São Paulo, quarta-feira, 07 de dezembro de 2005

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ELIO GASPARI

Um teste para Serra e Alckmin

Vem aí um bonito caso para se ver o futuro. É o anúncio da tarifa única para o transporte público na cidade de São Paulo. A questão coloca o governador Geraldo Alckmin e o prefeito José Serra de um lado e, do outro, a turma que anda de metrô, trem ou ônibus. Estima-se que sejam 4 milhões de pessoas. Nos últimos 40 anos, o peso do transporte no orçamento do andar de baixo da cidade aumentou sete vezes enquanto os gastos em alimentação e moradia caíram 26% e 11%. Essa decisão municipal permite uma olhada nos propósitos federais dos dois principais candidatos do PSDB à Presidência da República.
Em 2004, a administração petista da cidade criou a tarifa única dos ônibus. O cidadão paga R$ 2 e pode fazer até quatro percursos durante duas horas. Durante a campanha eleitoral, o PSDB sugeriu que a eleição de Serra significaria um melhor entrosamento com Alckmin. A propaganda tucana dizia: "Com Serra na prefeitura, o bilhete único será estendido ao trem e ao metrô".
Passou-se quase um ano e nada. Há sinais de que em breve será anunciado o início da integração. É possível, e desejável, que a medida entre em vigor experimentalmente, em apenas algumas linhas. A questão é saber quanto os doutores Alckmin e Serra pretendem cobrar.
Pensar que a conta ficará em R$ 2 é demagogia. Para permitir alguma comparação, em Nova York, o bilhete metrô-ônibus custa US$ 2, ou R$ 4,40.
O tucanato paulista produziu uma malvadeza sem paralelo na história dos transportes públicos. Duas semanas depois da posse de Serra, Alckmin confiscou um desconto de R$ 0,10 por percurso para quem comprasse o bilhete duplo nos trens e no metrô. Um em cada dois passageiros comprava esse tipo de passagem.
Atualmente o metrô cobra R$ 2,10 por viagem e vende por R$ 3,60 um bilhete que permite um percurso complementar de ônibus. Ida e volta custam R$ 216 por mês, ou US$ 98. É uma tarifagem burra, do tipo viajou-pagou, que não distingue o usuário eventual daquele que usa o sistema todos os dias. Nova comparação: em Nova York, com US$ 76 compra-se um passe de 30 dias, sem limite de uso. Assim, a tarifa equivalente a R$ 4,40 cai para R$ 2,78, e o trabalhador nova-iorquino gasta R$ 50 mensais a menos do que seu similar nacional.
Fazendo-se de conta que brasileiros e americanos têm renda idêntica, Serra e Alckmin precisam refletir sobre os números do prefeito republicano Michael Bloomberg. É certo que chegarão a um número inferior aos R$ 4,40 da tarifa unitária de Nova York. O problema começa quando se sabe que a maioria da população usa a rede de transportes duas vezes por dia, quase todos os dias.
Se o tucanato criar um sistema tarifário burro, tipo viajou-pagou, arrisca-se a entrar numa armadilha. Sem oferecer bilhetes pré-pagos, qualquer tarifa acima de R$ 2,78 ficará acima do que paga um novaiorquino que compra o passe.
Mais: Serra e Alckmin ficarão na posição canhestra de usufruir programas de milhagem em suas viagens aéreas, enquanto seus súditos não recebem o mesmo benefício nas redes de transporte que administram.
O problema não é apenas orçamentário, é também cerebral. Alckmin e Serra podem apresentar ao andar de baixo um plano de tarifas inteligente, pelo qual mais gente usará o transporte público. Podem também baixar o chanfalho no andar de baixo, impondo uma tarifa única superior à que se cobra no passe mensal em Nova York. Felizmente, falta menos de um ano para a eleição.


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