São Paulo, domingo, 07 de outubro de 2001

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ELIO GASPARI

Novidade: Pedro Inácio da Silva


Surgiu um novo personagem na praça. Chama-se Pedro Inácio da Silva. É uma mistura de Pedro Malan com Lula. Ele apareceu em Paris, quando o candidato a presidente pelo PT disse que entendia a imposição, pelos europeus, de barreiras alfandegárias a produtos agrícolas brasileiros. Lula disse o seguinte:
"Eles estão corretos. Nós precisamos primeiro cumprir a nossa parte, para depois exigir alguma coisa. Temos que ter uma boa politica agrícola e investimento em tecnologia. É isso que vai nos dar competitividade".
Pedro Inácio incorporou dois raciocínios. Um faz parte da retórica da ekipekonômica: seja lá o que for que aconteça de ruim ao Brasil, isso deriva de algum dever de casa que se deixou de fazer. O outro é do acervo oposicionista: seja lá o que for, a culpa é do governo. Pena que Pedro Inácio tenha estreado dizendo tolices capazes de levar o ministro da Agricultura, Pratini de Moraes, a chamá-lo grosseiramente de "quinta-coluna".
O Brasil e Pedro Inácio podem fazer o que quiserem, e as barreiras tarifárias européias continuarão lá. Elas independem da qualidade do governo de Pindorama e das políticas que por cá se praticam.
Não há parte a cumprir, por exemplo, no caso do suco de laranja. A Comunidade Européia limita as exportações brasileiras a 1.500 toneladas anuais (equivalentes a 0,1% das exportações nacionais do produto). Até esse teto, cobram uma tarifa de 13%. Se os produtores brasileiros quiserem vender mais, a tarifa pode subir para até 25%.
O caso do açúcar é mais grotesco. No ano passado, o Brasil exportou 9,1 milhões de toneladas. Delas, só 24 mil entraram na Europa, pagando uma tarifa que ficou em 66,3%. Já as ex-colônias da União Européia têm tarifa zero e são brindadas com uma quota de 1,5 milhão de toneladas. Pela proposta de Pedro Inácio, só há uma solução. Devolve-se o Brasil a Portugal, proclama-se uma nova independência, adquire-se o estatuto de ex-colônia e muda-se de patamar.
Finalmente, Pedro Inácio pode conceber uma "boa política agrícola" com "investimento em tecnologia" para resolver o problema do palmito.
De cada dez latas de palmito compradas pela Comunidade Européia, nove vêm de Costa Rica, Equador e Brasil. Durante os últimos dez anos, as vendas nacionais caíram de 7,4 mil toneladas para apenas 480. As dos concorrentes sextuplicaram. O Equador vendia 494 toneladas e em 2000 vendeu 3,4 mil. Enquanto o palmito brasileiro paga uma tarifa de 10% para entrar no mercado europeu, os demais estão isentos de impostos de importação.
Essa malvadeza não decorreu de recomendações do FMI, neoliberalismo de FFHH ou má política de governo. Sejam quais forem os fatores que interferiram nas vendas brasileiras, os palmitos da Costa Rica e do Equador tornaram-se mais competitivos porque foram beneficiados por uma tarifa zero. A União Européia entendeu que o cultivo do palmito em suas matas desestimularia a produção de cocaína. É o que denominam "regime drogas". Como o Brasil não ameaça o mundo com o plantio de coca, seu palmito pagou a conta.
São muitas as peculiaridades da carreira política de Lula. Pode vir a ser o primeiro operário a chegar à Presidência. Pode também vir a ser o primeiro candidato a derrotar o processo de satanização a que são submetidos os políticos produzidos pelo andar de baixo. Nisso, é nacionalmente original, mas já aconteceram casos semelhantes em outros países. O que nunca se viu, em país algum, foi um candidato defendendo o protecionismo alheio.
Em tempo: Pedro Malan nunca fez coisa parecida.

Em ano eleitoral, o calote é parte do jogo

Famoso pelo que escreveu no campo da sociologia, FFHH tornou-se forte candidato ao Prêmio Nobel de Economia ou a rival de Santa Edwiges, a protetora dos endividados. Presidindo um país onde o Banco Central pratica, há mais de cinco anos, uma das taxas de juros mais altas do mundo, ele decidiu conceder base filosófica a quem não paga o que deve. Segundo informou, um empresário que não quita seus débitos "não pode ser condenado se houve alguma inadimplência". Mais: "A inadimplência faz parte do jogo".
Tudo bem, mas é o caso de perguntar: do jogo de quem? Quando Ciro Gomes disse que a dívida nacional deveria ser negociada, foi chamado de burro e irresponsável. Donde, quando a Viúva deve, pague-se até o último ceitil. Quando devem à Viúva, o jogo é outro. Segundo FFHH, o alto índice de mortalidade das pequenas empresas brasileiras deve-se a maus momentos da ousadia dos empreendedores. Como FFHH nunca dependeu de um balanço para encher a geladeira, talvez não tenha percebido que as empresas brasileiras morrem pelo mesmo motivo que as bananeiras no deserto: falta de água. Nenhum negócio legal pode sobreviver com os juros que a banca nacional cobra de suas vítimas.
A inadimplência não faz parte do jogo do capitalismo. Nesse jogo, infelizmente a palavra certa é falência. O jogo do qual a tolerância com o calote faz parte é outro. Chama-se jogo eleitoral.

O mistério da aliança FFHH-Collor

O embaixador Marcílio Marques Moreira, último ministro da Fazenda do governo Collor, acaba de colocar mais um ingrediente na charada dos dias em que o PSDB esteve perto de aderir ao collorato.
Em fevereiro de 1991, antes das denúncias que acabaram por tirá-lo da Presidência, Collor quis colocar tucanos no ministério. Chegou-se a redigir um documento intitulado "O PSDB e a Proposta de Governo".
Collor queria Tasso Jereissati no Ministério de Minas e Energia e Fernando Henrique Cardoso no Itamaraty. Pediu uma resposta em 24 horas. No carro, saindo do palácio, Tasso disse a FFHH: "Se você quer ir, vai, mas eu não vou". Pela narrativa de Tasso, FFHH disse que nesse caso também não iria.
Nesse mesmo dia, Covas vetou a adesão do PSDB ao governo. Até hoje, persiste uma dúvida: até que ponto FFHH queria ir para o governo?
Marcílio acaba de publicar um longo depoimento dado a Dora Rocha e Alexandra de Mello e Silva. Chama-se "Marcílio Marques Moreira - Diplomacia, Política e Finanças". Nele revela o estado da alma de FFHH antes do dia decisivo:
"Fernando Henrique parecia inclinado a aceitar, tanto que discutiu o documento, discutiu nomes para a Secretaria Geral".
A Secretaria Geral é o cargo mais importante do Itamaraty, depois do ministro.

Festa cambial
Um curioso deu-se ao trabalho de estimar o custo das intervenções do Banco Central no mercado de câmbio. Desde fevereiro, quando o dólar estava a R$ 2, a ekipekonômica vem usando o dinheiro da Viúva para tentar conter a sua alta. Apesar de tudo isso, a moeda americana está a R$ 2,70.
Entre fevereiro e agosto, o governo teve sua dívida em títulos cambiais aumentada em R$ 55 bilhões. Trata-se de um ervanário equivalente a tudo o que o doutor Everardo Maciel arrecadou no período com o Imposto de Renda, o Cofins e o Finsocial.
A perda resultante das intervenções no câmbio ficou em torno de R$ 13,5 bilhões. Bem mais que os R$ 9,7 bilhões arrecadados com a CPMF.
Boa parte do dinheiro perdido foi ganho por um pedaço da turma do andar de cima, aquela que investe em papéis de risco cambial. São cerca de 100 mil pessoas físicas e jurídicas.

BankBrazil
Fazia tempo que não aparecia em Brasília uma notícia tão surpreendente quanto o aparecimento da candidatura à Presidência (da República) do presidente (do BankBoston) Henrique Meirelles.
Tendo como um de seus principais cabos eleitorais o governador Joaquim Roriz, Meirelles era considerado o candidato ideal para uma velha e boa banda do PMDB. Com um candidato desses, perder eleição passa a ser coisa irrelevante.

A chapa do PFL
A chapa dos sonhos do PFL já está pronta. Tem o governador paulista, Geraldo Alckmin, na cabeça e a governadora maranhense, Roseana Sarney, na vice.
Ela depende apenas de uma decisão do Tribunal Superior Eleitoral declarando Alckmin inelegível para um próximo mandato em São Paulo.
Um dos maiores simpatizantes da candidatura de Alckmin é o senador Jorge Bornhausen. Homem frio e lógico, Bornhausen torce pela estrela do governador porque vê na sua trajetória uma dose descomunal de sorte.

Rumor mexicano
Má notícia para os intelectuais que saudaram a aliança da nova esquerda com a nova direita mexicana. Está difícil a situação do chanceler Jorge Castañeda no ministério do presidente Vicente Fox.
Castañeda, biógrafo de Che Guevara e autor de um dos melhores livros sobre a história da esquerda latino-americana ("A Utopia Desarmada"), desencantou-se com Fox e vice-versa.

Poesia

Júlia da Costa
(1844-1911)

A Imprensa Oficial do Paraná e a pesquisadora Zahidé Lupinacci Muzart resgataram a obra de Júlia da Costa, uma das primeiras mulheres a publicar livros de poesia no Brasil. Viveu em São Francisco do Sul (SC), casada com um homem poderoso, 29 anos mais velho, e apaixonada por um poeta indeciso, cinco anos mais jovem. Passou uma parte da vida vestida de branco e outra cheia de jóias, com os cabelos pintados, coisa impensável para uma dama da época. Foi uma mulher apaixonada e melancólica ("minha vida é triste, porém calma"). Depois de ter ido a todas as festas a que tinha direito, enviuvou e trancou-se por oito anos no casarão da família, de onde só saiu para o cemitério.
Júlia da Costa teve dois livros editados em vida. Em 1959, republicou-se uma parte de sua obra e, desde então, ficou mais ou menos esquecida. Adiante vão alguns trechos de seus poemas, quase sempre tristes, carregados por uma curiosa sensualidade:

Fantasia
Era no baile -eu sorria
Como a flor em solidão;
Tinha na fronte alegria,
Mas na mente escuridão
(...)
Ali no baile a alegria
Luzes, quimeras sem fim!
Mais longe, o mar soluçante
E um arcanjo entre mim!
(...)
O anjo calou as vozes
E eu sorrindo acordei
-A mariposa escondeu-se
E nunca mais a encontrei.

Página solta
Queres saber quem sou?
Meu nome queres saber?
Escuta! As brisas se abraçam
Eu só não devo gemer!
As brisas sabem meu nome
Só tu não deves saber.
(...)
Página azul
Tinha no seio uma flor,
Veio do vento o fragor
E a pobre flor desmaiou!
Tinha na mente um sorriso
Tinha n'alma um paraíso
E tudo a sorte levou.
(...)
Quero viver do passado,
Desse passado beijado
Pelos anjinhos do mar!
-Quero viver de quimeras
Faz-me surgir primaveras,
Faz-me de novo sonhar!

A F...(...)
-Moreninha, dá-me flores,
Dá-me flores sempre assim,
Dá-me as malvas que plantaste,
Dá-me todo o teu jardim.

Um beijo
Um beijo não me pediste,
Não me pediste, sei eu:
Foi uma idéia que tive
De um sonho que foi só teu,
Foi vago pressentimento,
Foi um aviso do céu!
(...)
(Poema encontrado entre os papéis de Benjamin Carvoliva, paixão de Júlia.)
Tiro no sonho
A tropa de choque do tucanato está listando providências que lhe permitam afastar o marqueteiro Duda Mendonça do candidato Luiz Inácio Lula da Silva. Querem destruir o que chamam de "risco dula".
Tropa de choque, no caso, quer dizer tropa de choque.


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