São Paulo, segunda-feira, 07 de agosto de 2000


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ENTREVISTA DA 2ª
Ex-dono de oito empresas de ônibus culpa a prefeitura e peruas ilegais
Transporte de São Paulo está "falido", afirma empresário

Adriana Elias/Folha Imagem
Baltazar José de Souza, que vendeu suas empresas de ônibus em São Paulo para pagar dívidas


DA REPORTAGEM LOCAL

Todas as empresas de ônibus de São Paulo estão falidas. Os empresários deveriam estar presos por não pagar o que devem ao governo. Metade das lotações de São Paulo são roubadas.
As afirmações são do empresário Baltazar José de Souza, que até março tinha oito empresas de transporte coletivo em São Paulo e manda em 32 companhias no resto do país.
Segundo ele, o Ministério Público deveria pedir a punição de Luiza Erundina (PSB), Paulo Maluf (PPB) e Celso Pitta (PTN), os últimos prefeitos de São Paulo, por lesarem os cofres públicos com apoio a perueiros e a donos de ônibus clandestinos.
A prefeitura desistiu de levar adiante a licitação de R$ 15 bilhões que definiria os donos do transporte coletivo da cidade.
Se ela fosse concluída, Baltazar acredita que os manda-chuvas atuais do transporte coletivo ficariam com as linhas. Ele já comandou um exército de 61 empresas de Norte a Sul do Brasil. Tinha 12% da frota de São Paulo, com 1.360 ônibus e 8.500 funcionários.
Baltazar vendeu suas empresas localizadas em São Paulo e afirma que não quer mais operar na capital. Acha que só dá prejuízo.
(FELIPE PATURY)

Folha - Por que o senhor vendeu suas empresas de ônibus de São Paulo?
Baltazar José de Souza -
Para ver se recupero as outras que tenho no resto do país. Não tinha mais condições de operar aqui. Se não vendesse, quebrava. Tinha 1.360 ônibus, 12% da frota da cidade, as melhores garagens e vendi tudo por 30% do que valia.

Folha - Por quanto?
Baltazar -
Não defini um valor. Troquei por um terreno em Belo Horizonte. Assumi os débitos com o governo e fiquei com o crédito com a SPTrans, que é muito alto. Passei as empresas com o patrimônio e só um pouquinho de dívida.

Folha - A SPTrans lhe deve?
Baltazar -
Desde que a Erundina viu que ia perder a política, parou de pagar as empresas de ônibus. Ficamos quase seis meses sem receber. Quando entrou o Maluf (93), ele baixou a tarifa e não pagou os atrasados. Só passava o suficiente para pagar os empregados. As dívidas começaram aí.

Folha - Outros empresários também enfrentaram dificuldades?
Baltazar -
O sistema todo está falido. Se alguém me desse uma empresa em troca do pagamento das dívidas dela, eu não aceitaria.

Folha - De quem é a culpa?
Baltazar -
Primeiro, a Erundina aceitou os ônibus piratas. Transportávamos 150, 160 milhões de passageiros. Esse número caiu para 125 milhões. Depois, com as Kombi, que continuaram com Maluf e o Pitta, a arrecadação do sistema caiu mais. Hoje, ele só transporta 90 milhões.

Folha - Os empresários não têm culpa?
Baltazar -
O empresário, que recebia por quilômetro e não por passageiro, descuidou-se. Eu dizia nas nossas reuniões: "Nosso mercado é o passageiro". Antes, a prefeitura subsidiava. Depois, não pagou mais. A SPTrans deve mais de R$ 800 milhões só para minhas empresas. Isso está na Justiça. Um dia vou receber.

Folha - A quanto chegam suas dívidas?
Baltazar -
Estou discutindo, mas já entrei no Refis (programa federal de refinanciamento de dívidas). Mesmo assim, tive um problema sério há poucos dias. Recebi uma ordem de prisão contra meu filho por causa de dívidas com o INSS. Paguei uma parte e consegui com o juiz que revogasse a prisão do meu filho.

Folha - Ele foi preso?
Baltazar -
Não. Fugiu e conseguiu revogar a prisão propondo pagar o débito parcelado.

Folha - Onde ele estava?
Baltazar -
Não vou dizer.

Folha - Se estava foragido, como conseguiu resolver o problema?
Baltazar -
O advogado explicou tudo enquanto o ofício descia para a polícia. Ele, maior de idade, inteligente, com cartão de crédito, sumiu até que eu conseguisse reverter a situação. Fui a Brasília, procurei o INSS e vários políticos amigos meus, como o Júlio Campos (ex-senador) e o senador (José Roberto) Arruda (PSDB-DF). Expliquei que não tinha como pagar porque não recebia da Prefeitura de São Paulo.

Folha - Nas suas contas, a prefeitura lhe deve R$ 800 milhões?
Baltazar -
Para oito empresas. Entre elas, Viação Isaura, São Camilo, Santo Estevam, São Bento, Transleste e Campo Limpo.

Folha - Quanto devem essas empresas?
Baltazar -
Em impostos, R$ 150 milhões. Mas estou reduzindo os juros, que ninguém dá conta de pagar. E a multa, que é uma coisa de louco. Vai cair para R$ 60 milhões.

Folha - Esse cálculo é seu ou do governo?
Baltazar -
É a conta do governo. Na minha conta, não passa de R$ 30 milhões.

Folha - Quantas empresas o senhor tem?
Baltazar -
Trinta e duas, mas já cheguei a ter 61. Todas de ônibus.

Folha - E quantas estão com as contas em dia?
Baltazar -
Quarenta por cento.

Folha - Quais empresas de São Paulo estão sadias?
Baltazar -
Só o grupo Urubupungá, porque tem uma empresa intermunicipal. O empresário que diz que sua empresa é sadia é mentiroso. Elas não valem a dívida com o INSS.

Folha - Os grandes grupos, como Constantino, Belarmino e Ruas, estão quebrados?
Baltazar -
Dentro de São Paulo, todas as empresas estão falidas. Quem disser o contrário está mentindo.

Folha - Alguma das empresas paga INSS e FGTS?
Baltazar -
Se tiver alguém em dia é só o Urubupungá. Todos os grandes grupos devem. Se não existisse o Refis, os empresários que devem imposto não caberiam na cadeia.

Folha - Algum empresário de ônibus ficaria de fora dessa cadeia?
Baltazar -
No município de São Paulo, ia todo mundo preso.

Folha - Alguém deve Imposto de Renda?
Baltazar -
Não, porque não tem lucro.

Folha - Então, com a Receita Federal ninguém tem problema?
Baltazar -
Eu tenho. Um ex-secretário da Receita (Osiris Lopes Filho) procurou 200 empresários para quebrar. Fui um deles. Cheguei a ter 36 auditores fiscais nas minhas empresas para me quebrar. Eles fizeram R$ 20 milhões, R$ 30 milhões de multa para empresa que não valia isso somando carro, garagem e o fundo do comércio. Um absurdo.

Folha - O senhor está acompanhando a licitação de linhas de ônibus estimada em R$ 15 bilhões que está em curso?
Baltazar -
Estou, mas não vou entrar. Tenho dó de quem vai entrar. Não tem sistema que sobreviva com ônibus e van misturados no mesmo setor. Mesmo que me dessem de graça a concorrência, as garagens e os carros, eu não entrava. Vou entrar é na concorrência do fura-fila.

Folha - Por que o fura-fila?
Baltazar -
Porque é um corredor sem concorrência paralela. Qualquer prefeito que entrar, seja do PT, seja do partido do Pitta, do Maluf, não vai deixar uma obra daquela parada.

Folha - Alguns técnicos dizem que a licitação dos ônibus é concentradora.
Baltazar -
Os empresários que já estão aí vão ganhar. Estamos num país sem lei. O Estado agora está criando um microônibus para rodar no meio dos ônibus. É uma palhaçada. Em vez de colocar os ônibus articulados, com ar-condicionado, estão voltando a 60 anos atrás.

Folha - O senhor acha que o governo vai sofrer um novo calote dos empresários de ônibus?
Baltazar -
É que não dá para pagar. O empresário não tem condição. O sistema tem de pegar 150 milhões de passageiros por mês para sobreviver. Se puxar isso, é viável e a prefeitura não tem de botar dinheiro nenhum. Se não alcançar esse número, alguém tem de pagar a diferença. A prefeitura paga ou o empresário perde.

Folha - Isso já funcionou?
Baltazar -
Queira ou não, a Erundina foi muito correta na concorrência dela. Agora, tem que ter um prefeito com peito para dizer: nesse setor quero só van e nesse aqui só ônibus. Ou continua essa bagunça, queimando ônibus, queimando Kombi.

Folha - Falta peito ao Pitta?
Baltazar -
Falta. Faltou ao Pitta, ao Maluf e à Erundina. É falta de coragem. Quantas vezes falei para o Maluf que não dá para viver?

Folha - Seus colegas do Transurb (sindicato das empresas) entraram na nova concorrência.
Baltazar -
Mas, se eu tivesse lacrado as minhas empresas quando o Maluf entrou (93), seria um homem rico. Não devia a ninguém. Mas perdi 90% do patrimônio. Devo a governo e a banco. Vou pagar. Tem banco que confia em mim. Boavista, Safra e BMC. Os bancos têm-se comportado, segurado.

Folha - E por que não fechou suas empresas?
Baltazar -
É difícil. Tem muito empresário em São Paulo que sabe que está quebrado, mas não consegue fechar.

Folha - O senhor já ouviu algum empresário de ônibus dizendo que queria sair do setor?
Baltazar -
Todo mundo está querendo sair, só que não tem condição. No dia do pagamento da folha, o empresário fica chorando porque não tem dinheiro para pagar os empregados.

Folha - Quem pode fechar empresa agora?
Baltazar -
Nenhum dos empresários de São Paulo tem condições. Uns sonham que vai melhorar. Eu também sonhei no período do Maluf e do Pitta. Tenho 10% do patrimônio que tinha.

Folha - Os ônibus não podem conviver com as lotações?
Baltazar -
Numa linha, ou anda ônibus ou Kombi. Os dois não dá. As Kombi não têm de respeitar horário, não pagam imposto nem multa. (Perueiro) rouba carro e ninguém fiscaliza. O carro acaba e ele não faz revisão. Rouba outro. Temos imposto e horário. Temos de carregar velhos, policiais.

Folha - Como é isso?
Baltazar -
Não tem como fiscalizar as Kombi. Metade delas no Brasil é roubada três, quatro vezes. Metade das que estão rodando em São Paulo é roubada. O cara rouba a Kombi do outro já preparado. Fala para o outro: "Rouba a minha Kombi, que vou receber do seguro". O governo não toma providência. Se ele fizesse uma análise de quanto perde por ano, acabava com o seguro no outro dia. O dinheiro dava para alimentar esses pobres todos que estão passando fome.

Folha - Por que se deixa os perueiros atuarem, então?
Baltazar -
É tudo clandestino. Um promotor público que tivesse senso de responsabilidade mandaria prender o prefeito. Quando o prefeito permite Kombi clandestinas, ele está tirando receita do próprio sistema. O sistema vive de uma planilha. A receita não é nossa, é da prefeitura. A diferença da arrecadação é paga pela prefeitura. Se não transportarmos os passageiros, a prefeitura tem de pagar assim mesmo. Então, o que é que falta? O promotor mandar prender o prefeito para tomar providência.

Folha - As Kombi quebraram suas empresas?
Baltazar -
Não, quem me quebrou foi a prefeitura que não cumpriu o contrato. Quem me quebrou primeiro foi a Erundina, depois o Maluf e depois o Pitta.

Folha - O senhor tem mágoa?
Baltazar -
Não. Não adianta. O que fico com raiva é de o cara não cumprir o que estava no contrato. Tinha que ter uma lei dizendo que um prefeito que sai ainda é responsável pelo ato dele. O cara faz qualquer porcaria e não acontece nada com ele.

Folha - Alguém já lhe pediu propina?
Baltazar -
Nunca, a não ser em época de campanha. Aí, é normal. Fora disso, eu nunca dei propina para ninguém.

Folha - Quem foi que o senhor ajudou?
Baltazar -
Você ajuda o partido e, aí, não sabe para quem vai o dinheiro. Normalmente, o empresário ajuda o partido.

E qual partido o senhor já ajudou?
Baltazar -
Não vou dizer. Mas nós procuramos ajudar todos os partidos que nos procuram.

Folha - Mas o senhor ouviu falar de um esquema de propina envolvendo empresários de ônibus?
Baltazar -
Nunca ouvi e não ouvi pelo seguinte: eu gosto do negócio correto. Prefeito nenhum me pediu dinheiro.

Folha - O senhor já escolheu candidato?
Baltazar -
Não. Empresário de ônibus não pode ser político porque depende do poder público.

Folha - Os empresários de ônibus apóiam algum candidato?
Baltazar -
Não. Não faz diferença quem vai ficar com o poder concedente, desde que seja sério. Sério não quer dizer que não é ladrão, mas que é sério para o sistema.

Folha - Quem é sério?
Baltazar -
Tiro o chapéu para o Jânio Quadros.

Folha - Em quem o senhor votou na última eleição?
Baltazar -
No Fernando Henrique.

Folha - E prefeito e governador?
Baltazar -
Mário Covas e Celso Pitta.

Folha - Só vota em quem ganha?
Baltazar -
Votei certo. Do Pitta, sou amigo. Ele fazia o que o Maluf mandava. Ele ganhou a prefeitura e, nos dois primeiros anos, Maluf deixou todo mundo dele. Então, o prefeito não trabalhou. Depois, veio o problema dos vereadores. Ele não teve espaço.

Folha - E as denúncias da ex-primeira-dama Nicéa Pitta de que os empresários pagavam propina?
Baltazar -
Foi um desabafo. Alguém prejudicado usou ela. E um dos prejudicados foi a Globo, que perdeu R$ 20 milhões com a transmissão de um jogo no horário nobre. Pegou a fraqueza da mulher dele e fez essa sacanagem.

Folha - É possível ser empresário de ônibus e ganhar dinheiro?
Baltazar -
Onde existe lei, o sistema e o prefeito são sérios, é possível. O negócio é bom.

Folha - Onde?
Baltazar
Manaus, que já foi um lugar acabado, hoje é sério. Goiânia já foi sério, mas hoje as Kombi estão invadindo. Belo Horizonte tinha um transporte bom, mas, daqui a um ano ou dois, vai estar igual a São Paulo.

Folha - O senhor saiu para dever menos?
Baltazar -
Não, saí porque perdia R$ 4 milhões por mês. Ia quebrar. Minhas outras empresas não aguentavam mais. Quero cumprir meus compromissos. Não vou dar prejuízo a ninguém. Vou pagar todo mundo a quem devo e sair com a cabeça em pé.


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