São Paulo, quarta-feira, 07 de março de 2001

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ELIO GASPARI

Uma boa notícia: Itamar no páreo

Enfim uma boa notícia. Itamar Franco é candidato a presidente da República e o Planalto sabe que correrá riscos se tentar escanteá-lo com os recursos que usou em 1998.
Vai bem a coisa. A sucessão de 2002 já tem cinco candidatos: Lula, Itamar e Ciro Gomes pela oposição. José Serra e Tasso Jereissati pelo governo. Salvo em 1994, quando a Presidência foi disputada por FFHH e Lula, nunca a disputa teve tamanha qualidade. (A eleição de 1998 não conta, porque nela um candidato qualificado cavalgou o embuste de populismo cambial.)
Não se pode querer que todo mundo ache os cinco candidatos bons, e é nisso que está a graça de uma eleição. É melhor conviver com a diversidade brasileira do que com a monotonia americana, na qual George Bush e Al Gore podiam ser diferentes, mas faziam uma força danada para evitar que o eleitorado percebesse.
É bom que Itamar seja candidato. Quem quiser achar que ele é um bom candidato pode fazê-lo, mas essa não é a parte relevante da questão. É bom que Itamar seja candidato para confrontar o tucanato com o custo e os riscos de seu cosmopolitismo provinciano. As leviandades cometidas durante o processo de privatização do patrimônio da Viúva levaram FFHH a viver assombrado pelo risco de uma CPI que, além de necessária, parece inevitável.
A qualificação do governador de Minas como candidato oposicionista depende de comprovação e a campanha eleitoral será a oportunidade adequada para isso. Até lá, Itamar merece passar por um processo de desmitificação. Ele é um caso raro de pessoa que fez a coisa certa e ficou com cara de quem faz tudo errado.
Exemplo: foi o único presidente da República (ao lado do marechal Castello Branco) com a coragem de abdicar de parte de suas prerrogativas em benefício da estabilidade da moeda. Quando Itamar entregou o Ministério da Fazenda ao professor Fernando Henrique Cardoso e a uma equipe de economistas que detestava, praticou um ato de coragem que faltou a todos os seus antecessores. Faltou também ao seu sucessor quando jogou o país num regime de populismo cambial e privataria inimputável para assegurar sua própria reeleição.
Brega, monoglota, primitivo e ressentido, Itamar Franco falaria em português com a rainha Elizabeth, mas não falaria em inglês com os empresários coreanos. Seria capaz (como foi) de nomeações desastradas, mas não carregaria pelo governo afora o conteúdo dos grampos do BNDES. Não mandaria o Exército proteger uma propriedade rural onde suas filhas fossem sócias.
Em compensação, aceitou duas embaixadas ridículas. Uma em Lisboa, onde não entendeu os costumes. Outra na OEA, em Washington, onde não entendia o idioma.
O seu governo teve a virtude de dar a milhões de brasileiros a sensação de que estavam mais habilitados que ele para exercer a Presidência. Quando nomeou o chanceler Fernando Henrique Cardoso para o Ministério da Fazenda, foi tido por doido por muitos deles, inclusive pelo próprio Cardoso. Já o atual governo tem a característica de se considerar uma dádiva dos céus (como o almirante Villegagnon) ou do mercado (como Maurício de Nassau).
Esse homem que fez tudo errado foi o único presidente brasileiro a oferecer um lugar no governo ao PT. Rebarbaram-no, mas Luiz Inácio Lula da Silva já se arrependeu publicamente disso. Foi ele quem teve a coragem de colocar um promissor político cearense no Ministério da Fazenda. Chamava-se Ciro Gomes. Tentou, mas não conseguiu, colocar José Serra no Ministério da Fazenda.
Itamar Franco conseguiu até eleger o seu sucessor. Numa prova de que tudo o que faz de certo deixa a impressão de ter sido o errado, essa é uma das coisas de que ele mais se arrepende na vida.


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