São Paulo, sábado, 07 de dezembro de 2002

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EVENTO FOLHA

Kenneth Maxwell afirma, em debate com o sociólogo Hélio Jaguaribe, que "problema de confiança" no Brasil continua

Sob PT, país pode quebrar, diz historiador

RAFAEL CARIELLO
DA REDAÇÃO

"Perigosa" e "frágil". Foi assim que o historiador inglês Kenneth Maxwell, 61, definiu a situação do país para os próximos seis meses, os primeiros sob o comando de Luiz Inácio Lula da Silva e o PT.
A afirmação é parte da análise feita por ele, um dos mais importantes estudiosos do Brasil no exterior, durante evento realizado anteontem na Folha sobre as perspectivas do governo Lula, de que também participou o sociólogo Hélio Jaguaribe, 78. O debate foi mediado pelo editor de Opinião, Vinicius Mota.
"O problema de confiança [dos mercados no país" ainda está aí], disse Maxwell, autor do clássico "A Devassa da Devassa", sobre a inconfidência e as elites mineiras no século 18. "O Brasil está totalmente dependente da confiança de cinco ou seis pessoas."
Essa dependência, insuperável no prazo de que trata sua análise, pode até levar o país a quebrar, afirma o historiador. Diz ele que se o preço do dólar ultrapassar os R$ 4, o que seria possível por conta da permanência da desconfiança internacional, "o Brasil vai ficar quebrado".
"É impossível [nessa situação] pagar a dívida -não só do Estado, mas das companhias privadas também", declarou.
À persistência do problema de confiança, que não teria sido superado com o fim das eleições, Maxwell soma, como motivo para se dizer "preocupado", o fato de os prazos de negociação com o FMI, sobre a Alca (Área de Livre Comércio das Américas), sobre o futuro do Mercosul e as negociações entre Estados e União serem curtos; na verdade, imediatos.
"São desafios para qualquer governo e especialmente para o governo que entra, sem grande experiência administrativa", disse. "Estou preocupado. Todas as indicações [de membros da nova equipe econômica] são de pessoas que não têm experiência para lidar com esses problemas [de confiança]."

Controle do câmbio
À diferença de Maxwell, que recomenda a negociação dentro das limitações atualmente impostas ao PT, Hélio Jaguaribe propõe o que chama de "solução heterodoxa", a ser adotada no segundo semestre de 2003. "A curtíssimo prazo", diz, "continuar como está, [adotando] a estratégia tranquilizadora".
O sociólogo afirma que, por conta da obrigação de gastos do governo com juros das dívidas e com benefícios da Previdência, "não sobra um centavo livre para a União fazer grandes investimentos". "O governo está praticamente imobilizado."
E defende que "para males radicais, importa adotar saídas radicais". Qual seja: o controle do câmbio pelo Banco Central.
Isso, afirma o autor de "Brasil: Alternativas e Saída", permite "que o Banco Central desloque da pauta de importações não-essenciais significativos valores em dólar para assegurar a continuidade do cumprimento de nossos compromissos internacionais".
"A minha receita está acoplada à tese de manter os compromissos e pagar o que devemos; é o oposto do calote. O calote sobrevém se continuarmos no regime em que estamos."
Jaguaribe, que se diz preparado "corajosa e patrioticamente para pagar uísque mais caro" (consequência da sua receita), afirma que assim o país poderia acabar com a necessidade de juros elevados para atrair capital estrangeiro e, com isso, diminuir os gastos do governo com os juros da dívida interna. Sobrariam recursos, ele defende, para gastos com "programas essenciais".
Para o sociólogo, aderir à Alca seria aceitar "a satelitização brasileira". Jaguaribe defendeu, como alternativa, que o país faça acordos comerciais em três frentes: na América do Sul, fazendo acordos entre o Mercosul e o Pacto Andino, com os países "baleia" (China, Índia e Rússia) e com a União Européia.
"Sair da situação de engajamento na Alca" pode forçar "uma ligação do [problema do] comércio com problemas financeiros", diz Maxwell, para quem o país pode agravar seu já restrito acesso a capitais caso se recuse a negociar o acordo de livre comércio.
Ele não vê alternativas para o país nem na UE -onde a entrada de países do leste deve, a seu ver, reforçar as barreiras a produtos agrícolas- nem no Mercosul -que para se consolidar exigiria que o país tomasse uma atitude de ajuda em relação aos outros membros tal qual a Alemanha em relação a outras nações européias no início do processo de integração europeu, o que não considera viável no momento.
O historiador diz que o encontro entre Lula e George W. Bush, na próxima semana, é importante por todas essas restrições que o país enfrenta. "O Brasil está numa situação perigosa, frágil. É importante falar com o FMI e com Bush para conseguir uma saída boa."


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