São Paulo, quinta-feira, 08 de março de 2001

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A MORTE DE COVAS

FHC, companheiros de partido, parentes e antigos amigos participam de solenidade

Enterro de governador se torna ato tucano-familiar

Eduardo Knapp/Folha Imagem
O presidente FHC, entre a primeira-dama, Ruth Cardoso, e Lila Covas, viúva de Mário Covas, que foi enterrado ontem, em Santos


DOS ENVIADOS ESPECIAIS A SANTOS

Tudo parecia feito sob encomenda para a volta, a definitiva, de Mário Covas Júnior às suas origens: o hino do Santos F. C., tocado ao saxofone quando o cortejo chegava ao cemitério do Paquetá, a bandeira branca e preta do clube cobrindo o caixão quando baixava à sepultura, um sol de dia de praia, empurrando a temperatura para 41C, a vizinhança do porto que foi um de seus objetos de carinho como parlamentar.
Uma volta às origens também político-partidária e pessoal: ao contrário das presenças multipartidárias no Incor e no velório no Palácio dos Bandeirantes, a hegemonia, no Paquetá, era de companheiros de partido, o PSDB, de parentes e antigos amigos, os que mais choravam, como se as lágrimas dos outros todos tivessem se esgotado nos dias anteriores.
Covas morreu às 5h30 de anteontem, no Instituto do Coração, em decorrência de falência múltipla de órgãos. O governador estava internado no Incor desde 25 de fevereiro, para tratamento de quadro infeccioso grave e distúrbios generalizados em razão de um câncer de bexiga diagnosticado em dezembro de 1998 e que voltou no final de 2000.
Além do presidente Fernando Henrique Cardoso e da mulher, Ruth, o PSDB estava representado também, entre outros, pelos ministros José Serra (Saúde), Paulo Renato (Educação), Pimenta da Veiga (Comunicações) e Aloysio Nunes Ferreira Filho (Secretaria Geral da Presidência).
O único ministro não-tucano era Raul Jungmann (Desenvolvimento Agrário), que explicou: "Especialmente nos últimos anos, com a busca das soluções para as questões agrárias no Pontal do Paranapanema (região oeste de São Paulo), desenvolvi uma amizade pessoal muito grande com o governador Mário Covas".
O único governador presente era também tucano (José Ignácio Ferreira, do Espírito Santo). Havia exceções, como o senador Romeu Tuma (PFL-SP), a deputada Luíza Erundina (PSB-SP) e os petistas Marta e Eduardo Suplicy e a deputada Telma de Souza.
Até as duas únicas bandeiras levadas ao cemitério eram, uma, azul e, a outra, amarela, as cores do PSDB. A primeira reproduzia o que já virou um bordão: "Covas, o exemplo". A outra dizia, simplesmente, "Covas".
A viagem final do governador de São Paulo à cidade onde nasceu, faz 70 anos e 11 meses, começou a terminar um minuto antes das 14h, quando os quatro coveiros da Prefeitura de Santos iniciaram a descida do caixão, ainda coberto com a bandeira santista, para a cova 339 do jazigo número 20 do mais antigo cemitério de Santos, o de Paquetá, no centro velho.
O silêncio de parentes, convidados e autoridades, cerca de mil pessoas, só era quebrado pelo ruído dos rotores dos nove helicópteros que sobrevoaram o cortejo desde que deixou o Palácio dos Bandeirantes, três horas e 105 quilômetros antes.
Depois, os três músicos da Polícia Militar soaram a despedida em seus clarins, para alívio de Lila Covas, a viúva, que, embora ainda muito dolorida, confessava que o pior fora mesmo a dor da agonia.
Cinco minutos depois, a laje era colocada sobre o túmulo, fechando a história de vida de quem foi "consagrado junto com seu povo, nosso povo, que reconheceu em você um líder, reconheceu suas virtudes", conforme havia dito, pouco antes, Fernando Henrique Cardoso na fala de adeus.
O presidente chegara a Santos às 13h10, de helicóptero, que desceu na zona portuária, bem atrás do cemitério. Entrou pelo portão dos fundos (pelo qual também sairia) e ficou na capela aguardando a chegada do cortejo, que se daria meia hora depois.
Quando o caixão foi baixado do carro do Corpo de Bombeiros, uma relíquia histórica de 1936, Luís Esperandeo, amigo do governador, começou a tocar no sax o "agora quem dá bola é o Santos", como diz o hino do clube pelo qual Covas torcia e de que gostaria de ter sido presidente.
O cortejo teve dificuldades para se locomover pelas estreitas alamedas do cemitério, enquanto, de um dos helicópteros, caía uma chuva de pétalas de rosa.
O presidente, abatido, mas sem chorar, e sua mulher Ruth ficaram de um lado do túmulo. Lila, ladeada pelos dois filhos, Renata e Mário Covas Neto, o Zuzinha, ficou do outro.
Na outra ponta, o secretário de Comunicação, Oswaldo Martins, que, ao contrário da família, chorava muito (no final, quando a maioria das autoridades já havia saído, Martins abraçou-se longamente com o ministro da Saúde, José Serra. Os dois choravam).
Dom David Picão, o bispo de Santos, fez a oração fúnebre, iniciada com um "Pai Nosso", que até FHC, que já teve problemas com seu suposto ateísmo, rezou em voz alta. FHC foi o único a falar. Disse que suas palavras não eram de despedida, "mas de permanência".
Lila, bem em frente, serena, sem chorar, ao contrário da véspera, franzia o cenho e balançava afirmativamente a cabeça a cada frase de FHC, especialmente quando fez referência ao "companheiro", que definiu como o "mais belo" título dos ali presentes.
Mal o túmulo foi fechado, a filha Renata foi a primeira a sair, amparada pelo marido.
Depois, começou a saída das autoridades que eram saudadas (e também vaiadas) por um grupo de portuários que ficou em cima do muro dos fundos do cemitério.
O governador Geraldo Alckmin, depois de permanecer sóbrio e sem chorar durante todo o velório e o cortejo até Santos, não resistiu à cena final: logo depois do enterro, ficou com os olhos cheios d'água ao ser cumprimentado pelo bispo de Santos, D. David Picão. "Vão ser precisos mais 200 anos até haver um outro como Mário Covas e uma comoção popular em Santos como essa", disse o bispo ao governador.
Alckmin apertou-lhe as mãos e respondeu: "Uma reputação assim não se constrói por uma ação só, de um momento para outro, mas de passo em passo, ao longo de toda uma vida".
Às 14h34, o secretário municipal de Saúde,Tomas Soderberg, recebeu a autorização para desmobilizar o esquema médico, que incluiu oito ambulâncias. Segundo Soderberg, houve sete atendimentos durante o enterro de Covas, por causa de desmaios, causados pelo calor, embora o secretário prefira atribuí-los à "forte comoção".

A chegada à praça
Cerca de 3.500 pessoas, segundo cálculos da PM, compareceram à praça José Bonifácio, na zona portuária de Santos, a primeira escala no retorno definitivo de Mário Covas à sua cidade. O caminhão com o corpo chegou à praça às 13h e foi aplaudido pelas pessoas que ocupavam a área e se aglomeravam nas sacadas de prédios.
Tão logo chegou ao local, o caixão foi retirado do caminhão por oito policiais militares, que o entregaram a dez cadetes da Academia do Barro Branco, a escola de oficiais da PM. A solenidade durou cerca de 15 minutos.
A PM de São Paulo homenageou o governador com três salvas de 42 tiros de fuzil automático. A família de Covas, ministros, deputados e secretários de Estado acompanharam o corpo, transportado pelos cadetes por cem metros, entre dois caminhões do Corpo de Bombeiros. Durante esse trajeto, a banda da PM executou a marcha fúnebre. Ao retornar ao ônibus que levava familiares e políticos, a viúva teve de ser amparada. Ela acompanhou a solenidade de mãos dadas com o filho, Mário Covas Neto.
Quando o caminhão com o corpo de Covas seguiu para o cemitério de Paquetá, o sino da igreja de Nossa Senhora do Rosário, que fica na praça, começou a badalar.
Cerca de 500 metros depois, o caminhão histórico do Corpo de Bombeiros quebrou. Foi pane na bomba de gasolina, segundo oficiais do Corpo de Bombeiros.
O caminhão foi rebocado pelo outro que transportou o corpo de São Paulo. O incidente alterou o final do cortejo. O caixão teve de ser carregado por aproximadamente cem metros, porque o caminhão não conseguiu fazer a curva e chegar ao cemitério.
Ao chegar à solenidade, o prefeito de Santos, Beto Mansur (PPB), disse que enviou à Câmara Municipal um projeto para dar o nome do governador Mário Covas à avenida Portuária. Ele afirmou ainda que mandará fazer um busto de Covas.
Na entrada de Santos, em todo o percurso até o cemitério, na praça José Bonifácio e, principalmente, no próprio cemitério uma infinidade de faixas, cartazes, coroas de flores, folhetos, papeluchos, prestavam a última homenagem ao governador. Uma delas reunia numa só frase três heróis do Santos F. C. a Covas: "Coutinho, Covas, Pelé e Pepe, gol do Brasil em qualquer lugar".


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