São Paulo, terça-feira, 07 de novembro de 2000

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ADMINISTRAÇÃO
Programa de Marta suprimiu decisão votada pelo partido no dia em que ela foi homologada candidata
PT aprovou anular o contrato da dívida

LILIAN CHRISTOFOLETTI
FÁBIO ZANINI
DA REPORTAGEM LOCAL

A proposta da prefeita eleita Marta Suplicy (PT) para tentar renegociar os termos da dívida do município de São Paulo com a União contradiz as diretrizes discutidas e aprovadas em encontro municipal do partido no primeiro semestre deste ano.
Durante a convenção do partido, em 18 de junho, que homologou a candidatura de Marta, foi aprovado um documento que defende a anulação do contrato de refinanciamento da dívida do município com a União.
"O governo do PT terá outra postura em relação à dívida da cidade e renegociará todos os termos atuais acordados com o governo federal", diz o texto.
O documento, intitulado "Diretrizes de Programa de Governo", teve por objetivo definir as linhas de um eventual mandato petista.
O texto continua: "Tomamos posição pela anulação dos contratos de "refinanciamento" das dívidas do município com os governos estadual e federal, determinados pelos acordos com o FMI e com o Banco Mundial".
Por fim, a resolução aprovada defende ainda "a anulação dos títulos precatórios (dívidas decorrentes de sentenças judiciais), com investigação e punição com confisco dos fraudadores e beneficiários".
A posição que vem sendo externada por Marta desde que foi eleita é diferente. A petista tem dito que procurará respeitar o contrato renegociado, em maio deste ano, pelo atual prefeito de São Paulo, Celso Pitta.
O acordo compromete 13% da receita líquida do município com a amortização da dívida renegociada, no valor de R$ 10,5 bilhões.
A prefeita eleita costuma dizer que "ameaçar não pagar a dívida seria enganar a população". Ela cita uma das cláusulas do contrato que autoriza a União a reter recursos municipais equivalentes às parcelas da dívida em caso de não-pagamento.
Na versão final de seu programa de governo, que foi baseado no documento aprovado no encontro petista, Marta não seguiu as diretrizes aprovadas pelo PT no tocante à dívida com a União.
Foi suprimido o trecho que pregava a anulação do contrato firmado entre o município e a União (leia quadro ao lado).
A mudança ocorreu no item que trata do assunto, cujo título é: "Ter uma postura ativa na cena política nacional e em relação à dívida da cidade". No lugar, foi adotada uma versão mais amena.
Em vez de prometer que "renegociará todos os termos" da dívida, como defendeu o partido, Marta diz que "buscará" a renegociação, sem referência a "todos os termos" -o que poderia ser interpretado como a anulação do contrato. O trecho que prega explicitamente a "anulação dos contratos de "refinanciamento" e dos títulos precatórios" foi totalmente suprimido.
Marta decidiu incluir um trecho mais condizente com o que vem prometendo. "(O governo municipal) propõe a aplicação de parcela considerável da dívida em programas de combate à pobreza e exclusão, prioritariamente no programa Renda Mínima."
Durante a campanha eleitoral, a então candidata defendeu que parte dos 13% comprometidos com a dívida junto à União retornasse ao município "carimbada", para uso em programas sociais.
Marta também não seguiu diretriz, incluída no mesmo documento, sobre privatizações. Segundo o PT, deveriam ser "suspensas todas as privatizações em curso", trecho que foi retirado.

Anulação

Amir Khair, que coordenou a área de finanças do programa de governo de Marta, afirmou não ter conhecimento da resolução aprovada pelo partido.
"Anulação pura e simples do contrato não foi considerada por mim nem pela Marta. O que ela externou é que, se você não paga a dívida, perde os recursos na boca do caixa e ainda por cima paga multa", afirmou Khair, que foi secretário das Finanças na primeira gestão do PT (a de Luiza Erundina, entre 1989 e 1992).
Khair diz que em nenhum momento durante a elaboração do programa de governo se cogitou a anulação total do contrato. "A gente leva em consideração que existe um contrato assinado. Marta vai respeitar os contratos", disse ele. O coordenador também nega que a prefeita eleita tenha considerado a anulação dos precatórios. "Não se discutiu isso."
Khair disse que Marta vai tentar mudar os termos do contrato, o que seria muito mais difícil, pois passaria por alterações na Lei de Responsabilidade Fiscal. A idéia seria conseguir reduzir o comprometimento de 13% para um percentual mais baixo.

Sem validade
O presidente do Diretório Municipal do PT, o deputado federal Ricardo Berzoini, admite que há diferenças entre o programa aprovado pelo partido e o de Marta. Para ele, isso é "natural".
"O posicionamento aprovado em encontro do partido com certeza será levado em consideração, mas não quer dizer que vai ser a posição do governo de Marta. Governo é governo, e partido é partido", disse Berzoini.
Para o deputado, o governo de Marta é maior do que a posição defendida pelo partido.
"O governo da Marta não é o PT, é o governo do PT. O que é diferente. O governo é mais amplo do que o partido do ponto de vista das alianças feitas no primeiro e no segundo turno das eleições. O partido tem um posicionamento, que pode ou não coincidir com o do governo", afirmou.
Para o presidente municipal, o documento aprovado pelo partido reproduz a posição do PT, mas não tem "validade jurídica".
"O PT tem um diagnóstico claro do quanto é prejudicial para São Paulo esse contrato de refinanciamento. Para o partido, o ideal seria a anulação. Mas não há uma análise dos partidos coligados com o PT. Não temos um estudo do impacto político nem sabemos se isso tem validade jurídica", disse o deputado. Segundo Berzoini, o assunto só será discutido se houver "brecha jurídica" que permita o questionamento do contrato. "Não faremos bravatas."


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