São Paulo, quinta-feira, 07 de novembro de 2002

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TRANSIÇÃO

Movimento elege latifúndio como alvo e promete abrandar invasões

Com Lula, governo deixa de ser "inimigo", anuncia MST

FÁBIO GUIBU
DA AGÊNCIA FOLHA, EM CARUARU

A direção nacional do MST anunciou ontem em Caruaru (PE) que, a partir de janeiro, o latifúndio, e não o governo, passará a ser o novo "inimigo" do movimento. A entidade afirmou que deseja a participação do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), na luta contra as grandes propriedades rurais, mas avisou que não concederá uma trégua formal ao futuro governo com relação às invasões -embora diga que elas devam ser "abrandadas".
"Nós vamos fazer o possível para acabar com o latifúndio", afirmou o dirigente nacional do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) Gilmar Mauro. "Lula conhece os problemas do campo e sabe que os brasileiros querem mudanças."
Segundo Mauro, os sem-terra esperam "uma atuação contundente" do futuro presidente contra o que chamou de "inimigo da humanidade e do povo".
Inicialmente, disse, as pressões do MST se voltarão contra os latifúndios que consideram improdutivos. Mas não está descartada a possibilidade de ocorrerem ações em grandes áreas produtivas, principalmente se elas não estiverem voltadas à produção de alimentos. "Entendemos que todo processo de concentração gera desigualdade", declarou Mauro.
A decisão de priorizar o combate ao latifúndio e reivindicar o apoio de Lula foi tomada pelo MST durante os três dias em que as lideranças nacionais do movimento estiveram reunidas em Caruaru para avaliar e definir o comportamento da entidade em relação ao futuro governo.
Os dirigentes aprovaram uma posição de "autonomia" em relação ao Estado e divulgaram uma carta "ao povo brasileiro e ao presidente Lula" confirmando o otimismo dos sem-terra em relação ao próximo governo.
Na carta, que será entregue hoje a Lula e ao presidente nacional do PT, José Dirceu, o MST responsabiliza a atual administração federal pelo "aumento da pobreza, da desigualdade, do êxodo, da falta de trabalho e de terra" e reivindica a "construção de um novo modelo agrícola que priorize o mercado interno, a produção de alimentos e a distribuição de renda".
O movimento decidiu que não aceitará cargos no futuro governo por considerar a prática "oportunista". Entretanto, não se opôs a participar de uma reunião com integrantes da equipe de transição do PT, hoje em São Paulo.
"Vamos apenas ouvir o eles têm a dizer", afirmou Gilmar Mauro. "Por enquanto, não vamos apresentar nenhuma pauta de reivindicações", declarou.
As prioridades do MST deverão ser encaminhadas progressivamente, até o final do ano. Entre as principais estão o assentamento de 100 mil famílias que estariam acampadas em todo o país e a revogação da lei que suspende por dois anos a reforma agrária nas propriedades rurais invadidas.
Segundo os líderes sem-terra, as invasões poderão continuar no próximo governo. Entretanto, admitiram que poderá haver um "abrandamento natural" das ações, em razão da "perspectiva otimista" dos lavradores.
"Mas, se houver ocupações no início do próximo ano, isso não significará uma afronta ao Lula", disse Mauro. "Há situações que levam o agricultor a esse tipo de pressão", declarou.
A decisão de não conceder uma trégua formal e ao mesmo tempo admitir a possibilidade de um abrandamento das ações sugere que o MST optou por evitar riscos de confrontos internos ou com o futuro governo federal.
Ao manter a possibilidade de haver invasões no governo Lula, o movimento fica livre da acusação de trair um eventual acordo ou de não ter comando sobre suas próprias bases.
Na carta a Lula, o MST diz que "o Brasil sofreu oito anos de um modelo econômico neoliberal implementado pelo governo FHC, que só aumentou o sofrimento do povo e trouxe graves prejuízos para quem vive no meio rural, com o aumento da pobreza, da desigualdade, do êxodo, da falta de trabalho e de terra".
O documento afirma que "o povo brasileiro disse não a este modelo econômico e agrícola. Votou maciçamente nas mudanças e elegeu o presidente Lula. É uma vitória do povo. E uma derrota das elites e de seu projeto".


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