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ENTREVISTA DE 2ª
GILBERTO CARVALHO
Assessor diz que presidente está "magoado" com FHC e reclama de não conseguir fazer a sesta desde o início da crise
Reeleição será dolorosa, diz o chefe-de-gabinete de Lula
KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Chefe-de-gabinete de Luiz Inácio Lula da Silva no Palácio do
Planalto, Gilberto Carvalho conta
que o presidente ficou "magoado" com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso "quando
percebeu" que o tucano "começou a tirar proveito na crise como
alguém interessado em aprofundá-la". Na primeira entrevista em
quase três anos de governo, Carvalho, 54, disse à Folha na última
sexta-feira que Lula tem interesse
num "diálogo verdadeiro" com a
oposição, no qual se "definam as
armas da batalha com clareza"
para a eleição de 2006.
Amigo e um dos mais importantes auxiliares do presidente,
com quem trabalha desde 1984,
Carvalho acredita na reeleição,
mas diz: "Será doloroso".
O chefe-de-gabinete afirma ter
"convicção" de que o presidente
não sabia do caixa dois de Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT.
Repete que nunca levou dinheiro para Dirceu, como acusam irmãos de Celso Daniel, prefeito petista de Santo André morto em
2002. Desconfia que os irmãos de
Daniel o atacam por ele discordar
da tese da família de que há um
"mandante" e acreditar em "seqüestro comum", como concluiu
a Polícia Civil paulista. Seguem os
principais trechos da entrevista:
Folha - Por que há tantos acusados de corrupção em prefeituras do
PT?
Gilberto Carvalho - O PT nasceu
com proposta ética renovadora.
Quando vira partido de massas, é
natural haver processos em que se
corrompam pessoas que vêm de
uma idoneidade e militância. Todo processo humano tem isso. A
diferença do PT é que historicamente combate seus erros e os reconhece em público.
Folha - Dois irmãos de Celso Daniel citam seu nome e detalhes, como oferta de bolo de aipim, em
uma conversa na qual o sr. teria dito que levou dinheiro para [o deputado petista] José Dirceu. Um ex-assessor de [Antonio] Palocci [ministro da Fazenda] fala que havia
financiamento das prefeituras do
PT para o partido. Não é razoável
acreditar que é verdade?
Carvalho - É razoável acreditar
em acusações que consigam apresentar provas com fundamento.
Não disse que levava dinheiro ao
Zé Dirceu porque nunca levei dinheiro ao Zé Dirceu.
Folha - Por que eles o acusam?
Carvalho - Durante a vida do
Celso Daniel, eles tiveram um distanciamento efetivo do irmão.
Mesmo após a morte, quem cuidou do Celso fomos nós, o partido. Durante 60 dias, a família ficou absolutamente omissa. Só
quando a Polícia Civil concluiu o
inquérito, a família começou a se
movimentar, na medida que a investigação não atendeu a um prejulgamento que tinha. [...] Criaram uma tese e não se conformaram que os fatos não a atendiam.
Folha - Qual tese?
Carvalho - A tese de que o Sérgio
Gomes [da Silva, que estava com
Daniel na hora do seqüestro e foi
apontado pelo Ministério Público
como o mandante do crime] e outras pessoas eram mandantes do
assassinato.
Folha - Qual é sua opinião sobre o
crime?
Carvalho - A do último relatório
da Polícia Civil de São Paulo: seqüestro comum. Não há indicação de que houve mandante.
Qualquer fato diferente que surgir, estarei aberto.
Folha - O governo disse ser "fantasiosa" a hipótese de Cuba ter dado dinheiro à campanha de Lula. O
"mensalão" e o dólar na cueca [do
petista José Adalberto Vieira da Silva, preso com R$ 200 mil numa mala e US$ 100 mil sob a cueca] não
soaram fantasiosos no princípio e
se confirmaram?
Carvalho - Considero fantasiosa
a história de Cuba. Outros eventuais erros já admitidos não significam que são verdadeiras todas
as acusações contra nós. Tudo
que se fala contra o PT e o governo passa a ser verdade automática. É importante que a imprensa e
os cidadãos tenham critérios, sob
pena de cometer injustiça. O
"mensalão", nos termos da acusação inicial do [deputado cassado]
Roberto Jefferson [PTB-RJ], não
está provado.
Folha - Versão de bastidor dá conta de que Lula se sente traído por
Delúbio, que teria sido alçado ao
comando petista por não confiar
em Dirceu. Delúbio, porém, teria se
aliado ao ex-ministro e traído Lula.
É verdade?
Carvalho - A versão verdadeira é
que Delúbio ganhou autonomia e
tomou iniciativas que não eram
de conhecimento do presidente e
que não ganhariam jamais respaldo do presidente. O resto são ilações. Dirceu não pode virar bode
expiatório.
Folha - Por quem
o presidente se
sente traído?
Carvalho - Por
aqueles que faltaram com a verdade, que tiveram
posturas que colocaram o governo
nessa crise.
Folha - Delúbio é
traidor?
Carvalho - Prefiro
evitar a palavra
traidor. Tem um
juízo de intencionalidade moral
que não sei se mobilizou o Delúbio.
Acho que o Delúbio errou gravemente. Está sendo
punido por isso.
Folha - Como é possível que o presidente não tenha sabido do esquema Marcos Valério-Delúbio, se o
ex-tesoureiro viajava com ele, freqüentava o gabinete e segurava
até cigarrilha quando ele não queria ser gravado ou fotografado fumando?
Carvalho - Com toda a intimidade que tenho com o presidente,
tenho absoluta convicção de que
em nenhum momento o Delúbio
o informou das relações com
Marcos Valério e dos procedimentos que adotava. De fato, o
presidente tinha amizade com
Delúbio. A relação do Marcos Valério com Delúbio começou no final da campanha de 2002, quando
o presidente estava preocupado
em se eleger e depois com o governo. As informações que o presidente recebeu eram de que a
campanha tinha recolhido fundos
para ser quitada integralmente.
Nunca entrou em detalhes.
Folha - O sr. faz a agenda de Lula.
Houve algum encontro dele com
Valério, um telefonema?
Carvalho - Lula conhece Marcos
Valério por fotografia. Soube da existência dele a partir da
entrevista do Roberto Jefferson. Nunca
se falaram por telefone ou se viram pessoalmente.
Folha - O que Lula
fala de Valério?
Carvalho - Que é
muito impressionante uma pessoa
que não tinha nenhuma relação com
o PT ter recebido um
poder e a possibilidade de tamanho
trânsito no partido e
entre nossos dirigentes.
Folha - E de Delúbio?
Carvalho - Que cometeu erros muito graves que nos
levaram a uma crise indesejada.
Mas faz uma ressalva: acha que ele
não fez apropriação de dinheiro
para si, não se locupletou.
Folha - Lula acha que Dirceu cometeu erros? Afinal, o ministro deixou a Casa Civil.
Carvalho - O presidente concordou que o Zé Dirceu saísse porque
as condições políticas que se formavam conduziam a essa saída.
Não se pode atribuir a Zé Dirceu
os erros do Delúbio. É um erro
achar que Delúbio agia sob orientação do Zé Dirceu.
Folha - Foi Lula quem pediu para
Dirceu sair ou Dirceu que pediu para ir embora?
Carvalho - Foi um processo de
discussão. Um momento tenso.
Dirceu oscilava entre sair e ficar.
O presidente também tinha dúvidas. Houve acordo.
Folha - Como Lula reage quando
surgem acusações?
Carvalho - No caso Cuba, foi diferente das demais. Como era
muito folclórica, muita falta de
base na realidade, reagiu com
muita indignação. Viu como peça
de acusação política. É diferente
de uma acusação como essa da
Visanet [de que dinheiro público
do Banco do Brasil teria abastecido o "valerioduto"] e outras. Fica
preocupado e rapidamente quer
saber o que aconteceu, quer investigações. Se for comprovado
algo, as pessoas serão punidas.
Folha - Por que relatórios do governo de transição não geraram
apurações contra o PSDB?
Carvalho - O processo de transição nos induziu a ter muito mais
preocupação com a economia.
Era de tamanha grandeza a tarefa
que tínhamos que não podíamos
gastar energia naquele momento
olhando para trás. O presidente
disse que deveríamos olhar para a
frente.
Folha - No PT, há quem argumente que, se suspeitas do governo
FHC tivessem sido investigadas, o
partido não seria acusado de ter
montado a maior rede de corrupção da história.
Carvalho - Pode ser que o partido tenha sido prejudicado, mas o
país saiu ganhando. Não posso dizer que foi um acerto pleno, mas
foi uma atitude mais madura. A
respeito da acusação de que o PT
promoveu a maior corrupção da
história, com o passar do tempo,
ela ganhará sua devida proporção. Não é verdade.
Folha - O que o sr. diria para as
pessoas que acreditaram na seriedade ética do PT e agora o vêem envolvido em corrupção?
Carvalho - O presidente, os ministros e as pessoas do governo
são gente da maior seriedade. Dedicam-se ao país. Nosso projeto
não será sepultado. Continuo
acreditando na reeleição do presidente. Sairemos desse processo
purificados. A imagem do PT será
reconstruída. Não tenho ilusão,
vai demorar muito.
Folha - Será difícil a reeleição.
Carvalho - Não será fácil. Será
doloroso.
Folha - O que Lula e
o PT dirão aos eleitores em 2006?
Carvalho - O grande discurso será o
da nossa ação. No
momento em que
pudermos mostrar
ao povo brasileiro
os detalhes de tudo
o que realizamos,
não tenho dúvida
de que venceremos.
Folha - Há versões
de que Lula manda
muito e de que nada
é feito no governo
sem o seu aval. Há
outra versão de que
só viaja, delega a Palocci a economia e,
recentemente, delegou a gestão administrativa a Dilma [Rousseff, ministra da Casa Civil].
Carvalho - A verdade está muito
mais na primeira. Viajar e estar
em contato com o povo é um
combustível essencial na vida dele. As viagens internacionais o enchem de entusiasmo. A história
vai avaliar melhor o significado
do governo Lula para a posição do
Brasil no mundo. O Lula chama
os ministros permanentemente
para dar dura.
Folha - Como é o dia de Lula?
Carvalho - Ele acorda muito cedo, por volta das 5h30. Faz esteira
entre as 6h e as 7h. Fazia caminhada antes, mas diz que a esteira
mantém um ritmo. É comum ele
dizer: "Hoje dei um show na esteira". Faz a leitura dos jornais e toma café. Sai da Granja do Torto
para cá [Palácio do Planalto] por
volta das 8h45. Às vezes, atende
alguém lá e dá uns telefonemas.
Faz reuniões em série até as 13h.
Tem despacho fixo semanal com
a Coordenação de Governo e despachos diários com a ministra
Dilma. Depois, faz reuniões temáticas. Pára para almoçar entre as
13h e as 13h30. Na grande maioria
das vezes, almoça na Granja do
Torto. Nós o induzimos a evitar o
almoço aqui para ter um mínimo
de respiro. A agenda da tarde
combina despachos internos com
atendimentos externos. É comum
receber presidentes de empresas.
Recebe sempre informações antes
de atender uma pessoa. É um trabalho muito bem-feito pela assessoria coordenada pela Clara Ant.
Todas as reuniões têm uma ata.
Há um digitador com um computador. É comum ele pedir a ata da
reunião anterior para cobrar. Raramente recebe individualmente
um parlamentar, salvo lideranças
e presidentes de poder. Normalmente, o dia acaba lá pelas 21h.
Raramente antes. É comum ir até
as 22h30.
Folha - No almoço, o presidente
faz a sesta?
Carvalho - Tem tentado, mas
normalmente não tem dado. Ele
reclama. Dez ou quinze minutos o
deixam de novo em forma.
Folha - Houve momento em que o
sr. pensou em sair do governo?
Carvalho - Perguntei a ele [Lula],
quando comecei a ficar muito exposto nessa história de Santo André, se era conveniente a minha
permanência. Ele me mandou ficar onde eu estava.
Folha - Qual foi o momento mais
duro para o presidente nesses meses de crise?
Carvalho - O presidente teve
muitos momentos de tristeza e
preocupação. Me recordo especificamente da sexta-feira em que
teve aquele episódio do rapaz que
tentou levar dólares para o Ceará
[na cueca]. Foi um dos momentos
em que o vi mais quebrado, mais
decepcionado, mais triste.
Folha - O que ele fez e disse?
Carvalho - Abaixou a cabeça, colocou as mãos no cabelo e disse:
"Não é possível. Parece um pesadelo. O que está acontecendo?".
Por outro lado, em meses de crise
o governo não ter ficado parado e
o apoio à sua popularidade ter se
mantido consistente, apesar de
menor, dá a ele muita força. Não
vi em nenhum momento sinal de
jogar a toalha. É um
leão.
Folha - Há versão
de que ele se incomoda com os ataques da oposição,
mas mais com os de
FHC. O que ele
achou do comportamento de FHC durante a crise?
Carvalho - Evidente que incomoda. O tempo todo
ele procurou manter relação de cordialidade com o ex-presidente. Nunca
estimulou ataques.
Só ficou magoado
quando percebeu
que FHC começou
a tirar proveito na
crise como alguém
interessado em aprofundá-la.
Achou indevido. Disse que não
podia jogar lenha nesse tipo de fogueira.
Folha - Há articulação de diálogo
com a oposição?
Carvalho - O presidente está interessado num diálogo verdadeiro, em que se definam as armas da
batalha com clareza e fique fora
tudo aquilo inadequado para
uma disputa civilizada. Mas diz:
"Para a gente fazer a paz, não dá
para a gente só receber pancadas e
ficar quieto. Tem de reagir".
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