São Paulo, quinta-feira, 07 de agosto de 2008

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Defesa cobra da Justiça o diálogo da propina

Para advogados de Daniel Dantas e Humberto Braz, ausência de transcrição integral das conversas é razão para anular processo

Sob esse argumento, defesa orientou banqueiro a ficar calado hoje diante de juiz; tese sobre transcrição não tem consenso no Supremo


LILIAN CHRISTOFOLETTI
MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Os advogados do banqueiro Daniel Dantas e do ex-presidente da Brasil Telecom Humberto Braz, denunciados sob acusação de tentativa de suborno de um delegado da Polícia Federal, afirmam que a ausência da transcrição integral das conversas interceptadas é motivo para anular o processo.
Sob esse argumento, a defesa tem orientado os réus a se manterem em silêncio em interrogatório judicial. Ontem, Braz ficou calado diante do juiz federal Fausto Martin de Sanctis, da 6ª Vara Federal de São Paulo. Hoje, Dantas deve repetir a mesma estratégia.
A transcrição reclamada pela defesa é de dois encontros entre Braz e Hugo Chicaroni - também citado como emissário de Dantas- com os delegados da PF Protógenes Queiroz e Victor Hugo. No total, foram mais de nove horas de conversas em restaurantes -a ação policial foi autorizada pelo juiz.
No processo, o procurador da República Rodrigo de Grandis transcreveu os diálogos considerados mais importantes, que fundamentam a acusação.
Para a Procuradoria e a PF, a gravação ambiental deixa claro o oferecimento de US$ 1 milhão aos policiais para que Dantas e familiares fossem excluídos do inquérito. Preso, Chicaroni disse que agiu a mando de Dantas.
"A transcrição era importante porque a qualidade do áudio de interceptação ambiental é péssima. Não é possível identificar os interlocutores nem os diálogos relatados pela PF", afirma Renato de Moraes, advogado de Braz.
Nelio Machado, que tentou adiar o depoimento de Dantas, marcado para hoje, diz que "as fitas são inaudíveis". "A gravação é de péssima qualidade. Não dá para entender quase nada do que as pessoas falam. Fazer um interrogatório sem a transcrição é ilegal e cerceia o direito de defesa", diz o defensor, que cita a lei 9.296/96.
Segundo o artigo 6º, "no caso de a diligência possibilitar a gravação da comunicação interceptada, será determinada a sua transcrição".
"Vamos reiterar o pedido de transcrição. Se for indeferido de novo, vamos produzir um laudo particular", diz Moraes.
O advogado de Braz afirma que não houve suborno. Diz que seu cliente foi ao restaurante para falar com Chicaroni, "que lhe foi apresentado como alguém que prestava serviços à Abin [Agência Brasileira de Inteligência]". Queria contar que havia sido seguido por agentes. "Foi um flagrante preparado", uma "cilada", afirma.
O juiz De Sanctis, que indeferiu o pedido de adiar o depoimento de Dantas, informa no despacho que a legislação não determina a transcrição integral das interceptações. Afirma que os principais pontos dos diálogos gravados pela PF estão registrados na denúncia do procurador De De Grandis.

Sem consenso
O professor de direito penal da USP Antônio Scarance Fernandes diz que a transcrição das conversas no processo não precisa ser integral. "A interpretação mais aceita é a de que não precisa ter a transcrição total. Só se transcreve o que há interesse no processo."
Já o advogado e ex-juiz Luiz Flávio Gomes considera ilegal a ausência da reprodução. Para ele, a falta disso expõe a falta de estrutura da PF para tocar tantas operações. "A PF não tem gente para transcrever tudo o que ela intercepta".
Não há um consenso no Supremo Tribunal Federal. Em dezembro de 2007, o órgão anulou a condenação de um empresário porque a Justiça não permitiu que a defesa tivesse acesso à transcrição das conversas. Em junho do mesmo ano, o tribunal considerou legal uma denúncia contra um desembargador mesmo sem a transcrição dos diálogos.


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