UOL

São Paulo, segunda-feira, 07 de julho de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Previdência Social redistribui renda, diz secretário

DA REDAÇÃO

Helmut Schwarzer, secretário de Previdência Social do governo federal, diz que fica "arrepiado" quando alguém classifica o Estado brasileiro de "assistencialista". Em sua opinião, o modelo criado pela Constituição de 88 é de redistribuição de renda.
Apesar de discordar em quase tudo do economista Raul Velloso (veja entrevista acima), Schwarzer reconhece que os benefícios criados pela Constituição de 88 são os principais responsáveis pelo crescente déficit do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).
Para o secretário, a aposentadoria rural não tem caráter assistencialista, mas previdenciário, por estar relacionada à trajetória de vida e de trabalho de quem vai recebê-la. Schwarzer sustenta que todos os sistemas previdenciários públicos do mundo têm um objetivo redistributivo.
A seguir, os principais trechos da entrevista do secretário:
(CLÁUDIA TREVISAN)

Folha - O sr. concorda com a tese, defendida pelo economista Raul Velloso, de que devem ser excluídos das contas do INSS benefícios que teriam característica assistencial, como aposentadoria rural?
Helmut Schwarzer -
Em primeiro lugar, os benefícios assistenciais nos termos da legislação, que são os benefícios da Loas [Lei Orgânica da Assistência Social], eles nem aparecem nas contas da Previdência, porque são benefícios que têm contrapartida automática do Tesouro Nacional.
O segundo ponto diz respeito à Previdência rural. O que ocorre é uma diferença conceitual entre o dr. Raul Velloso -e outras pessoas que têm a mesma posição- e nós. Nós entendemos que Previdência rural é Previdência sim e não Assistência Social. Embora não exista uma contribuição individual monetária do trabalhador em regime de economia familiar na área rural, esse segurado contribui com 2,2% do valor da produção comercializada. Então, a rigor, existe uma contribuição.
Além disso, os benefícios que os trabalhadores rurais recebem são consequência da sua trajetória de vida e de trabalho. Não é resultado de uma situação na qual a pessoa precise de Assistência Social. Conceitualmente, Assistência Social é quando você não tem mais meios para conseguir se sustentar, quando está abaixo de determinada linha da pobreza e não tem mais renda nem patrimônio.

Folha - Outro ponto que Velloso considera assistencial, ou melhor, como benefício subsidiado, são as contribuições urbanas equivalentes a um salário mínimo, porque não teriam contribuições correspondentes ao benefício.
Schwarzer -
É um benefício subsidiado, mas não assistencial. Internacionalmente, na evolução dos sistemas de Previdência Social, as sociedades se decidiram -e essa não é uma particularidade do Brasil- a incorporar no sistema de Previdência Social elementos de distribuição de renda.
Internacionalmente, sistemas públicos de Previdência têm esse objetivo.

Folha - O sr. fez um estudo sobre o impacto da aposentadoria rural na redução da pobreza, não?
Schwarzer -
Sim, junto com Guilherme Delgado e outros técnicos do Ipea [Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada], fizemos vários estudos, principalmente nesse viés, que é o combate à pobreza e a criação de uma rede de proteção social que não seja dependente de uma relação de favor, de esmola que o trabalhador rural tenha em relação a alguém. É um benefício que recebe em função de sua trajetória profissional e lhe dá auto-estima, orgulho. Não rebaixa a uma condição de cidadão de segunda categoria.
O impacto da aposentadoria rural é extremamente favorável em termos de redução da pobreza e da indigência na área rural.

Folha - Mas, quando se olha para a estrutura de despesa não-financeira da União, vê-se que os benefícios do INSS têm hoje um peso bem maior ao que tinham antes da Constituição de 88. Eram 18,8% da despesa em 1987 e em 2001 eram 36,5% do total. Por isso, Raul Velloso sustenta que o perfil de Estado que se adotou em 88 é o de um Estado assistencialista.
Schwarzer -
Não, é equivocado. É um Estado redistributivista, um Estado que redistribui renda, e isso não necessariamente é assistencialista. A redistribuição de renda é um pressuposto para que se tenha economia de mercado com estabilidade social.

Folha - Mas o argumento de que o Orçamento da Seguridade é superdimensionado não é razoável?
Schwarzer -
Acho que são duas coisas diferentes. É claro que temos de manter um controle macroeconômico, tanto é que estamos propondo a reforma da Previdência do funcionalismo público, que não está vinculada à Seguridade Social, nos termos da Constituição brasileira.
Agora, eu entendo que os gastos redistributivos por meio da Previdência Social e do SUS [Sistema Único de Saúde] são extremamente importantes para que possamos manter a estabilidade social. Essa rede de proteção social é importante para o país.

Folha - Para alguns economistas, esses benefícios estão superdimensionados e deveriam ser reduzidos. Schwarzer - O que precisamos fazer é melhorar os controles para evitar abusos, fraudes e malversação dos recursos. Mas no caso da Previdência rural, que estudei, o grau de equívoco é muito baixo. São muito poucos os agricultores que, a rigor, não deveriam estar recebendo os benefícios.

Folha - O governo propôs a reforma da Previdência do setor público, mas não há nada no texto que ataque o desequilíbrio do INSS. E a LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) estima uma trajetória explosiva do déficit do INSS, que passaria de R$ 34,63 bilhões em 2004 para R$ 147,8 bilhões em 2022. Não há o risco de continuar o descontrole?
Schwarzer -
Nós entendemos que a maior parte do desequilíbrio do INSS é devida aos elementos redistributivos que estão embutidos no sistema. A Previdência rural foi responsável por R$ 15 bilhões dos R$ 17 bilhões de déficit que o INSS teve no ano passado.
Há uma série de elementos de redistribuição de renda que, a rigor, precisam ser financiados com recursos tributários e não com recursos de contribuição.
Isso por uma lado explica, mas não justifica o desequilíbrio. Não nos sentimos confortáveis com o desequilíbrio do INSS. Porque existe um impacto macroeconômico e sobre as contas fiscais.
Por outro lado, o desequilíbrio tem sua contrapartida social muito positiva. A trajetória dos últimos meses do desequilíbrio do INSS foi causada pela evolução mais recente do mercado de trabalho. Nós tivemos uma queda da massa salarial nos últimos 12 meses. Se tivermos crescimento forte e alta na formalização da mão-de-obra vamos corrigir a projeção.


Texto Anterior: Frase
Próximo Texto: Frase
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.