São Paulo, quarta, 8 de abril de 1998

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JANIO DE FREITAS
Gente de sorte

Nem a surpresa generalizada com a escolha de Renan Calheiros, em uma lista de seis nomes dada a Fernando Henrique Cardoso pelo PMDB, pôde ser maior que a surpresa do próprio Renan Calheiros ao se saber escolhido para nada menos do que ministro da Justiça. É o caso incomum de uma pessoa salva por uma derrota.
Desde a campanha eleitoral de 90, e durante quase toda a primeira metade do governo Collor, Calheiros esteve intimamente ligado ao grupo cujas atividades provocaram a CPI do impeachment. Seu depoimento de acusador, no inquérito, tenderia a ser de presumido coadjuvante dos fatos investigados, não fosse Calheiros romper com Collor e PC Farias, que não apoiaram sua candidatura ao governo de Alagoas.
A conveniência de um depoimento forte contra Collor e PC Farias levou a CPI a esquecer que a autoridade acusatória do depoente advinha de sua presença, embora extinta então, no círculo de suspeitos e acusados. Se vencedor em Alagoas, tornando-se governador feito por Collor e PC, Calheiros teria sido muito incomodado, para dizer o menos.
Por falar em sobrevivente de sorte do governo Collor, outro nome está merecendo primeira página. Esta, porém, só do "Vínculo", jornal da Associação dos Funcionários do BNDES. Trata-se de pessoa com muito prestígio nos meios de comunicação e, acima de tudo, no circuito dos já beneficiados e dos aspirantes a beneficiados pelos interessantes negócios chamados, impropriamente, de privatização. Negócios, como é notório, em que o patrimônio muda de mão por uma compra em que o vendedor, representado pelo BNDES, dá ao comprador o grosso do dinheiro para a compra.
Coordenador das privatizações geridas pelo BNDES, José Pio Borges é contratado do banco, e não funcionário. Ou melhor, está em trânsito, entrando no quadro de funcionários por uma janela malandra ou, como melhor convém à gente da cúpula, penetrando pelo sótão cheio de escuridões.
Pio Borges foi vice-presidente do BNDES nomeado por Collor, demitindo-se, ou sendo solicitado a fazê-lo, uma semana depois do impeachment. Voltou ao mesmo cargo e às mesmas benesses nomeado por Fernando Henrique. E é ainda por graça presidencial, espargida sobre o interessado pelo presidente do banco, Luiz Carlos Mendonça de Barros, que Pio Borges deixa para trás 517 aprovados em concurso, como quer a Constituição, e à espera das nomeações.
Não é que Pio Borges precise, propriamente, do lugar de funcionário, que já teve e até abandonou em 85. O melhor é o lugar de não-funcionário, quer dizer, de aposentado. Com a complementação salarial proporcionada aos ex-funcionários de carreira do BNDES.



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