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SABATINA FOLHA
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
A mudança não é feita por um só, diz ex-presidente
EX-PRESIDENTE Fernando
Henrique Cardoso, 76,
abrandou ontem o tom de
suas alfinetadas no sucessor, Luiz Inácio Lula da Silva, para valorizar o que chamou diversas vezes de
"avanços obtidos nos últimos anos" por
conta da continuidade dos governos.
Em sabatina promovida pela Folha,
ele recusou o "carimbo" de "corrupto"
como forma de se referir ao petista e
elogiou o momento da economia, sem
deixar de apontar a importância de
seu período no Planalto (1995-2002)
no controle da inflação.
FHC afirmou que pode ter havido
compra de votos no Congresso para a
aprovação da emenda que permitiu
sua reeleição e disse que Lula é "conservador" para tentar um 3º mandato.
LULA X FHC
Acho que a gente tem de
olhar as coisas num ângulo um
pouco menos estigmatizado.
Acho que houve mudanças
muito profundas no Brasil, que
explicam por que foi possível o
que era impensável no passado,
o que era difícil imaginar. Isso é
um dado positivo. E a pergunta
implicaria dizer o seguinte: "E
vocês [Lula e FHC] chegaram lá
e não fizeram nada." Será? Um
sai batizado de direita e o outro
de corrupto. Eu não acho que é
fato, acho que é um carimbo
quebrado, e acho que o Lula
não é só isso. Nesse período todo não fomos só nós, mas o
país, o país mudou muito, é um
outro Brasil para permitir que
haja liberdade, para que nós
chegássemos à Presidência.
Todos os programas sociais
que agora estão florescendo foram criados no meu governo, a
reforma agrária, quem é que
deu impulso? Como vão dizer
que governei para os ricos? Isso
é luta política. Os bancos ganham mais hoje do que ontem.
Nem é verdade que o presidente Lula governa para a classe
operária, nem pode, ele governa para o Brasil. Pergunte o que
os ricos acham dele. O programa de bolsa foi iniciado no nosso governo, eu acho muito bom.
O Bolsa Família é um programa
bom, transfere menos renda
que o salário mínimo, é positivo, mas tem de ver os limites.
As coisas não são feitas por alguém, é uma história.
HERANÇA MALDITA
Ninguém tem copyright do
que fez na política, apropriação
é um processo natural da política. É uma discussão que interessa à vaidade das pessoas, não
olho por esse ângulo. Digo, criticaram tanto para fazer a mesma coisa, então não estava tão
mal assim. De certa forma isso
me satisfaz. Às vezes, eles exageram, dizem que não fiz nada,
herança maldita. Estão esquecendo a maldição da herança,
de tanta bênção que receberam.
CRESCIMENTO
A conjuntura mundial era
negativa [na minha época], era
absolutamente diversa. Agora é
absolutamente favorável, não
existia a China. Nós estávamos
num esforço enorme de estabilização fiscal. É preciso não esquecer que, quando veio a redemocratização, era um momento difícil, tínhamos um Estado
que não estava apto a administrar, tínhamos inflação e demandas sociais enormes. Por
sorte do Brasil e do Lula, hoje
há a possibilidade de a economia florescer. Imagina se ele tivesse de enfrentar aquilo que
eu enfrentei, seria pior. Eu tive
de enfrentar outros problemas,
que eram muito mais difíceis.
DESAFIOS
A situação que [o novo presidente] irá enfrentar é bem diferente da agenda que enfrentei e
da que o presidente Lula está
enfrentando. Enfrentamos
duas coisas: estabilização e tentativa de retomada do crescimento e modernização do Estado com abertura para a área
social. Agora há outras questões. A questão da violência é
muito grave. Depois, [é preciso]
destravar as dificuldades da infra-estrutura da economia brasileira e, o mais importante,
cuidar da educação. O presidente não vai conseguir resolver tudo, até porque algumas
questões não são do presidente,
como a violência, que tem âmbito estadual. Mas acho que
chegamos num momento em
que, se não for uma questão nacional que comova a sociedade,
não se resolve.
FISIOLOGIA
Acho que isso [fisiologia] deriva de muitas coisas, do corporativismo, do patrimonialismo.
Acho que a gente nunca conseguiu resolver a questão efetiva
do regime republicano. O sistema de votos faz com que a pessoa chegue ao Parlamento sem
dever ao eleitor, mas devendo
aos canais intermediários. E
quando renova o Congresso,
renovam as pessoas, não o sistema. Quando cheguei à Presidência, criei um conselho de
presidentes de partidos, logo
percebi que era inútil porque
eles não controlam os partidos.
Chamei os líderes dos partidos,
mas eles também não controlam o partido, são os canais de
transmissão das demandas dos
deputados ao Executivo. Então
o presidente tem que negociar
quase homem a homem.
REFORMA POLÍTICA
Chega um momento em que
se diz: "não dá mais". Acho que
nós estamos chegando nesse
momento na área da corrupção, não dá mais esse tipo de relacionamento entre o Executivo e o Legislativo, não dá mais
para o Congresso não ter uma
ligação mais presente com a população. Há muitas maneiras
de fazer isso. Não precisa ser o
voto distrital puro, pode ser o
misto, pode ser um distrito menor, mas alguma coisa terá de
ser feita para quebrar esse elo
fundamental.
Não acredito em salvador da
pátria. Acho que essa é uma
medida importante, vai levar
tempo. Se olhar as histórias das
democracias mais maduras hoje, elas também passaram por
períodos difíceis e foram se
aperfeiçoando. Não dá para resolver tudo em uma só pessoa.
TERCEIRO MANDATO
Eu não acho que o perfil do
presidente Lula vá nessa direção, o que não quer dizer que
essa direção não seja posta como possibilidade. Nem a sociedade brasileira [tem esse perfil]. A sociedade brasileira tem
uma capacidade de organização e de reação muito grande.
Então não acho que vai acontecer isso. O fato de o presidente
ser forte pode ser utilizado bem
de outra maneira, e aí eu lamento ele não ter uma agenda
no Congresso. A agenda está ficando limitada à defesa do imposto. Nesse caso, o presidente
Lula não exerce a sua força popular em termos de organização de um programa que permita ao país vê-lo e apoiá-lo.
Não vou julgar a intenção do
Lula [de ter um terceiro mandato], não cabe a mim.
LULA CONSERVADOR
Acho que, na tradição de Lula, estilo de Lula, ele é conservador. Entre uma solução que
mude tudo, ele fica com uma
que não muda tanto. Nunca vi o
Lula indo para extremos. Ele é
moderado, conservador. É
muito difícil, dada a sociedade
brasileira, que ele vá fazer uma
saída radical, que vá mudar
muita coisa. Não estou falando
de intenção dele, não. Ele pode
ter as melhores intenções do
mundo. Não estou julgando as
intenções, posso julgar o estilo
de comportamento dele. Ele
tem uma história, um partido, e
essas coisas pesam. O mais perigoso em um país é que não tenha amarras. Lula mudou muito, mudou sempre e vai mudando, mas ele muda e se amarra,
muda e se amarra. Lula não é
anti, é muito mais pró. Não é
bom ou ruim, depende do momento. Em certos momentos
você precisa quebrar. No momento atual do Brasil, não era
necessário quebrar. Agora, no
futuro, vamos precisar de um
presidente que seja mais duro.
CPMF
"Naquela época [governo
FHC] precisávamos efetivamente de recursos. Por quê?
Havíamos perdido o grande imposto que sustentava o Brasil,
que era a inflação. Então estávamos num sufoco, tínhamos
de fazer a CPMF. É uma discussão técnica, mas eu nunca achei
que fosse um mau imposto, é
fácil de cobrar, vale mais para o
pobre do que para o rico, isso é
verdade. Qual a posição agora
do PSDB? O senador Tasso [Jereissati] fez uma proposta logo
no início, de reduzir o valor gradativamente, houve várias tentativas de uma atitude racional.
O governo foi intransigente,
certo de que iria levar tudo pela
força. Não conseguiu até agora,
mas não abriu nenhum espaço
real de negociação com o PSDB.
É difícil dizer aos senadores
que tentaram e não conseguiram nada, dizer que agora vocês
vão capitular porque os governadores precisam disso. Não
pode matar o partido dessa maneira.
Suponhamos que caia a
CPMF, não sei se vai cair, não
estou acompanhando o dia-a-dia, mas suponhamos que caia
o imposto ou que não se vote, o
que vai acontecer? Em janeiro
você negocia novamente. O
PSDB não pode ser irresponsável frente ao país, mas o governo também não pode seguir dizendo: não vou negociar nada."
SERRA X AÉCIO
"É natural que as pessoas aspirem [à Presidência]. As pessoas ao redor estão mais encarniçadas que os próprios envolvidos, isso é da vida política. Se
você não tem aspiração, é difícil. Se tem uma cisão, se torna
dramático. Fora disso, é natural na vida política que haja
conflito. Você precisa criar mecanismos de resolução de conflitos. Conflito é da vida humana. Marido e mulher brigam.
Depois fazem as pazes e é mais
gostoso. Agora eu virei o Lula,
estou usando exemplos domésticos (risos).
O PSDB nunca teve uma situação em que fosse preciso fazer uma primária, uma prévia.
Se for necessário, vai fazer. O
importante é haver uma certa
união. Os dados estão aí, e podem mudar. Temos que deixar
o espaço aberto. Temos uma situação positiva, temos um excesso de gente competente, que
pode ganhar. Quando o partido
não tem, só tem um, aí a unidade é feita."
CASO AZEREDO
"Eu cobrei [do PSDB essa
questão], eu fui absolutamente
claro. Eu acho que o PSDB deveria ter sido mais afirmativo.
É o seguinte, está no tribunal
[STF], todo mundo sabe que o
Eduardo Azeredo é um homem
bom, direito, decente, mas, se
fez alguma coisa errada, está no
tribunal, nós não temos que tapar o sol com a peneira. E se foi
errado, que deve ter sido, é condenar. Eu não acho, como o
presidente Lula, que disse, "Ah
coitado, isso foi só para a campanha". O PSDB pode ter ficado
calado, mas ninguém foi lá para
defender."
COMPRA DE VOTOS
"A emenda da reeleição foi
votada em janeiro de 1997 por
uma maioria folgada, as pesquisas de opinião pública eram favoráveis, os editoriais também.
Em maio de 2007, apareceu
uma gravação, de um deputado
do Acre, que, em uma certa altura, alguém disse: "Isso o Sérgio resolve". Atribuiu-se que era
o Sérgio Motta. Ele foi lá na Comissão de Justiça e mostrou
que não tinha nada a ver com
aquilo. O que aconteceu? Houve compra de voto? Provavelmente, provavelmente. Foi feito pelo governo federal? Não
foi. Pelo PSDB? Não foi. Por
mim? Muito menos.
Vocês se esquecem de que os
governos estaduais estavam em
jogo, que os governadores queriam a reeleição. Não quero entrar em detalhes. São todos do
Acre. E o governo federal não
precisava, porque nós tínhamos maioria tranqüila. Quem
que é bobo de comprar o que já
estava na mão?"
FORA LULA
"O impeachment não é um
julgamento para ver se é culpado, é um julgamento político.
Eu poderia dizer o seguinte,
quando assisti ao Duda Mendonça na televisão dizer que ele
recebeu dinheiro no exterior
para pagar a campanha, eu disse, a Justiça vai ter de interferir. Efetivamente, quando
ocorre isso numa prefeitura, a
Justiça tira o prefeito. O PSDB
foi à Justiça e reclamou, não
aconteceu nada.
Não houve nenhuma implicação direta do presidente Lula
e a opinião pública não sustentaria um impeachment, e nós
provocaríamos uma divisão no
país muito profunda, porque o
presidente poderia apelar às
massas e dizer: "Olha, manobra
da elite e não sei o quê..." A decisão foi política e não havia gás
suficiente para isso.
O problema do impeachment
é político. Ao não pedir o impeachment, não se está dizendo
que ele não tem responsabilidade. Não havia força, e se houvesse, valeria a pena? É a primeira vez que se elege um líder
sindical, que tem virtudes, que
simboliza muita coisa, acho que
não se pode pensar no interesse
do partido, tem de se pensar
mais amplo, na história.
Eu assisti no Chile, agora estou vendo na Venezuela, eu assisti na Argentina e assisti no
Brasil também, no tempo do
Getúlio [Vargas]. Politicamente, acho que seria um processo
complexo."
CHÁVEZ
"É muito importante o que
aconteceu [derrota do Chávez
no plebiscito], a Venezuela, que
é um país que tem dinamismo,
tem petróleo, ampliar suas relações com o Brasil. Fui eu
quem fez a ligação da Venezuela com o Brasil, eletricidade, a
energia que serve Roraima vem
da Venezuela.
O Chávez que eu conheci é do
barril de petróleo que custava
US$ 15, agora são US$ 100. É
muito mais difícil negociar com
uma pessoa que tem tanto poder financeiro na mão e que
tem uma audácia muito grande.
Nunca houve um líder nesse
continente com a capacidade
de desafiar temas do mundo como o Chávez. O Fidel Castro
[ditador de Cuba] se defendia
dos EUA, o Chávez ataca.
É importante que o Brasil
mantenha relações estreitas
com a Venezuela e no Mercosul, desde que ela cumpra as
condições. O debate, a meu ver,
está equivocado, está politizado. O que nós temos que perguntar é se ele está cumprindo
requisitos para entrar no Mercosul. Esse debate não houve.
Eu acho que não. Vamos exigir da Venezuela que ela explicite. É uma negociação, não é
uma adesão de coração. Se você
tem uma cláusula democrática
[no Mercosul], ela não pode ser
só no papel. O Brasil não pode
se omitir de ser liderança, liderança democrática.
Não acho que [a Venezuela]
seja uma ameaça ao Brasil, o
que não quer dizer que os militares não vão perceber [se isso
acontecer] e até com razão, se
equipar, essa coisa toda. Não
acho que seja uma coisa gritante. Acho que é uma pena, [Chávez] está jogando muito dinheiro em armamento, e eu não vejo bem para quê.
A política externa exige ter
bastante continuidade. Tem
que ser nacional. Em alguns
pontos, sim, Lula seguiu [minha política externa], em outros, não."
CRISE AÉREA
"Eu não fiz Anac nenhuma.
Não consegui, não saiu. O que
saiu não foi meu. Essa é do Lula. Eu acho que a melhor forma
é você, progressivamente, desmilitarizar certas áreas que são
passíveis de desmilitarização,
mas com profissionalização. E
sem insistir que não pode ter
militar. Pode ter, sim, às vezes
eles são mais competentes que
os civis. Houve erro de operação porque houve avanço de
políticos em instituições que
não podem ser politizadas."
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