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ELIO GASPARI
Um teste para Serra e Alckmin
Vem aí um bonito caso para
se ver o futuro. É o anúncio
da tarifa única para o transporte público na cidade de São Paulo. A questão coloca o governador Geraldo Alckmin e o prefeito José Serra de um lado e, do
outro, a turma que anda de metrô, trem ou ônibus. Estima-se
que sejam 4 milhões de pessoas.
Nos últimos 40 anos, o peso do
transporte no orçamento do andar de baixo da cidade aumentou sete vezes enquanto os gastos em alimentação e moradia
caíram 26% e 11%. Essa decisão
municipal permite uma olhada
nos propósitos federais dos dois
principais candidatos do PSDB
à Presidência da República.
Em 2004, a administração petista da cidade criou a tarifa
única dos ônibus. O cidadão paga R$ 2 e pode fazer até quatro
percursos durante duas horas.
Durante a campanha eleitoral,
o PSDB sugeriu que a eleição de
Serra significaria um melhor
entrosamento com Alckmin. A
propaganda tucana dizia:
"Com Serra na prefeitura, o bilhete único será estendido ao
trem e ao metrô".
Passou-se quase um ano e nada. Há sinais de que em breve
será anunciado o início da integração. É possível, e desejável,
que a medida entre em vigor experimentalmente, em apenas
algumas linhas. A questão é saber quanto os doutores Alckmin
e Serra pretendem cobrar.
Pensar que a conta ficará em
R$ 2 é demagogia. Para permitir
alguma comparação, em Nova
York, o bilhete metrô-ônibus
custa US$ 2, ou R$ 4,40.
O tucanato paulista produziu
uma malvadeza sem paralelo
na história dos transportes públicos. Duas semanas depois da
posse de Serra, Alckmin confiscou um desconto de R$ 0,10 por
percurso para quem comprasse
o bilhete duplo nos trens e no
metrô. Um em cada dois passageiros comprava esse tipo de
passagem.
Atualmente o metrô cobra
R$ 2,10 por viagem e vende por
R$ 3,60 um bilhete que permite
um percurso complementar de
ônibus. Ida e volta custam R$
216 por mês, ou US$ 98. É uma
tarifagem burra, do tipo viajou-pagou, que não distingue o
usuário eventual daquele que
usa o sistema todos os dias. Nova comparação: em Nova York,
com US$ 76 compra-se um passe
de 30 dias, sem limite de uso. Assim, a tarifa equivalente a R$
4,40 cai para R$ 2,78, e o trabalhador nova-iorquino gasta R$
50 mensais a menos do que seu
similar nacional.
Fazendo-se de conta que brasileiros e americanos têm renda
idêntica, Serra e Alckmin precisam refletir sobre os números do
prefeito republicano Michael
Bloomberg. É certo que chegarão a um número inferior aos
R$ 4,40 da tarifa unitária de
Nova York. O problema começa
quando se sabe que a maioria
da população usa a rede de
transportes duas vezes por dia,
quase todos os dias.
Se o tucanato criar um sistema tarifário burro, tipo viajou-pagou, arrisca-se a entrar numa
armadilha. Sem oferecer bilhetes pré-pagos, qualquer tarifa
acima de R$ 2,78 ficará acima
do que paga um novaiorquino
que compra o passe.
Mais: Serra e Alckmin ficarão
na posição canhestra de usufruir programas de milhagem
em suas viagens aéreas, enquanto seus súditos não recebem o mesmo benefício nas redes de transporte que administram.
O problema não é apenas orçamentário, é também cerebral.
Alckmin e Serra podem apresentar ao andar de baixo um
plano de tarifas inteligente, pelo
qual mais gente usará o transporte público. Podem também
baixar o chanfalho no andar de
baixo, impondo uma tarifa única superior à que se cobra no
passe mensal em Nova York. Felizmente, falta menos de um
ano para a eleição.
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