São Paulo, terça, 8 de abril de 1997.

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RETÓRICA PRESIDENCIAL
Em discurso de sociólogo, presidente nega ser adepto cego do neoliberalismo e discute globalização
Economia cria `inempregáveis', diz FHC

IGOR GIELOW
da Reportagem Local

A realidade econômica do chamado neoliberalismo criou uma casta de pessoas ``inempregáveis'' no Brasil.
Esse é o mais recente neologismo do presidente Fernando Henrique Cardoso, após chamar de ``neobobos'' aqueles que o criticam.
O ``inempregável'' foi forjado ontem em uma palestra na qual desempenhou o papel em que fica mais confortável: o de sociólogo.
``O processo global de desenvolvimento econômico cria pessoas dispensáveis no processo produtivo, que são crescentemente `inempregáveis'', por falta de qualificação e pelo desinteresse em empregá-las', disse.
Os ``inempregáveis'' de FHC são aqueles trabalhadores que foram ``engolidos'' pelo desenvolvimento tecnológico e não têm mais lugar natural na economia. Ele não citou nenhuma categoria. Para FHC, não é possível agir ``como avestruz''. Diz que a globalização e o neoliberalismo são fatos.
As considerações, de tom crítico com a própria realidade do governo federal, foram feitas na abertura do "Seminário Internacional de Emprego e Relações de Trabalho", realizado pelo Ministério do Trabalho no Memorial da América Latina (zona oeste de São Paulo).
O encontro visa buscar opções justamente para integrar os ``inempregáveis'' de FHC.
Foi o segundo discurso sociológico de FHC em menos de 24 horas. Na noite de domingo, ele abriu a conferência da Cepal (Comissão Econômica para América Latina e Caribe) falando sobre exclusão social e falhas dos governos latino-americanos na área.
Modéstia
O primeiro discurso foi mais contido. Ontem, FHC abandonou a modéstia e fez citações a sua experiência pessoal repetidas vezes. ``Escrevi isso há dez anos'', disse ao falar sobre relações de trabalho.
Em outro momento, FHC lembrou o impacto que a transmissão de notícias sobre a Guerra do Vietnã na década de 60 ao falar do poder da informação.
``Eu morava nos EUA, era professor em Stanford, e lembro que o impacto era terrível''.
Fora as citações. Os filósofos Hegel, Marx e Montesquieu, além do escritor Charles Dickens, foram alguns dos contemplados nos 56 minutos de discurso.
A platéia, sonolenta pelo horário do evento (9h), acompanhava da melhor forma possível. ``Ótimo discurso, só que me lembrou as aulas de sociologia matinais na faculdade. Deu sono'', disse um delegado do Ministério do Trabalho.
FHC também negou ser um adepto cego do mercado e fez autocrítica. ``A discussão sobre o neoliberalismo é uma questão retórica inútil. O que ocorre hoje não se trata do triunfo do neoliberalismo. É também a reemergência de uma ação política que gere um novo poder público, um novo empresariado e um novo sindicalismo. Ainda não temos nada disso.''
Ainda falando em sindicalismo, FHC afirmou que o ``novo sindicalismo brasileiro envelheceu, em momentos é reacionário''.
O presidente, antes de encerrar e voltar a Brasília, defendeu a educação como forma de garantir a inserção social dos ``inempregáveis'' no futuro.
``Mas sofremos críticas quando propusemos um piso de R$ 300,00. Isso é muito em boa parte do país, mesmo sendo pouco. Não é como São Paulo'', disse FHC, que então consultou o governador Mário Covas sobre o piso do professor estadual paulista.
``R$ 560,00 mensais'' por 40 horas semanais, disse FHC. Escorregou: esse valor é para o piso com gratificações e complementos. O piso simples, segundo o sindicato dos professores, é R$ 334,00.

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