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Marcelo Coelho
Homens cordiais
OS CARIOCAS reclamam, com certa razão, da incompreensibilidade que caracteriza o comportamento do
eleitor paulista. Fora de
São Paulo, não há quem
possa entender a sobrevivência de figuras como
Paulo Maluf, e imagino que
o próprio Alckmin, para
muitos de seus simpatizantes ou opositores espalhados pelo país, ainda surja
como um enigma tipicamente paulista: "Como é,
afinal, que ele chegou onde
chegou?"
Não é uma pergunta fácil
de responder. De qualquer
modo, um paulista pode revidar no mesmo estilo,
quando se volta para as particularidades da política
fluminense. Não é de explicação simples a série de fotos publicada nestes dias,
em que apareciam, confraternizando-se num mesmo
apoio a Lula, personalidades como Vladimir Palmeira e Francisco Dornelles,
Marcelo Crivella e Benedita da Silva. De Conde a Pezão, parece que todo mundo, no Rio, apóia Lula.
Exceto o grupo, igualmente confuso, dos que
apóiam Alckmin, reunindo
o casal Garotinho, Roberto
Jefferson e Denise Frossard. Esta protagonizou
uma impressionante cena
de impulsividade, passando do voto nulo a Alckmin
em 24 horas, como se expusesse, em sua crise, a dificuldade que há em conciliar princípios com a realidade eleitoral.
Será que Alckmin deveria
recusar o apoio do casal Garotinho? Sua atitude, mais
do que banal -"apoio a
gente recebe"- reflete uma
fraqueza que não é só do
candidato, mas de toda a
cultura política brasileira.
Ninguém se dispõe, nunca,
a arriscar. Qualquer ousadia parece temeridade, e interessa mais obter adesões
do que respeito.
A comparação não vem
ao caso, mas por isso mesmo é expressiva: De Gaulle
mostrou-se estadista quando decidiu opor um "não" a
todas as lideranças políticas que, com a derrota da
França, acharam melhor
compor-se e aderir aos invasores alemães.
Arrogância, antipatia,
messianismo por parte de
Gaulle? Provavelmente,
um brasileiro reagiria assim. Em nossa cultura, as
qualidades da recusa e da
firmeza tendem a ser vistas
como prepotência e pretensão.
A frase de Alckmin foi
mais verdadeira do que sua
trivialidade essencial:
"apoio não se recusa, se recebe". Um político telefona, diz que quer apoiá-lo, e
na conversa você é educado. Não vai, é claro, dizer
que não. De algum modo,
todos estamos presos à palavra empenhada. O problema é que a palavra empenhada em particular, entre os iguais, em geral é levada mais a sério do que a
empenhada em público.
Lula ou Alckmin continuam a ser, nesse ponto, os
"homens cordiais" de Sérgio Buarque de Hollanda.
Na periferia de São Paulo
ou nos morros cariocas, o
cidadão já está entretanto
distante desse modelo; e
quando alguém abandona o
respeito do eleitor em favor
dos apoios que recebe, mais
se agrava, a médio prazo, o
problema da governabilidade com que todo político
diz se preocupar.
MARCELO COELHO é colunista da Folha
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