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ENTREVISTA DA 2ª
Ex-dono de oito empresas de ônibus culpa a prefeitura e peruas ilegais
Transporte de São Paulo está "falido", afirma empresário
Adriana Elias/Folha Imagem
|
Baltazar José de Souza, que vendeu suas empresas de ônibus em São Paulo para pagar dívidas |
DA REPORTAGEM LOCAL
Todas as empresas de ônibus de
São Paulo estão falidas. Os empresários deveriam estar presos por
não pagar o que devem ao governo. Metade das lotações de São
Paulo são roubadas.
As afirmações são do empresário Baltazar José de Souza, que até
março tinha oito empresas de
transporte coletivo em São Paulo
e manda em 32 companhias no
resto do país.
Segundo ele, o Ministério Público deveria pedir a punição de Luiza Erundina (PSB), Paulo Maluf
(PPB) e Celso Pitta (PTN), os últimos prefeitos de São Paulo, por
lesarem os cofres públicos com
apoio a perueiros e a donos de
ônibus clandestinos.
A prefeitura desistiu de levar
adiante a licitação de R$ 15 bilhões que definiria os donos do
transporte coletivo da cidade.
Se ela fosse concluída, Baltazar
acredita que os manda-chuvas
atuais do transporte coletivo ficariam com as linhas. Ele já comandou um exército de 61 empresas
de Norte a Sul do Brasil. Tinha
12% da frota de São Paulo, com
1.360 ônibus e 8.500 funcionários.
Baltazar vendeu suas empresas
localizadas em São Paulo e afirma
que não quer mais operar na capital. Acha que só dá prejuízo.
(FELIPE PATURY)
Folha - Por que o senhor vendeu
suas empresas de ônibus de São
Paulo?
Baltazar José de Souza - Para ver
se recupero as outras que tenho
no resto do país. Não tinha mais
condições de operar aqui. Se não
vendesse, quebrava. Tinha 1.360
ônibus, 12% da frota da cidade, as
melhores garagens e vendi tudo
por 30% do que valia.
Folha - Por quanto?
Baltazar - Não defini um valor.
Troquei por um terreno em Belo
Horizonte. Assumi os débitos
com o governo e fiquei com o crédito com a SPTrans, que é muito
alto. Passei as empresas com o patrimônio e só um pouquinho de
dívida.
Folha - A SPTrans lhe deve?
Baltazar - Desde que a Erundina
viu que ia perder a política, parou
de pagar as empresas de ônibus.
Ficamos quase seis meses sem receber. Quando entrou o Maluf
(93), ele baixou a tarifa e não pagou os atrasados. Só passava o suficiente para pagar os empregados. As dívidas começaram aí.
Folha - Outros empresários também enfrentaram dificuldades?
Baltazar - O sistema todo está falido. Se alguém me desse uma empresa em troca do pagamento das
dívidas dela, eu não aceitaria.
Folha - De quem é a culpa?
Baltazar - Primeiro, a Erundina
aceitou os ônibus piratas. Transportávamos 150, 160 milhões de
passageiros. Esse número caiu para 125 milhões. Depois, com as
Kombi, que continuaram com
Maluf e o Pitta, a arrecadação do
sistema caiu mais. Hoje, ele só
transporta 90 milhões.
Folha - Os empresários não têm
culpa?
Baltazar - O empresário, que recebia por quilômetro e não por
passageiro, descuidou-se. Eu dizia nas nossas reuniões: "Nosso
mercado é o passageiro". Antes, a
prefeitura subsidiava. Depois, não
pagou mais. A SPTrans deve mais
de R$ 800 milhões só para minhas
empresas. Isso está na Justiça. Um
dia vou receber.
Folha - A quanto chegam suas dívidas?
Baltazar - Estou discutindo, mas
já entrei no Refis (programa federal de refinanciamento de dívidas). Mesmo assim, tive um problema sério há poucos dias. Recebi uma ordem de prisão contra
meu filho por causa de dívidas
com o INSS. Paguei uma parte e
consegui com o juiz que revogasse a prisão do meu filho.
Folha - Ele foi preso?
Baltazar - Não. Fugiu e conseguiu revogar a prisão propondo
pagar o débito parcelado.
Folha - Onde ele estava?
Baltazar - Não vou dizer.
Folha - Se estava foragido, como
conseguiu resolver o problema?
Baltazar - O advogado explicou
tudo enquanto o ofício descia para a polícia. Ele, maior de idade,
inteligente, com cartão de crédito,
sumiu até que eu conseguisse reverter a situação. Fui a Brasília,
procurei o INSS e vários políticos
amigos meus, como o Júlio Campos (ex-senador) e o senador (José Roberto) Arruda (PSDB-DF).
Expliquei que não tinha como pagar porque não recebia da Prefeitura de São Paulo.
Folha - Nas suas contas, a prefeitura lhe deve R$ 800 milhões?
Baltazar - Para oito empresas.
Entre elas, Viação Isaura, São Camilo, Santo Estevam, São Bento,
Transleste e Campo Limpo.
Folha - Quanto devem essas empresas?
Baltazar - Em impostos, R$ 150
milhões. Mas estou reduzindo os
juros, que ninguém dá conta de
pagar. E a multa, que é uma coisa
de louco. Vai cair para R$ 60 milhões.
Folha - Esse cálculo é seu ou do
governo?
Baltazar - É a conta do governo.
Na minha conta, não passa de R$
30 milhões.
Folha - Quantas empresas o senhor tem?
Baltazar - Trinta e duas, mas já
cheguei a ter 61. Todas de ônibus.
Folha - E quantas estão com as
contas em dia?
Baltazar - Quarenta por cento.
Folha - Quais empresas de São
Paulo estão sadias?
Baltazar - Só o grupo Urubupungá, porque tem uma empresa
intermunicipal. O empresário
que diz que sua empresa é sadia é
mentiroso. Elas não valem a dívida com o INSS.
Folha - Os grandes grupos, como
Constantino, Belarmino e Ruas, estão quebrados?
Baltazar - Dentro de São Paulo,
todas as empresas estão falidas.
Quem disser o contrário está
mentindo.
Folha - Alguma das empresas paga INSS e FGTS?
Baltazar - Se tiver alguém em dia
é só o Urubupungá. Todos os
grandes grupos devem. Se não
existisse o Refis, os empresários
que devem imposto não caberiam
na cadeia.
Folha - Algum empresário de ônibus ficaria de fora dessa cadeia?
Baltazar - No município de São
Paulo, ia todo mundo preso.
Folha - Alguém deve Imposto de
Renda?
Baltazar - Não, porque não tem
lucro.
Folha - Então, com a Receita Federal ninguém tem problema?
Baltazar - Eu tenho. Um ex-secretário da Receita (Osiris Lopes
Filho) procurou 200 empresários
para quebrar. Fui um deles. Cheguei a ter 36 auditores fiscais nas
minhas empresas para me quebrar. Eles fizeram R$ 20 milhões,
R$ 30 milhões de multa para empresa que não valia isso somando
carro, garagem e o fundo do comércio. Um absurdo.
Folha - O senhor está acompanhando a licitação de linhas de ônibus estimada em R$ 15 bilhões que
está em curso?
Baltazar - Estou, mas não vou
entrar. Tenho dó de quem vai entrar. Não tem sistema que sobreviva com ônibus e van misturados
no mesmo setor. Mesmo que me
dessem de graça a concorrência,
as garagens e os carros, eu não entrava. Vou entrar é na concorrência do fura-fila.
Folha - Por que o fura-fila?
Baltazar - Porque é um corredor
sem concorrência paralela. Qualquer prefeito que entrar, seja do
PT, seja do partido do Pitta, do
Maluf, não vai deixar uma obra
daquela parada.
Folha - Alguns técnicos dizem
que a licitação dos ônibus é concentradora.
Baltazar - Os empresários que já
estão aí vão ganhar. Estamos num
país sem lei. O Estado agora está
criando um microônibus para rodar no meio dos ônibus. É uma
palhaçada. Em vez de colocar os
ônibus articulados, com ar-condicionado, estão voltando a 60
anos atrás.
Folha - O senhor acha que o governo vai sofrer um novo calote dos
empresários de ônibus?
Baltazar - É que não dá para pagar. O empresário não tem condição. O sistema tem de pegar 150
milhões de passageiros por mês
para sobreviver. Se puxar isso, é
viável e a prefeitura não tem de
botar dinheiro nenhum. Se não
alcançar esse número, alguém
tem de pagar a diferença. A prefeitura paga ou o empresário perde.
Folha - Isso já funcionou?
Baltazar - Queira ou não, a Erundina foi muito correta na concorrência dela. Agora, tem que ter
um prefeito com peito para dizer:
nesse setor quero só van e nesse
aqui só ônibus. Ou continua essa
bagunça, queimando ônibus,
queimando Kombi.
Folha - Falta peito ao Pitta?
Baltazar - Falta. Faltou ao Pitta,
ao Maluf e à Erundina. É falta de
coragem. Quantas vezes falei para
o Maluf que não dá para viver?
Folha - Seus colegas do Transurb
(sindicato das empresas) entraram
na nova concorrência.
Baltazar - Mas, se eu tivesse lacrado as minhas empresas quando o Maluf entrou (93), seria um
homem rico. Não devia a ninguém. Mas perdi 90% do patrimônio. Devo a governo e a banco.
Vou pagar. Tem banco que confia
em mim. Boavista, Safra e BMC.
Os bancos têm-se comportado,
segurado.
Folha - E por que não fechou suas
empresas?
Baltazar - É difícil. Tem muito
empresário em São Paulo que sabe que está quebrado, mas não
consegue fechar.
Folha - O senhor já ouviu algum
empresário de ônibus dizendo que
queria sair do setor?
Baltazar - Todo mundo está
querendo sair, só que não tem
condição. No dia do pagamento
da folha, o empresário fica chorando porque não tem dinheiro
para pagar os empregados.
Folha - Quem pode fechar empresa agora?
Baltazar - Nenhum dos empresários de São Paulo tem condições. Uns sonham que vai melhorar. Eu também sonhei no período do Maluf e do Pitta. Tenho 10%
do patrimônio que tinha.
Folha - Os ônibus não podem conviver com as lotações?
Baltazar - Numa linha, ou anda
ônibus ou Kombi. Os dois não dá.
As Kombi não têm de respeitar
horário, não pagam imposto nem
multa. (Perueiro) rouba carro e
ninguém fiscaliza. O carro acaba e
ele não faz revisão. Rouba outro.
Temos imposto e horário. Temos
de carregar velhos, policiais.
Folha - Como é isso?
Baltazar - Não tem como fiscalizar as Kombi. Metade delas no
Brasil é roubada três, quatro vezes. Metade das que estão rodando em São Paulo é roubada. O cara rouba a Kombi do outro já preparado. Fala para o outro: "Rouba
a minha Kombi, que vou receber
do seguro". O governo não toma
providência. Se ele fizesse uma
análise de quanto perde por ano,
acabava com o seguro no outro
dia. O dinheiro dava para alimentar esses pobres todos que estão
passando fome.
Folha - Por que se deixa os perueiros atuarem, então?
Baltazar - É tudo clandestino.
Um promotor público que tivesse
senso de responsabilidade mandaria prender o prefeito. Quando
o prefeito permite Kombi clandestinas, ele está tirando receita
do próprio sistema. O sistema vive de uma planilha. A receita não
é nossa, é da prefeitura. A diferença da arrecadação é paga pela prefeitura. Se não transportarmos os
passageiros, a prefeitura tem de
pagar assim mesmo. Então, o que
é que falta? O promotor mandar
prender o prefeito para tomar
providência.
Folha - As Kombi quebraram suas
empresas?
Baltazar - Não, quem me quebrou foi a prefeitura que não
cumpriu o contrato. Quem me
quebrou primeiro foi a Erundina,
depois o Maluf e depois o Pitta.
Folha - O senhor tem mágoa?
Baltazar - Não. Não adianta. O
que fico com raiva é de o cara não
cumprir o que estava no contrato.
Tinha que ter uma lei dizendo que
um prefeito que sai ainda é responsável pelo ato dele. O cara faz
qualquer porcaria e não acontece
nada com ele.
Folha - Alguém já lhe pediu propina?
Baltazar - Nunca, a não ser em
época de campanha. Aí, é normal.
Fora disso, eu nunca dei propina
para ninguém.
Folha - Quem foi que o senhor
ajudou?
Baltazar - Você ajuda o partido
e, aí, não sabe para quem vai o dinheiro. Normalmente, o empresário ajuda o partido.
E qual partido o senhor já ajudou?
Baltazar - Não vou dizer. Mas
nós procuramos ajudar todos os
partidos que nos procuram.
Folha - Mas o senhor ouviu falar
de um esquema de propina envolvendo empresários de ônibus?
Baltazar - Nunca ouvi e não ouvi
pelo seguinte: eu gosto do negócio
correto. Prefeito nenhum me pediu dinheiro.
Folha - O senhor já escolheu candidato?
Baltazar - Não. Empresário de
ônibus não pode ser político porque depende do poder público.
Folha - Os empresários de ônibus
apóiam algum candidato?
Baltazar - Não. Não faz diferença
quem vai ficar com o poder concedente, desde que seja sério. Sério não quer dizer que não é ladrão, mas que é sério para o sistema.
Folha - Quem é sério?
Baltazar - Tiro o chapéu para o
Jânio Quadros.
Folha - Em quem o senhor votou
na última eleição?
Baltazar - No Fernando Henrique.
Folha - E prefeito e governador?
Baltazar - Mário Covas e Celso
Pitta.
Folha - Só vota em quem ganha?
Baltazar - Votei certo. Do Pitta,
sou amigo. Ele fazia o que o Maluf
mandava. Ele ganhou a prefeitura
e, nos dois primeiros anos, Maluf
deixou todo mundo dele. Então, o
prefeito não trabalhou. Depois,
veio o problema dos vereadores.
Ele não teve espaço.
Folha - E as denúncias da ex-primeira-dama Nicéa Pitta de que os
empresários pagavam propina?
Baltazar - Foi um desabafo. Alguém prejudicado usou ela. E um
dos prejudicados foi a Globo, que
perdeu R$ 20 milhões com a
transmissão de um jogo no horário nobre. Pegou a fraqueza da
mulher dele e fez essa sacanagem.
Folha - É possível ser empresário
de ônibus e ganhar dinheiro?
Baltazar - Onde existe lei, o sistema e o prefeito são sérios, é possível. O negócio é bom.
Folha - Onde?
Baltazar Manaus, que já foi um
lugar acabado, hoje é sério. Goiânia já foi sério, mas hoje as Kombi
estão invadindo. Belo Horizonte
tinha um transporte bom, mas,
daqui a um ano ou dois, vai estar
igual a São Paulo.
Folha - O senhor saiu para dever
menos?
Baltazar - Não, saí porque perdia
R$ 4 milhões por mês. Ia quebrar.
Minhas outras empresas não
aguentavam mais. Quero cumprir meus compromissos. Não
vou dar prejuízo a ninguém. Vou
pagar todo mundo a quem devo e
sair com a cabeça em pé.
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