São Paulo, segunda, 7 de abril de 1997.

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TRABALHO INFANTIL
700 menores de 18 anos cavam a terra em busca de cassiterita no garimpo do Bom Futuro, em RO
Mineradora permite exploração de crianças

MARIO CESAR CARVALHO
enviado especial a Ariquemes (RO)

Vistos de longe, cobertos de lama, parecem animais na toca. Ao se aproximar, vê-se que são crianças, de até 6 anos, cavando a terra em busca de cassiterita no garimpo do Bom Futuro, em Rondônia.
Não é um garimpo qualquer. A jazida é explorada pela Ebesa (Empresa Brasileira de Estanho S.A.), 2¦ maior produtora desse metal no país, do grupo Paranapanema.
Ali, trabalham cerca de 300 crianças com menos de 14 anos e outras 400 de até 18 anos, segundo Evandro Afonso Mesquita, 28, coordenador da Comissão de Combate ao Trabalho Infantil.
A lei permite que só maiores de 18 anos trabalhem em jazidas por causa do perigo.
``Isso aqui é um campo de genocídio, é o garimpo em piores condições do Brasil'', diz Antonio do Amaral, 48, presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Extrativas de Rondônia.
Um diretor da Ebesa diz que a mineradora não tem como coibir o trabalho infantil e reconhece que as condições são ``sub-humanas''.

Abundância e miséria
Bom Futuro é a segunda maior jazida de cassiterita do Brasil. Neste ano, deve produzir 14.400 toneladas de cassiterita.
A cassiterita é uma matéria-prima estratégica -é com ela que se faz estanho, usado para fazer solda para produtos eletrônicos.
Em 1987, os garimpeiros começaram a chegar ao Bom Futuro, distante 280 km de Porto Velho.
No começo desta década, chegou a ter 25 mil habitantes -hoje são 3 mil. Em 1991, a Ebesa ganhou o direito de lavra sobre a jazida.
Uma decisão judicial garantiu que os garimpeiros continuassem na região -cooperativas vendem a cassiterita para a Ebesa.
``Bom Futuro é uma experiência única. Tentamos conciliar a atividade de uma grande empresa com a dos garimpeiros'', diz Renato Muzzolon, 42, geólogo da Ebesa.
O resultado social da experiência é catastrófico, segundo Mesquita. A maioria dos garimpeiros ganha R$ 400, R$ 500 ao mês, mas acaba gastando quase tudo para sobreviver. Do arroz à cerveja, tudo custa o dobro, ao menos, por lá.
A miséria faz com que os pais coloquem as crianças para garimpar. A cassiterita ocorre em filões em meio à terra. Depois que escavadeiras cortam os barrancos, a crianças entram com picaretas atrás dos filões. O quilo do minério é vendido a atravessadores por R$ 1,20 o quilo -um terço do preço de um quilo de estanho fundido.
Vilcemar Francisco Pinto, 14, faz isso há quatro anos. Ganha R$ 400, R$ 500 por mês. ``Trabalhar é melhor do que estudar. Tudo que eu quero comprar, eu compro'', diz ele, que saiu da escola na 3¦ série.
Artur Lima, 6, aprende o ofício com o pai, carregando sacos de 5 kg na cabeça. ``Gosto de brincar de carrinho e de trabalhar'', conta.
Mortes
De vez em quando cai um barranco. Em 1994, 19 pessoas morreram, para a Ebesa. O sindicato diz ter contado 42 mortos, entre eles uma criança de 6 e outra de 4 anos.
Pior que barrancos são os poços, de até 23 metros, ligados por galerias que já somam 2 km. São ilegais, seguem operando e desabam.
Amaral diz que a Ebesa é conivente com a exploração de crianças porque não precisa contratar mais funcionários. ``Ela tem 200 empregados e precisaria ter uns 800. Criança barateia tudo'', diz.
Centenas de multas do Ministério do Trabalho, uma intervenção da Polícia Federal e duas do Ministério Público não foram suficientes para mudar Bom Futuro.
Mesquita vê duas saídas para o garimpo: ou a Ebesa contrata os garimpeiros, e veta crianças, ou o governo intervém no local.

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