São Paulo, domingo, 8 de março de 1998

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CELSO PINTO
BC vendeu bilhões de dólares

O Banco Central vendeu algo entre US$ 10 bilhões e US$ 15 bilhões no mercado futuro de dólares em janeiro, admitiu à coluna o diretor da Área Bancária, Francisco Lopes. As vendas fizeram as cotações futuras do dólar despencar, elevando a remuneração dos investidores externos, o que atraiu uma enxurrada de dólares desde então.
Esta é a primeira vez que alguém do governo admite que o BC opera no futuro de dólar da Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&F). Não é ilegal, mas foge das regras da BM&F. Cada cliente só pode ter, no máximo, o equivalente a 15% das posições em aberto.
Em novembro, segundo Lopes, o BC chegou a ter mais de US$ 20 bilhões vendidos no mercado futuro da BM&F, quando o total de posições em aberto chegou a US$ 40 bilhões. A rigor, portanto, só poderia ter algo em torno de US$ 6 bilhões. Em janeiro, não poderia ter mais do que uns US$ 3,7 bilhões.
Lopes diz que o BC "não quebrou nenhuma regra", mas não detalha como tem operado. No mercado, comenta-se que o BC tem-se utilizado de vários bancos para montar posições para ele.
Desde a crise da Tailândia, em meados do ano passado, o BC discutia se deveria oferecer dólares no mercado futuro. Havia um projeto, que foi discutido pela direção do BC, segundo Lopes, para o governo vender opções de compra de dólar futuro. Enquanto o governo discutia internamente, contudo, veio a crise de outubro, as cotações do dólar futuro dispararam, e o BC, na emergência, começou a vender dólares na BM&F (assumindo o risco de perda se houvesse desvalorização cambial).
Paradoxo dos juros
Entre o final do ano passado e o início deste ano, segundo Lopes, a posição do governo na BM&F zerou. Só que faltaram bancos, empresas ou especuladores dispostos a vender dólares no mercado futuro.
Antes da crise de outubro, muitos bancos compravam títulos de mais longo prazo do governo com correção cambial e, protegidos contra uma desvalorização, aceitavam vender dólares no mercado futuro por 30, 60 ou 90 dias, lucrando com isso. Para se proteger inteiramente, os bancos faziam, ao mesmo tempo, operações de troca de juros ("swap") no mercado futuro.
Com a crise de outubro, desapareceu temporariamente o mercado de "swap" de juros e ninguém mais quis vender dólares no mercado futuro. Aconteceu o "paradoxo dos juros": apesar da taxa altíssima de juros, o "cupom cambial", que mede a remuneração do investidor externo, caiu, porque a desvalorização embutida no mercado futuro estava altíssima.
Por essa razão, a partir de meados de janeiro o BC voltou a vender pesado dólares na BM&F, fez desabar as cotações e criou o segundo paradoxo: quando derrubou as taxas de juros para 34,5% no dia 28 de janeiro, o cupom cambial subiu e não caiu. O resultado foi uma enxurrada de dólares desde então. Lopes diz que, na quarta-feira, as reservas estavam em US$ 59 bilhões e vão "superar facilmente US$ 60 bilhões neste mês".
Lopes admite que, por ser dinheiro de curto prazo, cria um certo desconforto. O objetivo, depois de voltar a ter mais de US$ 60 bilhões, é ter um crescimento "suave" das reservas.
Fed e FMI questionam
Ao operar no mercado futuro, o Brasil arranjou uma encrenca com o Fed (banco central americano), o FMI e o BIS (banco central de bancos centrais). Todos eles são contra operações de BCs em mercados futuros e a favor de que, se isso ocorrer, o governo divulgue exatamente quanto está vendendo.
Lopes confessa que tem suas dúvidas se não seria melhor dar total transparência a essas operações. O Brasil, contudo, não vai divulgar as operações, diz ele, até porque países que operam pesado no mercado futuro, como a África do Sul, também não o fazem.
Além disso, Lopes tem colocado um argumento forte nas discussões com o Fed, FMI e BIS. Ele diz que há uma diferença básica entre operações de "forward", que implicam em venda efetiva de dólares no futuro, e de futuro no Brasil, que são vendas de dólares a uma certa cotação futura, mas que são liquidadas em reais, não em dólares. A Tailândia operou muito em "forward", e os dólares desapareceram, o que levou o FMI e o governo americano a criticarem esse tipo de operação e pedirem transparência.
O efeito, no caso do Brasil, seria um pouco diferente. Se o BC vendesse na BM&F o equivalente a todos os US$ 60 bilhões de reservas e houvesse uma máxi de 20%, quem tivesse comprado posições futuras ganharia o equivalente a US$ 12 bilhões, mas em reais. Se fosse apenas uma empresa tentando se proteger contra uma máxi, embolsaria os reais e ficaria satisfeita com sua cautela. Se fosse um especulador, poderia usar os reais para comprar os US$ 12 bilhões e mandar para fora.
Seriam, contudo, US$ 12 bilhões, e não US$ 60 bilhões. Além disso, se o BC depois da máxi deixasse o câmbio flutuar, não perderia reservas: o especulador teria que comprar dólares no mercado. Nesse caso, contudo, poderia haver uma pressão pela compra de dólares, forçando uma desvalorização ainda maior, com efeitos deletérios sobre a economia.
O "efeito Tesobonos"
Foi exatamente o que aconteceu no México em 94, lembra Lopes. O governo fez a desvalorização, e os investidores externos ficaram com cerca de US$ 30 bilhões de Tesobonos na mão (títulos em peso indexados em dólares, equivalentes às NTN cambiais brasileiras). Como eram de curtíssimo prazo, os investidores correram para liquidá-los, comprar dólares e remeter, forçando uma desvalorização fortíssima do peso: a cotação de cada dólar passou, rapidamente, de 3,5 pesos para 7 pesos.
Exatamente por causa do México, o mercado olha os títulos indexados brasileiros com desconfiança. Lopes argumenta, contudo, que os prazos no Brasil são mais longos e que o governo tem evitado que o total destes papéis ultrapasse uma proporção razoável das reservas.
De todo modo, operar no mercado futuro e emitir títulos indexados gera algum desconforto. Lopes argumenta, no entanto, que a percepção externa sobre o Brasil, hoje, é muito positiva. A maior parte dos investidores viu a reação do Brasil à crise de outubro como uma resposta boa e rápida a um teste tão difícil quanto foi o "efeito Tequila" para os argentinos em 95.
Lopes deixa claro que o BC continuará operando na BM&F quando achar necessário, embora sua posição no mercado futuro, hoje, seja "muito pequena". A crise de outubro teria mostrado, a seu ver, que "não dá para ter o mercado spot (de entrega imediata) de dólares amarrado, e o futuro, livre". Ele garante que o Brasil reagirá a qualquer outra instabilidade não só elevando outra vez os juros, como operando na BM&F e vendendo títulos indexados.
Pessimismo fiscal
O que o desanima é o lado fiscal e seus resultados "muito ruins". "Estamos muito pessimistas no BC com 98", diz ele, estimando que o déficit público continuará acima de 5% do PIB. "O desafio é 99".
A culpa pelo descontrole, diz ele, não é só dos Estados, mas também do governo federal. Não adianta fixar uma meta para, digamos, a Previdência, vê-la superada "e depois dizer que não entendeu por quê". É preciso ter números confiáveis "para diminuir a capacidade de auto-engano". O esforço de unificação de critérios de apuração do déficit entre a Fazenda e o BC, que está sendo feito, é um passo positivo nessa direção.




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