São Paulo, segunda-feira, 07 de setembro de 2009

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40 anos após contato, suruís lutam para resgatar cultura

Em ritual, etnia indígena lembra 1º encontro com não índios em 7 de setembro de 1969

Segundo lideranças suruís, principal desafio do grupo é combater o envolvimento dos índios na venda ilegal de madeira da terra indígena

GABRIELA ROMEU
ENVIADA ESPECIAL A CACOAL (RO)

O indígena Ibabi Suruí, 65, era um jovem guerreiro quando fez o primeiro contato com não índios há exatos 40 anos. Após caminhar mais de dois dias na mata, encontrou os expedicionários da construção da BR-364 -de Cordeirópolis (SP) a Rodrigues Alves (AC). Ao retornar à aldeia, seu povo só acreditou na história de Ibabi ao sentir o cheiro diferente, de "homem branco", na pele dele.
"Pegaram no meu braço, deram facão", conta o suruí durante o ritual Toyetig-e, realizado para relembrar o contato.
"É uma reflexão de tristeza mesmo. O dia 7 de setembro foi a data em que o Brasil tomou independência e tirou autonomia do povo paiter [como os suruís se denominam]", afirma Almir Narayamoga Suruí, 35, líder de um dos quatro clãs da etnia. Ele segue a tradição de poligamia. É casado com duas mulheres e tem cinco filhos.
O ritual ocorreu na aldeia Lapetanha, a cerca de 50 km de Cacoal (RO), na terra indígena Sete de Setembro, que tem 248 mil hectares entre Rondônia e Mato Grosso. Depois de rodas de conversa, sessões de pintura corporal, ritual para tomar xixa (bebida fermentada feita da mandioca) e cantoria (os suruís são conhecidos como índios cantores), o evento termina hoje em um desfile em que Cacoal faz homenagem ao povo suruí.
O Toyetig-e (quer dizer contato, em tupi-mondé) começou com uma reunião de 20 líderes e caciques das 26 aldeias. A conversa foi antecedida por um banquete de macaco assado (seis guatás caçados na mata), animal que tem significado de "longa vida" para os índios.
Na conversa do grupo, somente algumas palavras em português quebravam a língua tupi-mondé "situação econômica", "estratégia", "carbono", "defender" e "meio ambiente".
Ontem, os suruís se reuniram no local onde aconteceu o primeiro contato. Em volta de um enorme toco de árvore, lembraram os guerreiros daquele tempo e outros personagens que fizeram parte dessa história, como os sertanistas Francisco e Apoena Meireles.
Logo após o contato, centenas de suruís foram vítimas de doenças como gripe, sarampo, tuberculose. Kadior Labni Suruí, 70, conta nos dedos a quantidade de parentes que perdeu: "Pode dizer que 40 membros da minha família [morreram]".
Durante o Toyetig-e, o fantasma da gripe que matou muitos indígenas voltou a rondar os suruís. Só na aldeia Lapetanha, dos 95 moradores, um terço apresentava os sintomas.
Na época do contato, os suruís disputavam território com outras etnias. Hoje, a luta é para resgatar os costumes do grupo, garantir sua sobrevivência econômica e preservar a terra.
O principal desafio, porém, é combater o envolvimento de parte dos suruís (cerca de 30%, segundo cálculo das lideranças) na venda ilegal de madeira.


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