São Paulo, quarta-feira, 07 de março de 2001

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A MORTE DE COVAS

Governador deixa o Estado com as finanças em dia e dinheiro para investir, mas não cumpre as metas que ele próprio fixou no combate à violência das ruas e do sistema penitenciário

Herança inclui violência em alta e contas saneadas

SÍLVIA CORRÊA
DA REPORTAGEM LOCAL

Engenheiro de formação, Mário Covas administrou o Estado como um dedicado economista. Em uma gestão sem obras grandiosas, fez do ajuste das contas públicas a principal marca de seus pouco mais de seis anos de governo.
Perdeu no combate à violência urbana e certamente não entrará para a história como "o homem do metrô" -cuja extensão aumentou em apenas 5,7 km- ou do Rodoanel, um anel viário que deverá ligar as principais rodovias do Estado em torno da capital e que virou sua menina-dos-olhos, mas que, até agora, é só um viaduto, algumas alças de retorno e um enorme canteiro de obras.
"Aqui em São Paulo, privatiza-se tudo para pagar dívidas das administrações passadas, débitos do Maluf", disse Mário Covas, em abril de 1998, ao ser criticado por não utilizar o dinheiro das privatizações em investimentos sociais.

Recorde
O reflexo do ajuste apareceu no dia-a-dia. Os prometidos 87 km de metrô não existem, as enchentes continuam, os rios seguem poluídos e a segunda pista da Imigrantes permanece em obras.
Em contrapartida, foi Covas que investiu R$ 4,1 bilhões na rede de abastecimento e, em 1998, acabou com o rodízio de água. Na saúde, criou em 1996 o Qualis, programa de médicos de família que atende hoje 704 mil pessoas.
Na habitação, bateu recordes. Quando assumiu, a CDHU, criada em 1967, havia construído 166 mil moradias em toda a sua história. De lá para cá, 134.775 casas populares foram entregues: Covas fez em seis anos 82% do que havia sido feito em 28 anos.
Orgulho do governo, a CDHU foi também o palco de um de seus maiores escândalos, que levou ao afastamento de Goro Hama, fiel colaborador do governador.
Em janeiro de 2000, depois que a companhia teve mais de 130 contratos reprovados pelo Tribunal de Contas, Covas anunciou a demissão de Hama, presidente da CDHU, e da cúpula do órgão.
Mas o saneamento das finanças do Estado deve dar a seu sucessor condições de abocanhar o título de realizador -o Orçamento de 2001, por exemplo, prevê R$ 7 bilhões para investimentos.

Resultados
Covas deixa para Geraldo Alckmin, seu vice nas duas eleições e potencial candidato tucano à sucessão paulista, um Estado com dívidas renegociadas, previsão de um superávit primário de R$ 3 bilhões e um extenso cronograma de obras a entregar.
Em 1995, quando o tucano assumiu pela primeira vez o governo de São Paulo, o déficit era de 21,7% do Orçamento anual e não havia dinheiro para pagar as dívidas nem as obras iniciadas.
No total, o Estado devia R$ 67,9 bilhões (R$ 6,6 bilhões em contas vencidas da administração passada e R$ 61,3 bilhões em dívidas de longo prazo), pendências com a União, títulos no mercado e débitos com os bancos estaduais.
A dívida de longo prazo foi renegociada de 1996 a 1997. Na ocasião, chegava a R$ 89,7 bilhões. Hoje, é de R$ 84,2 bilhões.
Sem a negociação, segundo uma projeção da Secretaria da Fazenda, ela teria chegado a R$ 132,3 bilhões em 2000. Com ela, no ano passado, pela primeira vez desde o acordo, o governo pôde gastar mais com a saúde (R$ 3,4 bilhões) do que com o serviço da dívida de longo prazo (R$ 2,4 bilhões).
No tocante aos débitos de curto prazo, o déficit orçamentário de 21,7% (R$ 6,6 bilhões) em 1995 caiu a 2,9% (R$ 1 bilhão) em 1996.
Nos anos seguintes, o governo passou a gastar apenas o que arrecadava. Em 2000, sem incluir o serviço da dívida de longo prazo, as receitas superaram as despesas.
Do déficit ao superávit, o caminho foi longo. Fez-se à custa do que os tucanos chamaram de "economia de guerra": renegociação da dívida, financiada por um pacote de privatizações que rendeu R$ 23,4 bilhões, integralmente destinados a pagar débitos e a sanear empresas públicas; revisão de quase 5.000 contratos; extinção de órgãos; parcelamento dos salários; demissão de funcionários -mais de 30 mil só no primeiro ano de governo; suspensão dos investimentos-; paralisação de cerca de 300 obras e cortes de manutenção da máquina.
"Ou você coloca a casa em ordem ou não governa. E isso inclui frustrar as expectativas de quem o elegeu", disse, em julho de 1997.

Segurança
Candidato à reeleição, Covas prometeu reduzir à metade os índices de criminalidade, com a integração das polícias e o policiamento comunitário. Criou a ouvidoria para fiscalizar a ação policial e investiu em equipamentos.
Não adiantou. Covas deixou um policiamento comunitário embrionário, uma relutante integração operacional entre as corporações e altos índices de criminalidade. Os assassinatos na capital, por exemplo, passaram de 4.814 em 1998 para 5.418 em 1999 -por 10 mil habitantes, pularam de 4,86 para 5,45. Outros índices tiveram crescimento semelhante.
Outra promessa de campanha foi prejudicada: a de zerar o déficit de vagas no sistema penitenciário. A construção de 31 cadeias elevou de 24.620 para 49.052 o número de vagas, mas o déficit pulou de 6.270 para 11.203 -situação que culminou com a maior rebelião da história do sistema prisional do país, no mês passado.
A situação se repetiu na Febem. Rebeliões, superlotação e denúncias de tortura de menores levaram a Anistia Internacional a acusar uma "tolerância semi-oficial" com as recorrentes violações.


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