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REFORMA EM DEBATE
Para Raul Velloso, desequilíbrio vem de benefícios assistenciais, cujos valores deveriam ser reduzidos
INSS não tem déficit, afirma economista
CLÁUDIA TREVISAN
EDITORA-ADJUNTA DE BRASIL
RAFAEL CARIELLO
DA REPORTAGEM LOCAL
Apesar de ausente da reforma
da Previdência, o pagamento de
aposentadorias e pensões aos trabalhadores do setor privado abocanha uma parcela cada vez
maior da estrutura de gastos da
União, ao mesmo tempo em que
encolhe o percentual destinado a
custeio e investimentos.
O economista Raul Velloso, especialista em contas públicas,
afirma que esse movimento reflete a opção por um Estado assistencialista, que teria sido realizada pela Constituição de 88. Segundo ele, essa escolha fica clara
nos dados sobre a despesa não-financeira da União: entre 1987 e
2001, saltou de 18,8% para 36,5% a
parcela destinada ao INSS. No
mesmo período, o percentual relativo a custeio e investimentos
caiu de 50,7% para 17,4%.
Na origem da expansão dos gastos do INSS, estão os benefícios
sociais concedidos a partir da
Constituição, como a aposentadoria rural e a elevação do piso
das aposentadorias para um salário mínimo. Na opinião de Velloso, esses benefícios não têm caráter previdenciário, mas assistencial, e deveriam ser excluídos das
contas da Previdência.
Velloso vai além e propõe a redução no número desses benefícios e o consequente aumento de
investimentos em educação e infra-estrutura. "O cobertor é curto", afirma o economista, que foi
secretário para Assuntos Econômicos do Ministério do Planejamento de 1985 a 1991.
A seguir, os principais trechos
da entrevista de Velloso à Folha:
Folha - Afinal, existe ou não déficit no INSS?
Raul Velloso - Nós temos de separar o que é Assistência Social do
que é Previdência. Se eu mantenho os dois misturados a impressão que dá é que nós temos um
grande déficit previdenciário no
Brasil, no INSS, e isso é mentira.
Se separar, eu vou poder adotar
soluções que são específicas para
problemas de Assistência Social,
que não são os mesmos problemas de Previdência.
Folha - Então não há déficit?
Velloso - Não tem, por quê? Pensa comigo. Primeiro porque a
gente cobra, praticamente, a
maior contribuição previdenciária do mundo, de 30%. É a segunda, pelos dados do Banco Mundial. Se extraio 30% da folha de
pagamento do setor formal, significa que estou tirando receita para
esse sistema em um grande volume. Só se nosso setor formal fosse
minúsculo eu estaria com a receita pequena, e não é o caso. Ele é
pequeno, mas não é minúsculo.
Em segundo lugar, a população
do Brasil é relativamente jovem.
Então, como é que há um rombo
na Previdência? Se eu tenho muita
receita e menos procura por benefício eu não deveria ter déficit.
Mas os números do INSS mostram déficits elevados e crescentes. Tem alguma coisa errada.
Folha - E de onde vem o desequilíbrio?
Velloso - O desequilíbrio não é
da Previdência, porque há a mistura de benefícios assistenciais
com os benefícios previdenciários, que na Europa ninguém faz,
nem nos Estados Unidos. Lá eles
separam Previdência Social de
Assistência Social.
Folha - Qual é a diferença?
Velloso - Na Previdência, o beneficiário contribui e na assistência,
não. A assistência é uma obrigação do Estado de dar às camadas
menos favorecidas da população
aquilo que elas não conseguem
acumular, que é uma aposentadoria mínima. Por que eu digo que é
complicado misturar? Porque você fica falando só em déficit e,
eventualmente, adota uma solução para a Previdência e acha que
resolveu o problema todo. Aí, de
repente, no mês seguinte vem a
notícia de que o déficit da Previdência aumentou. Que diabo é esse? Você não tinha resolvido?
Folha - Mas separar a assistência
também não resolve a questão fiscal, não é?
Velloso - Não, mas resolve...
Folha - Ou seja, vamos saber que
o déficit é com a assistência e não
da Previdência, mas ele vai continuar a existindo.
Velloso - Sim, mas aí não é desequilíbrio, porque eu não tenho receita específica para isso. Se não
tenho contribuição, não posso falar em déficit. Não tem sentido
você falar em déficit, porque déficit é a diferença entre contribuição e benefício. Se é uma obrigação do Estado, o que importa é saber se eu tenho recursos orçamentários para isso ou não.
Folha - E tem?
Velloso - Aí a questão não se coloca em termos de déficit, mas em
saber o seguinte: é muito grande
essa despesa comparada com o
total? Qual é o peso dela? Isso mudou nos últimos anos? Eu não tenho dados de 87 completos [desagregados], mas presumo, pelos
indícios que eu tenho, que os gastos assistenciais passaram de uns
5%, 6% do total a 20% do total da
despesa. Esse é o item que mais
cresceu na pauta. Você me pergunta: mas por que você desconfiou, foi atrás e viu isso? Porque a
Constituição mandou fazer isso.
Ela mandou ampliar o alcance
das aposentadorias rurais, que
antes não alcançavam todo mundo. Então, da noite para o dia aumentou. A Constituição disse ainda que nenhum benefício poderia
ser menor do que um salário mínimo. Antes, havia benefícios de
meio salário mínimo.
A Constituição criou vários programas novos e universalizou o
atendimento médico.
Mas se fizeram isso, não deveriam ter criado fontes de receita?
Deveriam e criaram. Carimbaram
as contribuições sociais que, depois, foram engrossadas pela
CPMF [Contribuição Provisória
sobre Movimentação Financeira].
O problema é que erraram na dose, porque criaram tantas fontes,
que acabaram abocanhando quase todo o Orçamento.
Esqueceram de verificar que o
cobertor é curto. Por mais que eu
espremesse os investimentos, o
pessoal ativo, eu ia ter outras despesas subindo, como a Previdência dos servidores. Como o Orçamento é um só, não adianta carimbar porque o governo vai lá e
encontra um jeito de tirar de onde
sobra e botar onde falta.
Folha - Qual a opção que se fez na
Constituição de 88 em relação à
função do Estado brasileiro?
Velloso - É a Assistência Social.
Você fez essa opção na Constituição e foi mais longe. Você criou
até receitas, além do que você poderia, razoavelmente, fazer.
Folha - Em detrimento do quê?
Velloso - Infra-estrutura, pessoal e
Previdência dos servidores. Mas,
só que, ao mesmo tempo, a mesma Constituição abriu o janelão
do Regime Jurídico Único, que
permitiu que pulasse gente do
INSS para o regime do servidor,
que paga aposentadoria integral.
Então, ele aumentou outro item
sem dar a fonte. O que o ministério está fazendo aqui? Pega parte
da receita que iria destinar à Assistência Social e paga os servidores aposentados. As pessoas que
dizem que não há déficit na Seguridade Social se esquecem que há
o pessoal ativo, há outros gastos,
há investimentos, está certo?
Quando soma tudo isso, não dá.
Folha - Mas em um país tão desigual como Brasil, essa opção pela
Assistência Social não é legítima?
Velloso - Não, pelo seguinte:
porque tem setor na miséria e a
falta de cidadania. Acho que tem
de ser equilibrado, que você tem
de fazer assistência e tem de investir também naquilo que vai tirar a pessoa da assistência. Estou
mais preocupado em como é que
eu tiro o sujeito da folha de assistência lá na frente.
Eu tenho que cuidar das crianças, tenho que cuidar dos adultos,
alfabetizar, dar a ele condições de
cidadania, entendeu? Esse é um
ponto crucial. Em vez de eu pegar
todo o meu dinheiro, esperar o
sujeito ficar inútil e bancá-lo, eu
vou botar um pouco no inútil-
desculpe a expressão inútil, você
entende o que eu estou querendo
dizer- e, no entanto, evitar que
surjam novos inúteis, senão eu
vou perpetuar a miséria e a desgraça sempre. É ou não é?
Folha - Esse investimento em Assistência Social não teve impacto
sobre os números de pobreza?
Velloso - Teve pelo seguinte: porque na hora que você dá um aumento, na hora que você amplia
as medidas de pobreza, os indicadores melhoram, claro. Na hora
que eu passo a pagar um salário
mínimo para as pessoas que ganhavam menos de um salário mínimo, melhorei, não melhorei?
Mas perpetuei ali, ele não vai sair
do salário mínimo nunca mais.
Folha - O sr. defende o aumento
de investimentos em outras áreas?
Velloso - A escolha é dura porque não estou escolhendo só entre assistência e educação. Eu
também tenho de fazer infra-estrutura, porque é difícil você entrar em áreas que exigem investimentos maciços e nas quais não
há um ambiente regulatório amigável. Veja se um sujeito que investe em distribuição de energia
elétrica no mundo se disporia hoje a vir para o Brasil. Nunca mais
vai vir ninguém. Achar que o setor privado vai ocupar todos os
setores de infra-estrutura é um
sonho de uma noite de verão.
Folha - Ou seja, a sociedade brasileira tem de fazer uma opção?
Velloso - Isso, essa opção não
pode ser só Assistência Social.
Um país tão carente de educação,
saúde e infra-estrutura não se pode dar ao luxo de concentrar recursos em Assistência Social.
Folha - Com o sr. diz que o cobertor é curto, seria necessário então
cortar esses gastos assistenciais?
Velloso - Isso é o correto, é necessário tirar da Assistência Social
e dar mais para a educação e infra-estrutura. Mas antes de fazer
isso, que é difícil politicamente, eu
tentaria melhorar a eficácia desse
gasto, para atender as mesmas
pessoas com menos dinheiro.
Folha - O gasto que o sr. considera assistencial corresponde a 20%
da despesa. Que percentual seria
razoável em sua opinião?
Velloso - Não sei, só sei que é menos. O razoável é que os outros
itens subam, logo esse tem que
cair, porque é o que mais subiu.
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