São Paulo, segunda-feira, 07 de novembro de 2005

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ENTREVISTA DE 2ª

GILBERTO CARVALHO

Assessor diz que presidente está "magoado" com FHC e reclama de não conseguir fazer a sesta desde o início da crise

Reeleição será dolorosa, diz o chefe-de-gabinete de Lula

KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Chefe-de-gabinete de Luiz Inácio Lula da Silva no Palácio do Planalto, Gilberto Carvalho conta que o presidente ficou "magoado" com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso "quando percebeu" que o tucano "começou a tirar proveito na crise como alguém interessado em aprofundá-la". Na primeira entrevista em quase três anos de governo, Carvalho, 54, disse à Folha na última sexta-feira que Lula tem interesse num "diálogo verdadeiro" com a oposição, no qual se "definam as armas da batalha com clareza" para a eleição de 2006.
Amigo e um dos mais importantes auxiliares do presidente, com quem trabalha desde 1984, Carvalho acredita na reeleição, mas diz: "Será doloroso".
O chefe-de-gabinete afirma ter "convicção" de que o presidente não sabia do caixa dois de Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT.
Repete que nunca levou dinheiro para Dirceu, como acusam irmãos de Celso Daniel, prefeito petista de Santo André morto em 2002. Desconfia que os irmãos de Daniel o atacam por ele discordar da tese da família de que há um "mandante" e acreditar em "seqüestro comum", como concluiu a Polícia Civil paulista. Seguem os principais trechos da entrevista:

Folha - Por que há tantos acusados de corrupção em prefeituras do PT?
Gilberto Carvalho -
O PT nasceu com proposta ética renovadora. Quando vira partido de massas, é natural haver processos em que se corrompam pessoas que vêm de uma idoneidade e militância. Todo processo humano tem isso. A diferença do PT é que historicamente combate seus erros e os reconhece em público.

Folha - Dois irmãos de Celso Daniel citam seu nome e detalhes, como oferta de bolo de aipim, em uma conversa na qual o sr. teria dito que levou dinheiro para [o deputado petista] José Dirceu. Um ex-assessor de [Antonio] Palocci [ministro da Fazenda] fala que havia financiamento das prefeituras do PT para o partido. Não é razoável acreditar que é verdade?
Carvalho -
É razoável acreditar em acusações que consigam apresentar provas com fundamento. Não disse que levava dinheiro ao Zé Dirceu porque nunca levei dinheiro ao Zé Dirceu.

Folha - Por que eles o acusam?
Carvalho -
Durante a vida do Celso Daniel, eles tiveram um distanciamento efetivo do irmão. Mesmo após a morte, quem cuidou do Celso fomos nós, o partido. Durante 60 dias, a família ficou absolutamente omissa. Só quando a Polícia Civil concluiu o inquérito, a família começou a se movimentar, na medida que a investigação não atendeu a um prejulgamento que tinha. [...] Criaram uma tese e não se conformaram que os fatos não a atendiam.

Folha - Qual tese?
Carvalho -
A tese de que o Sérgio Gomes [da Silva, que estava com Daniel na hora do seqüestro e foi apontado pelo Ministério Público como o mandante do crime] e outras pessoas eram mandantes do assassinato.

Folha - Qual é sua opinião sobre o crime?
Carvalho -
A do último relatório da Polícia Civil de São Paulo: seqüestro comum. Não há indicação de que houve mandante. Qualquer fato diferente que surgir, estarei aberto.

Folha - O governo disse ser "fantasiosa" a hipótese de Cuba ter dado dinheiro à campanha de Lula. O "mensalão" e o dólar na cueca [do petista José Adalberto Vieira da Silva, preso com R$ 200 mil numa mala e US$ 100 mil sob a cueca] não soaram fantasiosos no princípio e se confirmaram?
Carvalho -
Considero fantasiosa a história de Cuba. Outros eventuais erros já admitidos não significam que são verdadeiras todas as acusações contra nós. Tudo que se fala contra o PT e o governo passa a ser verdade automática. É importante que a imprensa e os cidadãos tenham critérios, sob pena de cometer injustiça. O "mensalão", nos termos da acusação inicial do [deputado cassado] Roberto Jefferson [PTB-RJ], não está provado.

Folha - Versão de bastidor dá conta de que Lula se sente traído por Delúbio, que teria sido alçado ao comando petista por não confiar em Dirceu. Delúbio, porém, teria se aliado ao ex-ministro e traído Lula. É verdade?
Carvalho -
A versão verdadeira é que Delúbio ganhou autonomia e tomou iniciativas que não eram de conhecimento do presidente e que não ganhariam jamais respaldo do presidente. O resto são ilações. Dirceu não pode virar bode expiatório.

Folha - Por quem o presidente se sente traído?
Carvalho -
Por aqueles que faltaram com a verdade, que tiveram posturas que colocaram o governo nessa crise.

Folha - Delúbio é traidor?
Carvalho -
Prefiro evitar a palavra traidor. Tem um juízo de intencionalidade moral que não sei se mobilizou o Delúbio. Acho que o Delúbio errou gravemente. Está sendo punido por isso.

Folha - Como é possível que o presidente não tenha sabido do esquema Marcos Valério-Delúbio, se o ex-tesoureiro viajava com ele, freqüentava o gabinete e segurava até cigarrilha quando ele não queria ser gravado ou fotografado fumando?
Carvalho -
Com toda a intimidade que tenho com o presidente, tenho absoluta convicção de que em nenhum momento o Delúbio o informou das relações com Marcos Valério e dos procedimentos que adotava. De fato, o presidente tinha amizade com Delúbio. A relação do Marcos Valério com Delúbio começou no final da campanha de 2002, quando o presidente estava preocupado em se eleger e depois com o governo. As informações que o presidente recebeu eram de que a campanha tinha recolhido fundos para ser quitada integralmente. Nunca entrou em detalhes.

Folha - O sr. faz a agenda de Lula. Houve algum encontro dele com Valério, um telefonema?
Carvalho -
Lula conhece Marcos Valério por fotografia. Soube da existência dele a partir da entrevista do Roberto Jefferson. Nunca se falaram por telefone ou se viram pessoalmente.

Folha - O que Lula fala de Valério?
Carvalho -
Que é muito impressionante uma pessoa que não tinha nenhuma relação com o PT ter recebido um poder e a possibilidade de tamanho trânsito no partido e entre nossos dirigentes.

Folha - E de Delúbio?
Carvalho -
Que cometeu erros muito graves que nos levaram a uma crise indesejada. Mas faz uma ressalva: acha que ele não fez apropriação de dinheiro para si, não se locupletou.

Folha - Lula acha que Dirceu cometeu erros? Afinal, o ministro deixou a Casa Civil.
Carvalho -
O presidente concordou que o Zé Dirceu saísse porque as condições políticas que se formavam conduziam a essa saída. Não se pode atribuir a Zé Dirceu os erros do Delúbio. É um erro achar que Delúbio agia sob orientação do Zé Dirceu.

Folha - Foi Lula quem pediu para Dirceu sair ou Dirceu que pediu para ir embora?
Carvalho -
Foi um processo de discussão. Um momento tenso. Dirceu oscilava entre sair e ficar. O presidente também tinha dúvidas. Houve acordo.

Folha - Como Lula reage quando surgem acusações?
Carvalho -
No caso Cuba, foi diferente das demais. Como era muito folclórica, muita falta de base na realidade, reagiu com muita indignação. Viu como peça de acusação política. É diferente de uma acusação como essa da Visanet [de que dinheiro público do Banco do Brasil teria abastecido o "valerioduto"] e outras. Fica preocupado e rapidamente quer saber o que aconteceu, quer investigações. Se for comprovado algo, as pessoas serão punidas.

Folha - Por que relatórios do governo de transição não geraram apurações contra o PSDB?
Carvalho -
O processo de transição nos induziu a ter muito mais preocupação com a economia. Era de tamanha grandeza a tarefa que tínhamos que não podíamos gastar energia naquele momento olhando para trás. O presidente disse que deveríamos olhar para a frente.

Folha - No PT, há quem argumente que, se suspeitas do governo FHC tivessem sido investigadas, o partido não seria acusado de ter montado a maior rede de corrupção da história.
Carvalho -
Pode ser que o partido tenha sido prejudicado, mas o país saiu ganhando. Não posso dizer que foi um acerto pleno, mas foi uma atitude mais madura. A respeito da acusação de que o PT promoveu a maior corrupção da história, com o passar do tempo, ela ganhará sua devida proporção. Não é verdade.

Folha - O que o sr. diria para as pessoas que acreditaram na seriedade ética do PT e agora o vêem envolvido em corrupção?
Carvalho -
O presidente, os ministros e as pessoas do governo são gente da maior seriedade. Dedicam-se ao país. Nosso projeto não será sepultado. Continuo acreditando na reeleição do presidente. Sairemos desse processo purificados. A imagem do PT será reconstruída. Não tenho ilusão, vai demorar muito.

Folha - Será difícil a reeleição.
Carvalho -
Não será fácil. Será doloroso.

Folha - O que Lula e o PT dirão aos eleitores em 2006?
Carvalho -
O grande discurso será o da nossa ação. No momento em que pudermos mostrar ao povo brasileiro os detalhes de tudo o que realizamos, não tenho dúvida de que venceremos.

Folha - Há versões de que Lula manda muito e de que nada é feito no governo sem o seu aval. Há outra versão de que só viaja, delega a Palocci a economia e, recentemente, delegou a gestão administrativa a Dilma [Rousseff, ministra da Casa Civil].
Carvalho -
A verdade está muito mais na primeira. Viajar e estar em contato com o povo é um combustível essencial na vida dele. As viagens internacionais o enchem de entusiasmo. A história vai avaliar melhor o significado do governo Lula para a posição do Brasil no mundo. O Lula chama os ministros permanentemente para dar dura.

Folha - Como é o dia de Lula?
Carvalho -
Ele acorda muito cedo, por volta das 5h30. Faz esteira entre as 6h e as 7h. Fazia caminhada antes, mas diz que a esteira mantém um ritmo. É comum ele dizer: "Hoje dei um show na esteira". Faz a leitura dos jornais e toma café. Sai da Granja do Torto para cá [Palácio do Planalto] por volta das 8h45. Às vezes, atende alguém lá e dá uns telefonemas. Faz reuniões em série até as 13h. Tem despacho fixo semanal com a Coordenação de Governo e despachos diários com a ministra Dilma. Depois, faz reuniões temáticas. Pára para almoçar entre as 13h e as 13h30. Na grande maioria das vezes, almoça na Granja do Torto. Nós o induzimos a evitar o almoço aqui para ter um mínimo de respiro. A agenda da tarde combina despachos internos com atendimentos externos. É comum receber presidentes de empresas. Recebe sempre informações antes de atender uma pessoa. É um trabalho muito bem-feito pela assessoria coordenada pela Clara Ant. Todas as reuniões têm uma ata. Há um digitador com um computador. É comum ele pedir a ata da reunião anterior para cobrar. Raramente recebe individualmente um parlamentar, salvo lideranças e presidentes de poder. Normalmente, o dia acaba lá pelas 21h. Raramente antes. É comum ir até as 22h30.

Folha - No almoço, o presidente faz a sesta?
Carvalho -
Tem tentado, mas normalmente não tem dado. Ele reclama. Dez ou quinze minutos o deixam de novo em forma.

Folha - Houve momento em que o sr. pensou em sair do governo?
Carvalho -
Perguntei a ele [Lula], quando comecei a ficar muito exposto nessa história de Santo André, se era conveniente a minha permanência. Ele me mandou ficar onde eu estava.

Folha - Qual foi o momento mais duro para o presidente nesses meses de crise?
Carvalho -
O presidente teve muitos momentos de tristeza e preocupação. Me recordo especificamente da sexta-feira em que teve aquele episódio do rapaz que tentou levar dólares para o Ceará [na cueca]. Foi um dos momentos em que o vi mais quebrado, mais decepcionado, mais triste.

Folha - O que ele fez e disse?
Carvalho -
Abaixou a cabeça, colocou as mãos no cabelo e disse: "Não é possível. Parece um pesadelo. O que está acontecendo?". Por outro lado, em meses de crise o governo não ter ficado parado e o apoio à sua popularidade ter se mantido consistente, apesar de menor, dá a ele muita força. Não vi em nenhum momento sinal de jogar a toalha. É um leão.

Folha - Há versão de que ele se incomoda com os ataques da oposição, mas mais com os de FHC. O que ele achou do comportamento de FHC durante a crise?
Carvalho -
Evidente que incomoda. O tempo todo ele procurou manter relação de cordialidade com o ex-presidente. Nunca estimulou ataques. Só ficou magoado quando percebeu que FHC começou a tirar proveito na crise como alguém interessado em aprofundá-la. Achou indevido. Disse que não podia jogar lenha nesse tipo de fogueira.

Folha - Há articulação de diálogo com a oposição?
Carvalho -
O presidente está interessado num diálogo verdadeiro, em que se definam as armas da batalha com clareza e fique fora tudo aquilo inadequado para uma disputa civilizada. Mas diz: "Para a gente fazer a paz, não dá para a gente só receber pancadas e ficar quieto. Tem de reagir".

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