São Paulo, sábado, 07 de outubro de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Marcelo Coelho

Homens cordiais

OS CARIOCAS reclamam, com certa razão, da incompreensibilidade que caracteriza o comportamento do eleitor paulista. Fora de São Paulo, não há quem possa entender a sobrevivência de figuras como Paulo Maluf, e imagino que o próprio Alckmin, para muitos de seus simpatizantes ou opositores espalhados pelo país, ainda surja como um enigma tipicamente paulista: "Como é, afinal, que ele chegou onde chegou?"
Não é uma pergunta fácil de responder. De qualquer modo, um paulista pode revidar no mesmo estilo, quando se volta para as particularidades da política fluminense. Não é de explicação simples a série de fotos publicada nestes dias, em que apareciam, confraternizando-se num mesmo apoio a Lula, personalidades como Vladimir Palmeira e Francisco Dornelles, Marcelo Crivella e Benedita da Silva. De Conde a Pezão, parece que todo mundo, no Rio, apóia Lula.
Exceto o grupo, igualmente confuso, dos que apóiam Alckmin, reunindo o casal Garotinho, Roberto Jefferson e Denise Frossard. Esta protagonizou uma impressionante cena de impulsividade, passando do voto nulo a Alckmin em 24 horas, como se expusesse, em sua crise, a dificuldade que há em conciliar princípios com a realidade eleitoral.
Será que Alckmin deveria recusar o apoio do casal Garotinho? Sua atitude, mais do que banal -"apoio a gente recebe"- reflete uma fraqueza que não é só do candidato, mas de toda a cultura política brasileira.
Ninguém se dispõe, nunca, a arriscar. Qualquer ousadia parece temeridade, e interessa mais obter adesões do que respeito.
A comparação não vem ao caso, mas por isso mesmo é expressiva: De Gaulle mostrou-se estadista quando decidiu opor um "não" a todas as lideranças políticas que, com a derrota da França, acharam melhor compor-se e aderir aos invasores alemães.
Arrogância, antipatia, messianismo por parte de Gaulle? Provavelmente, um brasileiro reagiria assim. Em nossa cultura, as qualidades da recusa e da firmeza tendem a ser vistas como prepotência e pretensão.
A frase de Alckmin foi mais verdadeira do que sua trivialidade essencial: "apoio não se recusa, se recebe". Um político telefona, diz que quer apoiá-lo, e na conversa você é educado. Não vai, é claro, dizer que não. De algum modo, todos estamos presos à palavra empenhada. O problema é que a palavra empenhada em particular, entre os iguais, em geral é levada mais a sério do que a empenhada em público.
Lula ou Alckmin continuam a ser, nesse ponto, os "homens cordiais" de Sérgio Buarque de Hollanda. Na periferia de São Paulo ou nos morros cariocas, o cidadão já está entretanto distante desse modelo; e quando alguém abandona o respeito do eleitor em favor dos apoios que recebe, mais se agrava, a médio prazo, o problema da governabilidade com que todo político diz se preocupar.


MARCELO COELHO é colunista da Folha

Texto Anterior: Metodologia: 5.811 eleitores foram entrevistados em 368 cidades do país
Próximo Texto: Eleições 2006/Escândalo do dossiê: Crise do dossiê derruba Berzoini; PT expulsa 4 envolvidos no caso
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.