São Paulo, domingo, 08 de abril de 2001

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JANIO DE FREITAS

Você na corrupção

Logo você, que se mostra indignado com a corrupção, integrante dos 84% que a querem investigada no Congresso e dos 80% que responsabilizam Fernando Henrique Cardoso pelas ações corruptas no governo, logo você é que está dando dinheiro seu, que ganhou com o seu trabalho, para impedir que seja instalada a CPI da Corrupção. Convenhamos, é decepcionante, para dizer o mínimo dos mínimos sobre sua atitude.
Por que a presunção de que você é um daqueles tantos por cento e de que está pagando para evitar a CPI? É simples. Se frequenta este quintalzinho aqui, posso presumir sua discordância dos que, na mídia, protegem a corrupção a pretexto de que apoiar a investigação pela CPI tem o propósito, apenas, de atingir Fernando Henrique. Não seria difícil demonstrar as motivações muito concretas de tal pretexto, mas não faltará oportunidade de fazê-lo. Por ora, interessa pôr às claras a sua contribuição financeira contra a CPI da Corrupção.
Saiba você, se ainda não soube, que a correção de 28,5% das tabelas do seu imposto de renda, diminuindo a quantia a pagar ou aumentando a devolução a receber, foi aprovada no Senado e chegou à Câmara sob a decisão, tornada pública pelos líderes de bancadas, de aprová-la em regime de urgência. Projeto do senador Paulo Hartung (PPS-ES). Já era mais do que tempo: desde 95, o governo Fernando Henrique aumenta ano a ano o imposto de renda, na moita, com o artifício de não corrigir as tabelas.
Aplicada a correção de 28,5%, o total de impostos arrecadados pelo governo neste ano diminuiria, segundo os próprios cálculos governamentais, em R$ 3,5 bi a R$ 3,8 bi. Ninharia, no montante final. Ainda assim, o cálculo é mentiroso para cima, porque o contribuinte, pagando menos ou recebendo maior devolução, teria mais dinheiro para gastar e, com isso, geraria maior montante de impostos recolhidos pelo governo. Mas vá lá que o cálculo fosse honesto. Daqueles bilhões, então, o governo federal só deixaria de receber entre R$ 1,5 bi e R$ 2 bi, e o demais sairia da quota dividida pelos estados.
Enquanto os deputados caminhavam para a aprovação do projeto, o requerimento de CPI empacava em 25 dos 81 senadores (seriam necessárias 27 assinaturas) e em 144 dos 513 deputados (necessárias 171 assinaturas). Empacamento obtido por processo conhecido. Quando o apoio à CPI no Senado e na Câmara fizera soar o alarme na moralidade de Fernando Henrique, uma promessa presidencial depressa adquirira a solidariedade da maioria parlamentar: os bilhões tão do agrado dos parlamentares, para uso e desuso junto à sua clientela eleitoral, seriam liberados em troca da recusa à CPI. O consagrado método do é dando (dinheiro público) que se recebe (favores).
Recomposta a integridade moral do presidente, a meio da última semana os líderes das bancadas governistas foram chamados para um papinho no palácio. Logo eram avisados de que Fernando Henrique acha "muito justa" a correção do IR, como viria a narrar Geddel Vieira Lima antes de voltar às compras, mas, se aprovada, provocaria uma reação presidencial: seria suspensa a liberação de verbas "de interesse social". O alarme soou na moralidade dos líderes das bancadas governistas.
Isso mesmo. Se aprovada a correção, embora ainda muito insuficiente, das tabelas do imposto de renda, os bilhões prometidos aos parlamentares não seriam liberados. Ou seja, é o seu dinheiro, leitor indignado com a corrupção e ansioso por investigações, que está barrando a CPI da Corrupção. Sai do seu trabalho, entra no seu bolso, sai do seu bolso para o Tesouro Nacional, o governo o repassa ao destino desejado pelos parlamentares governistas - e, pronto, estão asseguradas a continuidade da corrupção e a tranquila impunidade dos corruptos.
No Brasil colônia, alguém que diria que fosse se queixar ao bispo. Hoje não se dirá nem mesmo que se queixe à ministra da corrupção. Quando muito, digo-lhe eu que o atual Palácio do Planalto é a fonte da corrupção e o túmulo da decência política e administrativa.



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