 4.094.390,00.
Empréstimo
No dia 23 de fevereiro de 2003,
obteve empréstimo de R$ 5,9 milhões com dois agentes públicos,
o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e o BNB (Banco do Nordeste
do Brasil), para seu projeto empresarial, a Conny Indústria e Comércio de Sucos e Refrigerantes,
montada em um terreno doado
pela Prefeitura de Murici.
Outro irmão de Renan, Remi
Calheiros, que só deixou o campo
para ocupar por oito anos a Prefeitura de Murici, também possui
quatro pequenas propriedades
registradas na cidade.
No município vizinho de Flexeiras, Renan é dono do sítio Largo I,
com 117,32 hectares. Pela propriedade, ele pagou em maio de 2003
R$ 110 mil ao irmão de criação.
Para abrir mão de sua parte na fazenda Santa Rosa -pouco mais
de 80 hectares-, Dimário diz ter
recebido R$ 80 mil dos Calheiros.
Também na cidade de Flexeiras,
Ildefonso Antônio Tito Uchoa
Lopes -primo, afilhado político
e leal aliado de Renan- é proprietário de 718 hectares de terra.
Após receber um terreno da prefeitura, Ernani Torres de Oliveira,
primo de Tito, tem uma fábrica de
laticínios na cidade.
Vendendo chinelos
O status conquistado destoa da
origem do menino que, puxado
por Dimário, ia no lombo de calunga, seu pequenino cavalo, para
o jardim de infância. E do adolescente que trabalhava aos domingos -"dias de feira"- como balconista na venda do "Seu Mozar",
o domador de pássaros.
Para estudar em Maceió, Renan
vendia chinelos para driblar as dificuldades. "Só andávamos de carona. Aí, eu comprei uma moto e
levava Renan na garupa", conta o
ex-deputado Manoel Pinheiro,
que dividia seu quarto com Renan. "Ele aparecia de noite na república. Não tinha morada fixa.
Mas não vou ficar lembrando esses tempos de vaca magra", afirma José Ederaldo Carmo Oliveira,
contemporâneo de Renan nos
tempos de faculdade.
Presidente do PMDB que abrigou Renan, o ex-prefeito Djalma
Falcão lembra que as dificuldades
persistiam ainda depois de sua
primeira eleição para deputado
estadual, em 1978. Com o filho recém-nascido (Renan Calheiros
Filho, hoje com 24 anos), "ele morava numa casinha amarela, de
dois minúsculos quartos".
Comprando carros
Eleito deputado federal, afirma
Falcão, Renan morava em um
apartamento funcional em Brasília (202 Norte) e "comprava carros no setor de indústrias para
vender em Maceió".
Em 1990, depois de três mandatos de deputado, um baque. Derrotado para o governo do Estado,
Renan fica sem cargo eletivo. Em
Murici, a família também é derrotada na disputa de 1992. "Foi um
tempo difícil. A produção de cana
caiu e, como não era proibido, tivemos que vender madeira de lei
[a fazenda ocupa parte da mata
atlântica]", afirma Dimário.
Em 1994, Renan se elege senador e marcha, decidido, para a
terceira cadeira na hierarquia da
República. Em Murici, é a mãe,
Ivanilda, quem conserva a simplicidade do passado. Chinelo de
borracha, cozinha para filhos e
netos na casa da família, a 19 quilômetros da fazenda.
Há duas semanas, ela recebeu
Renan para a festa da cidade. Preparou seu prato preferido, o pato
ao molho pardo. De luto desde a
morte do marido, ela não vai à
posse do primogênito: "Não ando
de avião", diz, encabulada.
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