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ELIO GASPARI
As masmorras de Hartung aparecerão na ONU
O economista bem educado governa no ES um sistema prisional que envergonharia o soba do Uzbequistão
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NA PRÓXIMA segunda-feira, dia
15, o governador Paulo Hartung (PMDB-ES) tem um
encontro marcado com o infortúnio.
Depois de anos de negaças, o caso das
"masmorras capixabas" será discutido em Genebra, num painel paralelo
à reunião do Conselho de Direitos
Humanos das Nações Unidas. Hartung tem 52 anos, um diploma de
economista e a biografia de um novo
tipo de político. Esteve entre os reorganizadores do movimento estudantil no ocaso da ditadura. Filiou-se ao
PSDB, ocupou uma diretoria do
BNDES, elegeu-se deputado estadual, federal, e senador.
Na reunião de Genebra estará disponível um "dossiê sobre a situação
prisional do Espírito Santo". Tem
umas 30 páginas e oito fotografias
que ficarão cravadas na história da
administração de Hartung. Elas
mostram os corpos esquartejados de
três presos. Um, numa lata. Outro
em caixas e uma cabeça dentro de
um saco de plástico. Todos esses crimes ocorreram durante sua administração. Desde a denúncia da fervura de presos no Uzbequistão o
mundo não vê coisa parecida.
As "masmorras capixabas" são antigas, mas a denúncia teve que ser levada à ONU porque as organizações
de defesa dos direitos humanos não
conseguem providências do governo
do Espírito Santo, nem do comissariado de eventos de Nosso Guia. Sérgio Salomão Checaira, presidente do
Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, demitiu-se
em agosto do ano passado porque
não teve apoio do Ministério da Justiça para reverter o quadro das prisões de Hartung. Há um mês, uma
comitiva que visitava o presídio feminino de Tucum (630 presas numa
instituição onde há 150 vagas) foi
convidada a deixar o prédio. Se quisessem, poderiam conversar com as
prisioneiras pelas janelas.
O Espírito Santo tem 7.000 presos
espalhados em 26 cadeias, com uma
superlotação de 1.800 pessoas. Há
detentos guardados em contêineres
sem banheiro (equipamento apelidado de "micro-ondas"). Celas projetadas para 36 presos são ocupadas
por 235 desgraçados. Alguns deles ficam algemados pelos pés em salas e
corredores.
Os governantes tendem a achar
que os problemas vêm de seus antecessores, que as soluções demoram e
que, em certos casos, não há o que fazer. Esquecem-se que têm biografias.
O relatório com fotos dos esquartejados está no seguinte endereço:
http://www.estadao.com.br/especiais/
2009/11/crimesnobrasil_if_es.pdf
Aviso: é barra muito, muito pesada.
A TEORIA NEGREIRA DO DEM SAIU DO ARMÁRIO
O senador Demóstenes Torres
(DEM-GO) é uma espécie de líder parlamentar da oposição às cotas para estimular a entrada de negros nas universidades públicas. O principal argumento
contra essa iniciativa contesta sua legalidade, e o caso está no Supremo Tribunal Federal, onde realizaram-se audiências públicas destinadas a enriquecer o debate.
Na quarta-feira o senador Demóstenes foi ao STF, argumentou contra as
cotas e disse o seguinte:
"[Fala-se que] as negras foram estupradas no Brasil. [Fala-se que] a miscigenação deu-se no Brasil pelo estupro.
Gilberto Freyre, que hoje é renegado,
mostra que isso se deu de forma muito
mais consensual".
O senador precisa definir o que vem a
ser "forma muito mais consensual" numa relação sexual entre um homem e
uma mulher que, pela lei, podia ser
açoitada, vendida e até mesmo separada dos filhos.
Gilberto Freyre escreveu o seguinte:
"Não há escravidão sem depravação
sexual. É da essência mesma do regime".
"O que a negra da senzala fez foi facilitar a depravação com a sua docilidade de
escrava: abrindo as pernas ao primeiro
desejo do sinhô-moço. Desejo, não: ordem."
"Não eram as negras que iam esfregar-se pelas pernas dos adolescentes
louros: estes é que no sul dos Estados
Unidos, como nos engenhos de cana do
Brasil, os filhos dos senhores, criavam-se desde pequenos para garanhões. (...)
Imagine-se um país com os meninos
armados de faca de ponta! Pois foi assim o Brasil do tempo da escravidão."
Demóstenes Torres disse mais:
"Todos nós sabemos que a África
subsaariana forneceu escravos para o
mundo antigo, para o mundo islâmico,
para a Europa e para a América. Lamentavelmente. Não deveriam ter chegado aqui na condição de escravos. Mas
chegaram. (...) Até o princípio do século
20, o escravo era o principal item de exportação da economia africana".
Nós, quem, cara-pálida? Ao longo
de três séculos, algo entre 9 milhões e
12 milhões de africanos foram tirados
de suas terras e trazidos para a América. O tráfico negreiro foi um empreendimento das metrópoles europeias e de suas colônias americanas.
Se a instituição fosse africana, os filhos brasileiros dos escravos seriam
trabalhadores livres.
No início do século 20 os escravos
não eram o principal "item de exportação da economia africana". Àquela
altura o tráfico tornara-se economicamente irrelevante. Ademais, não
existia "economia africana", pois o
continente fora partilhado pelas potências europeias. Demóstenes Torres estudou história com o professor
de contabilidade de seu ex-correligionário José Roberto Arruda.
O senador exibiu um pedaço do nível intelectual mobilizado no combate às cotas.
ACEITA OU DESCE
Na banda do alto tucanato inquieta com o silêncio de José
Serra em relação à sua candidatura, admite-se a possibilidade
de ele vir a ser confrontado com
um ultimato público.
Se o governador quiser disputar, tudo bem. Se não quiser, precisa avisar, porque o PSDB poderá ser surpreendido pelo desinteresse de Aécio Neves de substituir o mestre-sala numa escola
de samba atravessada.
INTERVENTOR
O nome do controlador-geral
da União, Jorge Hage, passou a
ser uma hipótese para o lugar de
interventor federal em Brasília,
encarregado de limpar a metástase de suas instituições.
FALA, ARRUDA
Na cadeia, José Roberto Arruda deu-se conta de que as ameaças feitas aos seus comparsas
não tiveram efeito. Ele sabe que
sua carreira política acabou. A
biografia pública oferece-lhe
dois caminhos: o silêncio, acompanhado pelo vilipêndio, inclusive por coisas que não fez sozinho, ou a abertura do arquivo de
sua memória. Só assim terá a "alma lavada".
ELEFANTE VOADOR
Em política, elefante voa. Mesmo assim, é mais fácil elefante
voar do que o senador Tasso Jereissati vir a aceitar a Vice-Presidência na chapa de José Serra.
OS PATOS
Karl Rove, o principal conselheiro de George Bush, escreveu
um livro de memórias e contou
que seu chefe não teria invadido
o Iraque se soubesse que lá não
havia armas de destruição em
massa. Essa conta acabará no colo dos jornalistas que escreviam
a respeito do arsenal de Saddam
Hussein.
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