São Paulo, quinta-feira, 07 de dezembro de 2000

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CELSO PINTO

A cautela otimista do BC

Que o mundo no próximo ano vai ficar pior do que está, não há muita dúvida, com ou sem alguma redução dos juros americanos. Menos claro é o tamanho da conta que vai sobrar para o Brasil.
O mundo vai piorar porque vai crescer menos, de forma geral, e o fluxo de recursos para países emergentes deve cair. As duas coisas já estão acontecendo e não há nenhuma boa razão para imaginar uma guinada. Quanto será pior depende das projeções de cada um.
O Banco Central tem acompanhado o cenário com um misto de cautela e algum otimismo. Há quatro meses não mexe na taxa básica de juros, hoje em 16,5%. Como a inflação está cadente, a cada mês que não faz nada, o BC eleva os juros reais (acima da inflação). Dói menos, politicamente, mas o efeito é o de uma elevação dos juros. Coerentemente, o BC reduziu sua projeção de crescimento em 2001 de 4,5% a 5% para 3,5% a 4%.
Essa é a cautela. O relativo otimismo vem da aposta que, se o cenário externo não piorar muito, será possível minimizar o custo da travessia de um ano mais turbulento.
Menos crescimento mundial e menos fluxo de capitais significa mais problemas para as contas externas do Brasil. Como o passivo externo líquido é muito alto, superior a 50% do PIB, seu custo é pesado e rígido. Em serviços, como juros, remessas de lucros, fretes etc., vamos continuar pagando de US$ 15 bilhões para cima. Portanto, se a balança comercial não consegue gerar superávits, o buraco total (o déficit em conta corrente) não cai.
Apesar da desvalorização recente de uns 10% no câmbio, a perspectiva para a balança em 2001 é medíocre -agravada pela desaceleração da economia mundial e pela crise argentina. Uma solução, teórica, poderia ser tentar forçar a geração de um superávit com uma combinação agressiva de mais tarifas e subsídios.
O BC e a Fazenda opõem-se fortemente a essa opção, por achar que ela gera distorções a médio e longo prazos. Melhor seria apostar numa reação futura das exportações, ajudadas pelos ganhos de produtividade trazidos pelo forte ingresso de investimentos diretos e pelo fato de que o aumento das importações ajuda, em muitos setores, a elevar as exportações. Essa é uma disputa interna no governo, ainda não resolvida.
A segunda opção de ajuste seria frear o crescimento. O BC, como se viu, já opera nessa faixa, mas com um impacto limitado. Isso porque a aposta maior, até agora, é na terceira opção: financiar a travessia.
A entrada de investimentos diretos, neste ano, tem surpreendido os mais otimistas. De janeiro a outubro, excluindo os dólares que vieram pelas privatizações, o ingresso chegou a US$ 19,9 bilhões, mais do que no mesmo período do ano passado (US$ 16,4 bilhões). Tudo indica que os investimentos diretos externos superarão o excepcional ano de 99.
E 2001? A tendência global já tem sido de queda. Dados do BBVA mostram que, em 98, 70% das emissões internacionais eram de países classificados abaixo do nível de investimento, como Brasil e Argentina. Neste ano, esta fatia caiu para 57% até outubro. A participação dos emergentes nos fluxos mundiais de investimento direto caiu de 43%, em 97, para 26,6% em 99 e deve cair para 24% neste ano e 23% no próximo. A previsão é de queda nos fluxos líquidos para a América Latina, inclusive de investimentos diretos.
O BC ainda não refez os cálculos sobre o tamanho do déficit em conta corrente em 2001. Acha, contudo, que, apesar das dificuldades, haverá um fluxo razoável de investimentos diretos e outros recursos que permitiriam financiar o buraco externo. E que essa é a opção menos custosa.
Do lado da inflação, apesar da pressão do câmbio, dos 0,6% a mais com o salário mínimo de R$ 180 e da gasolina, como não há sinal de vida nos outros preços, não há razão, hoje, para elevar os juros. O maior risco vem do lado externo.
Se o otimismo cauteloso do BC estiver errado, o ajuste virá pelo menor crescimento. Com o risco embutido de reavivar o velho círculo vicioso: mais juros e câmbio e menos crescimento gerando mais pressão inflacionária, mais dívida interna e menos receita fiscal e obrigando a mais ajuste fiscal num cenário adverso.

Câmbio independente?
O BC e a Fazenda lutam pela "independência operacional" do BC. Seus diretores teriam mandatos fixos e a liberdade apenas para cumprir uma meta inflacionária fixada pelo Executivo eleito pelo voto popular. Se o novo presidente quisesse, digamos, elevar a meta inflacionária de 3,5% para 6%, o BC teria que injetar liquidez e gerar a inflação determinada.
Um ponto até hoje não discutido, contudo, é quem definiria a política cambial. Num regime de câmbio flutuante, teoricamente o câmbio é aquele que o mercado determinar. Mesmo sabendo que abaixo do Equador não é bem assim, o manejo do câmbio deve ser, em teoria, limitado.
Mas, e se o novo presidente decidisse, digamos, fixar o câmbio e introduzir controles cambiais? Teria que pedir permissão ao BC independente? Não é uma questão trivial.
E-mail - CelPinto@uol.com.br

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