São Paulo, quinta-feira, 07 de março de 2002

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CELSO PINTO

O que pode reverter o otimismo

O mercado vinha, até agora, num ciclo de otimismo, empurrado por duas convicções e um fato. A primeira é que a oposição não vai ganhar a eleição presidencial. A segunda é que, mantida a política econômica, e sem um grande susto externo, os juros para o Brasil e no Brasil podem cair significativamente. Se isso for verdade, este é um bom momento para investir tanto em renda fixa quanto na Bolsa brasileira.
O fato é a abundância de liquidez internacional nos últimos meses. Ela levou a uma menor aversão ao risco e beneficiou o Brasil. Em janeiro, o Brasil foi escolhido -com a Rússia- como uma das duas melhores opções entre os emergentes, numa reunião, em Nova York, da EMTA, a associação internacional dos traders em países emergentes. No caso do Brasil, por combinar bons indicadores econômicos com prêmios de risco ainda muito altos.
Ainda é cedo para avaliar o quanto a crise com o PFL pode mudar o humor, mas isso só deverá acontecer se o mercado se convencer de que o episódio aumentará as chances de a oposição vencer (porque a oposição é vista, no mercado, como sinônimo de mudanças nas bases da política econômica). O desfecho da crise com o PFL pode levar à manutenção da candidatura Roseana Sarney ou à sua retirada. Saber quem ganha, nesses cenários, não é tarefa tão simples.
O candidato tucano, José Serra, ganha, se herdar a maioria dos votos de Roseana, o que algumas pesquisas colocam em dúvida. Mantida uma candidatura enfraquecida do PFL, por outro lado, Serra só lucra se, de fato, decolar. Caso contrário, embolam as chances de vários candidatos ao segundo turno.
Pode-se dizer que o mercado, de forma geral, aposta na vitória de Serra, com a adesão de Roseana ou sem ela, ajudado pela transferência da popularidade em alta do presidente, graças à retomada econômica. Soa muito otimista? Soa, mas a verdade é que, em ciclos de boa liquidez, muita gente no mercado gosta de argumentos que reforçam seu maior apetite por mais riscos e mais retornos.
A aposta na queda dos juros e do "risco Brasil" vem sendo recompensada. No final de fevereiro, o "risco Brasil" (medido pelo Embi) estava em 830 pontos básicos; hoje está em torno de 780. E muita gente aposta em quedas adicionais.
Dois exemplos. Paulo Leme, diretor da Goldman Sachs, em Nova York, acha que o prêmio de risco cobrado ao Brasil pode cair para 700 pontos até 2003. Somando essa queda com a queda de uns 200 pontos básicos na expectativa inflacionária, isso abriria espaço para um recuo dos juros dos 18,75% atuais para menos de 15,5%.
Outro exemplo: Jim Walker, economista-chefe do CLSA Emerging Markets, no Reino Unido, acha que a redução no "risco Brasil" pode ser ainda maior, de 200 a 300 pontos até o ano que vem, para menos de 600 pontos. Os juros internos poderiam cair ainda mais.
A percepção de ambos é que o Brasil, ao atravessar a crise argentina, no ano passado, com um excelente resultado fiscal, marcou um ponto com os investidores. De fato, a maioria dos bancos tem recomendado aos investidores ficarem comprados em Brasil acima dos limites da carteira teórica. O outro grande mercado na América Latina em situação razoável é o México, mas lá a sobrevalorização do peso aumenta o risco de desvalorização e elevação dos juros, ao contrário do Brasil.
Leme acha que ainda haverá turbulências em razão da Argentina, onde o risco de uma hiperinflação é muito alto. Mesmo com alguma volatilidade no segundo e terceiro trimestres, contudo, prevê que a direção será positiva, se o próximo presidente mantiver as atuais bases macroeconômicas.
Walker tem apostado forte no Brasil há algum tempo. A dívida pública é alta e isso embute um risco, admite. Mas, em parte, o temor em relação ao Brasil apenas reflete a transparência das estatísticas do país. Especialista em Ásia, ele lembra o caso da China, país admirado pelos investidores internacionais. O déficit público chinês é de apenas 2% do PIB e a dívida não supera 14% do PIB, mas o país não só não contabiliza as finanças regionais como subestima o tamanho de alguns buracos fiscais.
Nos cálculos de Walker, o número real do déficit chinês chega a 14% do PIB e o estoque da dívida, corretamente medido, está entre 50% e 75% do PIB. Ou seja, se a China fosse tão transparente quanto o Brasil nas suas contas, os investidores teriam muito mais razões para temer o futuro chinês.
O que pode mudar o otimismo? Um avanço da oposição na corrida presidencial. Uma desvalorização cambial mais forte, provocada por volatilidade política, resultados medíocres nas contas externas ou contágio de crises piores na Argentina. Neste caso, o câmbio afetaria a projeção inflacionária e dificultaria novas quedas nos juros. Na pior hipótese, o BC poderia ser obrigado a subir os juros. Na área externa, o Fed, banco central americano, pode começar a subir os juros mais cedo, em agosto, e isso afetar a liquidez. A economia mundial pode crescer menos do que o esperado.
Apostar num cenário sem ruídos é uma ousadia. Mas, para reverter o otimismo atual, a situação precisa complicar um bocado.

CPMF suspeita
Uma teoria conspiratória corre Brasília e já chegou à Receita Federal. Por trás do provável atraso na aprovação da prorrogação da CPMF não estaria apenas a indignação da bancada do PFL. Alguns atrasos já vieram antes. A suspeita é que haveria interessados na abertura de uma "janela" sem CPMF, que permitisse grandes transferências de recursos sem pagamento do imposto.
Para não haver "janelas", a CPMF teria que estar aprovada até 18 de março. O boicote do PFL torna essa tarefa quase impossível. Cada semana sem CPMF custará R$ 400 milhões em perda de receita. É o equivalente ao custo de um ano de isenção de CPMF nas Bolsas, tão duramente batalhada inclusive pela bancada do PFL.

E-mail:
CelPinto@uol.com.br


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